Artigo do colunista Iuri Victor Romero Machado e Maria Vitória Bittar Daher da Costa Ferreira no sala de aula criminal, tratando sobre a juntada de documentos no tribunal do júri, prazos e contraditório, vale a leitura! '' Conforme se depreende do art. 479, nada há acerca do horário de juntada, todavia a redação legal determina que a outra parte seja cientificada. Assim, não basta que a documentação seja juntada no tríduo legal, mas também se faz necessário que a parte contrária possa ser comunicada acerca desta juntada. Nada obstante, a legislação não esclarece quando deve ocorrer tal comunicação à outra parte, i.e., se dentro do tríduo legal ou após''. Por Iuri Victor Romero Machado e Maria Vitória Bittar Daher da Costa Ferreira Caso dos mais complexos tramita na Justiça Paranaense, segundo a tese acusatória, feminicídio, ao passo que a tese defensiva é de suicídio. Sessão de julgamento do Tribunal do Júri agendada para o dia 10 de fevereiro, quarta-feira, ficou marcada pelo seu encerramento repentino por conta do abandono do plenário pela defesa, que se viu impedida de inquirir testemunhas acerca de vídeos objeto de apreensão no processo (o que não será objeto de análise nesta coluna, na medida em que demanda uma análise própria sobre a confusão entre processo eletrônico e provas apreendidas e constantes dos autos, mas não digitalizadas), bem como justificada por questões associadas ao prazo final para a juntada de documentos, conforme determina o art. 479 do Código de Processo Penal. Consta da legislação que “durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.” Apesar de aparentar simplicidade, este prazo levou os tribunais superiores a julgarem inúmeros recursos e habeas corpus até que pudessem definir o conteúdo da norma. Sendo tão diferente dos demais, a contagem deste se conta para trás e apenas em dias úteis, não se aplicando a regra do art. 798, § 1º, do Código de Processo Penal ("Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento”), vez que há a necessidade de garantir uma antecedência mínima[1]. No caso concreto, com julgamento designado para quarta-feira, dia 10/02, para que fosse respeitado o intervalo de três dias úteis entre o ato processual (juntada de documentos pelas partes) e o julgamento, teríamos a quinta-feira da semana anterior, dia 04/02, como marco final do prazo. Eis que surge a seguinte indagação: há alguma determinação com relação ao horário de tal juntada? No caso em análise, o julgador proferiu a seguinte decisão: A par do exposto, quanto às juntadas de documentos pela Defesa (eventos 816, 817 e 818) e pelo Ministério Público (evento 843), entendo assistir razão jurídica às impugnações recíprocas, na medida em que todos foram juntados em inobservância, total ou parcial, ao disposto no art. 479 do Código de Processo Penal. Desse modo, considerando que os documentos constantes dos eventos 816, 817 e 818, por conta do horário de suas juntadas (muito após o encerramento do expediente forense - todos após as 23h), não foram objetos de cientificação da acusação com 03 (três) dias úteis de antecedência da sessão plenária, fato imputável exclusivamente à Defesa em virtude do adiantado horário das juntadas, considerando, inclusive, a redesignação por uma vez da sessão de julgamento destes autos, bem como que os documentos do evento 843 foram juntados fora do prazo legal, acolho as impugnações recíprocas e, assim, determino a inutilização no sistema Projudi de todos os arquivos juntados, substituindo por certidão da Secretaria, vedando suas utilizações em Plenário. Conforme se depreende do art. 479, nada há acerca do horário de juntada, todavia a redação legal determina que a outra parte seja cientificada. Assim, não basta que a documentação seja juntada no tríduo legal, mas também se faz necessário que a parte contrária possa ser comunicada acerca desta juntada. Nada obstante, a legislação não esclarece quando deve ocorrer tal comunicação à outra parte, i.e., se dentro do tríduo legal ou após. Sobre o tema, Eugenio PACELLI e Douglas FISCHER lecionam que “não só a juntada, mas também a cientificação da parte contrária deverá se realizada dentro do tríduo mínimo previsto em lei” (2014, p. 963). Os autores esclarecem que tal prazo está fixado para garantia dos princípios do contraditório e ampla defesa, a fim de se evitar surpresas à parte adversa. Em sentido similar, Paulo RANGEL afirma que “são três dias úteis exatamente para que a parte possa conhecer a tempo do teor do documento” (2012, p. 225). Ainda, Renato Brasileiro de LIMA defende que a ratio legis “visa evitar que a parte contrária seja surpreendida por ocasião da sessão de julgamento […] atende, portanto, aos princípios da lealdade processual e do contraditório” (2020, p. 1513). O Superior Tribunal de Justiça ainda não possui posicionamento da 3ª Seção ou do Plenário sobre qual seria este prazo, nada obstante 5ª e 6ª Turmas têm posicionamento há muito consolidado. No Recurso Especial nº 1.307.166 – SP, recurso do casal Nardoni e Jatobá, a 5ª Turma estabeleceu que “a parte contrária deve ser imediatamente intimada, de modo a garantir-se-lhe a paridade de armas para o exercício do contraditório”, indeferindo o pleito defensivo de nulidade do julgamento, ante o indeferimento da juntada de documentos. Já no Recurso Especial nº 1.637.288 – SP, a 6ª Turma acompanhou o entendimento do Ministro Sebastião Reis Junior, que, divergindo do Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, proferiu o seguinte voto: Para mim, considerando que a intenção do legislador me parece ser a de garantir o