Um dos casos mais incompreendidos e sem solução de que se tem conhecimento é sobre o serial killer autointitulado Zodíaco. Sem dúvidas, também é um dos que mais desperta interesse até hoje, visto a quantidade de filmes, livros e artigos que podem ser encontrados atualmente. Esse interesse pode ser totalmente justificável, pois a pessoa por trás de vários assassinatos não é enquadrada como um criminoso comum. Há algo nele que instiga muito mais que qualquer outro.
Seus padrões de pensamento e comportamento eram meticulosos e estratégicos: sempre matou em fins de semana, em locais com água perto ou com nomes relacionados à água e em datas de feriados ou vésperas, também coincidindo com fases de lua nova; no horário em que os assassinatos ocorreram, tanto Saturno quanto a Estrela da Noite estavam sempre visíveis (CASOY, 2017). Suas ações eram cheias de simbologias, tanto que se mostrava de uma maneira um tanto quanto peculiar, escrevendo com caracteres cifrados em símbolos retirados de horóscopos e assinando com um círculo cruzado, caracterizando os solstícios e equinócios (CASOY, 2017). Mas a curiosidade acerca do caso pode se dar, principalmente, por conta da interatividade com a polícia e com a sociedade que o Zodíaco mantinha. As pistas que foram deixadas em cartas, no método ou na assinatura, são propositais e acabam fazendo com que o “jogo de gato e rato” entre o serial killer e a população seja alimentado (MOURA, 2017). Coletivamente, todos “participariam” desse jogo, não apenas os responsáveis pela investigação, mas também os cidadãos da época, pois estes estariam com os pensamentos voltados ao assunto, não apenas por conta da possibilidade de estarem convivendo com um criminoso em sua cidade, mas por poderem se colocar como jogadores de um grande “Detetive” da vida real. Durante o período em que estava em “ação”, foram 21 cartas e postais, enviadas ao Departamento de Polícia de Riverside, à Joseph Bates (pai de Cheri Jo Bates, sua suposta primeira vítima), para os jornais Riverside Press-Enterprise, San Francisco Chronicle, San Francisco Examiner, Vallejo Times-Herald e Los Angeles Times, para o advogado Melvin Belli e também ao editor Paul Avery, todas contendo um tom de provocação e zombaria (CASOY, 2017). Algumas das cartas encaminhadas, inclusive, eram criptografadas em uma espécie de alfabeto próprio e continham um símbolo que servia de assinatura (MOURA, 2017), parecendo até desafiar a inteligência daqueles que a recebiam. Utilizando, então, de símbolos e códigos criptografados, sua escrita era bastante descritiva e precisa; entretanto, em alguns escritos, aparentava ser uma pessoa de pouca instrução, apresentando erros básicos, gramaticais e ortográficos, gerando uma contradição ao comparar com os códigos elaborados que usava tão bem (CASOY, 2017) e que justificavam seu pseudônimo. Mesmo assim, para Moura (2017), esse assassino foi um dos que melhor utilizou o recurso de comunicação entre a mídia e a polícia, revelando um lado perturbador sobre si, com mensagens a serem decodificadas e a confissão de que não conseguiria manter o controle por muito tempo, além de afirmar que sofria de fortes dores de cabeça que só seriam amenizadas com os assassinatos. Sabendo que a linguagem é o modo primordial em que um ser humano é inserido na cultura e na sociedade, é possível imaginar um “nascimento” da identidade de serial killer, identidade esta que é mantida pelo conhecimento da sociedade em que vivia sobre si mesmo, mas apenas através de suas cartas, ou seja, somente por aquilo que ele desejava que fosse revelado. A linguagem é uma ferramenta fundamental à vida humana e é ela que possibilita ao homem criar e recriar realidades e contextos, sendo um elemento organizador que permite ao sujeito aproximar-se do meio externo e encontrar um sentido no mundo (MELLO, 2010). Tal ferramenta humana é aberta, sendo constantemente criada e construída; assim o “redimensionamento do conhecimento humano é permitido pela reflexão sobre a linguagem, já que é resultante da capacidade humana de simbolizar: o símbolo representa algo na sua ausência” (MELLO,2010). Portanto, encontra-se nas mensagens emitidas pelo Zodíaco, ainda que contivessem sofisticadas criptografias, a forma mais básica de comunicação. Através da escrita e da icônica assinatura de um círculo dividido em quatro quadrantes, ele transferiu um pouco de si próprio em cada carta, representando sua ausência física através dos símbolos reproduzidos. Assim, poderia garantir que sua voz fosse ouvida, mantendo a identidade do Zodíaco presente não apenas nas investigações policiais, mas nos jornais, programas de televisão e rádio e demais outras formas de comunicação social, estando constantemente sobre os holofotes e colocando seus feitos numa escala de importância elevada. Esse “diálogo” realizado, de acordo com Moura (2017), seria um “modo de mexer com o imaginário popular, aumentando as sensações de medo, insegurança e criar o monstro dentro das sociedades através dos textos. Com ameaças não cumpridas, inclusive”. Dessa forma, ele próprio conseguiu acumular uma série de vítimas e mais uma legião de pessoas que o acompanhavam, disseminando o mistério que o envolvia e que permitia com que continuasse a agir sem nunca ter sido, de fato, identificado. Além disso, o mistério, que desde muito tempo já causa interesse na mente de qualquer ser humano, pois desperta um impulso para a descoberta, é o que mais instiga no caso. A quantidade de vítimas, assim como as circunstâncias, torna difícil de acreditar como o autor possa permanecer tantos anos desconhecido. Ele manteve uma comunicação bastante ampla entre si e o meio, utilizando da escrita uma forma de representar quem ele é. Assim, sabe-se bastante sobre sua personalidade, seus conhecimentos e seu cotidiano, mas, apenas um detalhe persiste em escapar: quem é o Zodíaco? Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica CASOY, Ilana. Arquivos serial killers:Louco ou cruel? e Made in Brazil. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2017. MELLO, Denise R. B. A Psicanálise e seu encontro com a linguagem na obra de Freud. In.Inter Science Place. Ano 3. nº 13. 2010. Disponível em: <http://w.interscienceplace.org/isp/index.php/isp/article/view/135> Acesso em: 03 jun. 2018. MOURA, Luiz A. Dos serial killers. Ensaio acerca do Mal que escondemos, das definições, das relações com a sociedade. IS Working papers.3ª Série, nº 48. 2017. Disponível em: <http://isociologia.up.pt/sites/default/files/working-papers/wp48_170215094446.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2017. Comments are closed.
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