A relação entre a mídia e o processo penal é antiga, podendo-se dizer que se trata de uma conexão íntima, de amor e ódio entre elas. É possível afirmar que esse interesse ocorre porque o delito tem a característica de perturbar a ordem social. Nesse ínterim, os meios de comunicação sempre se sentiram atraídos pelos assuntos da seara penal, existindo a recorrente cobertura de notícias nesta área, chegando-se ao ponto de observar que dentro da gama de assuntos dos quais a imprensa poderia se utilizar, os crimes e assuntos referentes à punição merecia ter o seu espaço aumentado, o que, de fato, aconteceu. O processo Penal, pelos bens jurídicos a que lhe fora dada a incumbência de proteção, sempre será polêmico. O jurista italiano Francesco Carnelutti há muito dizia: “[...] é também qualquer coisa que dá ao processo penal o sabor de escândalo; e justamente por isso as pessoas o apreciam”.[1] Do mesmo modo, são por essas razões que é possível dizer por que os meios de comunicação possuem estreita relação com o sistema penal, porquanto tudo que chama atenção e direciona os holofotes, interessa-os. Esse fascínio pelo evento crime tem início até antes de existir um processo penal em curso, começando quando um indivíduo é preso e tem seu nome e imagem (como alimento) jogados à população (como leões famintos), que ávida pela notícia querem saber mais acerca daquele determinado fato. Porém, a cobertura da imprensa sobre um crime, geralmente, é realizada de maneira superficial, no sentido de que ela começa a acompanhar a ocorrência de um fato criminoso, eventual prisão dos envolvidos, a instauração do inquérito policial, o oferecimento da ação penal ou da queixa-crime e depois acaba esquecendo-se daquele caso, deixando de cobri-lo, surgindo outros fatos mais interessantes. Isso faz com que o acusado seja prejudicado, pois, como adverte Vieira: “[...] com o passar do tempo, a audiência dos fatos esmorece e não se divulga a conclusão das investigações, ou da sentença, restando aos olhos de todos o impacto inicial do início do procedimento”.[2] Esse modo de agir demonstra bem o modo conveniente e de interesse econômico que os meios de comunicação se pautam no estabelecimento de suas matérias. Nota-se que a grande parte da mídia não age com ética porque ela divulga as informações de maneira pela qual faz a população acreditar que a verdade processual é aquela que foi noticiada, diversas vezes usando o vocabulário jurídico de maneira errônea, de sorte que a divulgam de modo parcial, através de edições de depoimentos, imagens e relatórios técnicos, fazendo com que a notícia chegue ao receptor com o aspecto de estar finalizada e de que não há mais o que se discutir, restringindo assim, a capacidade crítica da sociedade. Igualmente, é interessante notar que essa divulgação de notícias prontas, quase sempre termina por seguir a linha punitivista, sendo a única versão dos fatos na opinião da imprensa, fazendo um julgamento antecipado e paralelo do caso, na busca de que o Judiciário siga o seu entendimento. Diante disso, os meios de comunicação se envolvem no prisma punitivo do direito penal, interferindo na maneira que a sociedade enxerga tal sistema, sendo comum a propagação de discursos de endurecimento da lei, aumento de punição e esquecimento das garantias. Dessarte surgem tendências divulgadas pela mídia, como o movimento de lei e ordem, que tem como discurso a (suposta) necessidade de aumento da repressão estatal no que concerne aos delitos, entendendo que somente o direito penal é capaz de resolver o problema da criminalidade. Pois bem, o que há é uma tentativa por parte dos meios de comunicação de incutir na sociedade uma situação de pânico e medo, com o escopo de que ela tome como verdade duas situações: que a situação divulgada é a realidade social atual e que o único jeito de reverter a situação seria através das propostas apresentadas pela imprensa, quais sejam, o endurecimento das penas, com o consequente enfraquecimento das garantias constitucionais, refletindo, por conseguinte, numa menor observância ao princípio da presunção de inocência no processo penal. Essas práticas revelam a parcialidade da mídia, que defende um discurso único, não traz opções ao povo para aprofundamento e reflexão, querendo a todo custo demonstrar que seus ideais são verdadeiros, como modelos a serem seguidos e aplicados: “Em última análise, trata-se do envio de mensagens que se tornam verdadeiras só porque têm êxito publicitário. Reforça-se como preconceito a convicção de que um mundo que se desordena pode-se ordenar com disciplina imposta com repressão”.[3] Levando em consideração o modus operandi da mídia em relação aos assuntos penais, deve-se ter bastante cuidado com as notícias propagadas pelos meios de comunicação, uma vez que a sociedade acaba por te uma visão totalmente distorcida de justiça penal, acreditando que é benéfica a violação das garantias processuais conquistadas ao longos dos anos, sob a falsa ilusão de que por esta maneira será realizada justiça num estado democrático de direito. Em verdade, o que a sociedade necessita entender é que o direito penal e o direito processual penal não são a causa nem a solução para um país seguro; o problema é muito mais profundo, passando muito mais pelo aspecto social do que jurídico, havendo a necessidade de investimento em políticas sociais e educativas, que, infelizmente, não produzem o escândalo e o holofote dos quais os meios de comunicação tanto necessitam para sobreviverem. Hugo Soares Trajano Advogado atuante em Alagoas [1] CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. São Paulo: Editora Nilobook, 2013, p.50. [2] VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Exposição do preso à mídia. Boletim IBCCrim, ano 16, n. 190, São Paulo, set. 2008. [3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Buscando o inimigo: de satã ao Direito Penal cool. In: MENEGAT, Marildo; NERI, Regina. Criminologia e subjetividade. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p.24.
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