julgamento justo, permitindo a ambas as partes(defesa e acusação) não só conhecer de documento relevante para o julgamento como também ter tempo hábil para sobre ele se manifestar, importa, sim, não só a data da juntada do documento mas também a data em que a parte contrária teve ciência desta juntada. O prazo de 3 dias se refere não apenas à juntada mas também à ciência. De nada serviria esta exigência legal se permitíssemos que a ciências e desse apenas, por exemplo, às vésperas da sessão de julgamento, sem que aparte tivesse tempo suficiente para conhecer a fundo o documento e colher elementos para, se for o caso, refutá-lo. A lei seria inócua. De nada adianta a exigência de que o documento seja juntado em tempo razoável se não vier acompanhada da necessidade de que a parte contrária seja cientificada também em tempo razoável da juntada. Assim, divirjo do Relator no que se refere à interpretação a ser dada ao art. 479 do CPP. Para mim, tanto a juntada de documento quanto a cientificação da parte contrária devem acontecer no prazo de 3 dias anteriores ao júri. Neste julgado, o Ministro Rogério S. Cruz acabou por chamar atenção para um detalhe que poderia passar despercebido por muitos: “Seria difícil imaginar que um documento juntado três dias úteis antes do julgamento fosse cientificado à defesa no mesmo dia. A lei, por certo, teria de dizer, claramente, que é da intimação, e não da juntada, que se conta o prazo legal”. Acrescente-se a tal constatação que a Lei nº 11.419/09, estipula em seu art. 3º, parágrafo único, que “quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia”, ainda, em seu art. 1º, § 1º esclarece que se aplica “o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição”. Ante tais constatações, imperioso que se questione: a finalidade do art. 479 do CPP é legítima e deve ser imposta a ambas as partes? Conforme apontado acima, a doutrina entende que o art. 479 do CPP é uma decorrência do princípio do contraditório, o qual está positivado no art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal. Segundo leciona Renato Brasileiro de LIMA o princípio “estaria ligado à discussão dialética dos fatos da causa, devendo se assegurar a ambas as partes, e não somente à defesa, a oportunidade de fiscalização recíproca dos atos praticados” (2020, p. 56). Para Marcella Mascarenhas NARDELLI, “o contraditório assume o caráter de dever, o qual é imposto às partes no sentido de colaborarem para a justa solução da causa” (2019, p.226). De acordo com a autora, os artigos 6º e 7º do Código de Processo Civil, que se aplicam ao processo penal por força do art. 3º do CPP, devem nortear a atividade das partes, para que cooperem entre si. A respeito, o Ministro Alexandre de Moraes consignou em voto proferido que “a ratio legis do art. 479 visa evitar que a parte contrária seja surpreendida por ocasião da sessão de julgamento com a leitura ou exibição de documento ou objeto ignorados pela parte adversa, em estrita observância aos princípios da não surpresa, da lealdade processual, da paridade de armas e do contraditório” (HC 193978 / RJ). Isto ocorre porque deve existir controle epistemológico das provas e contraprovas, possibilitando que as partes se influenciem reciprocamente, fazendo com que o processo se transforme numa instância de diálogo. A despeito do entendimento e jurisprudencial acerca do conteúdo normativo, o Supremo Tribunal Federal tem julgados no sentido de que a leitura de documentos juntados sem observância do tríduo legal é possível quando não se demonstre prejuízo (ARE 892382 / PI – Piauí. Recurso Extraordinário Com Agravo). Posicionamento o qual, embora criticável (pois a prática forense demonstra que o ônus de demonstrar prejuízo recai invariavelmente sobre a defesa, inclusive foi o ocorrido no caso em questão) deve ser interpretado em conjunto com outros princípios, em especial o da legalidade e da ampla defesa. Em nada afirmando a lei acerca do horário da cientificação, não se pode limitar o exercício do direito de defesa, em especial o da plenitude de defesa. Neste sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Barreto Leiva vs. Venezuela decidiu que: 55. Se o Estado pretende limitar este direito, deve respeitar o princípio de legalidade, deve arguir de maneira fundamentada qual é o fim legítimo que pretende conseguir e demonstrar que o meio utilizado para chegar a esse fim é idôneo, necessário e estritamente proporcional. Caso contrário, a restrição do direito de defesa do indivíduo será contrária à Convenção. No Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú, a Corte afirmou que a presença e atuação da defesa não pode ser meramente formal, restringida na atuação dos advogados (§ 141). Por ser possível, em processos eletrônicos, o peticionamento até as 24 horas, não se pode cercear o direito de defesa peticionar requerendo a juntada de documentos até o horário, sem que seja demonstrada de forma inequívoca deslealdade processual ou prejuízo à acusação, pois “o escopo justificador do processo penal se identifica com a garantia das liberdades do cidadão, mediante a garantia da verdade – uma verdade não caída do céu, mas atingida mediante provas e debatida” (FERRAJOLI, 2014, p. 503). Outrossim, urge que os processos eletrônicos sejam aperfeiçoados, a fim de que, quando do peticionamento da fase do art. 479 do CPP, a parte adversa seja imediatamente comunicada da juntada de documentos (seja por e-mail, pelo próprio sistema ou outros meios disponíveis). Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da ANACRIM-PR. Ig: @iuri_vrmachado Maria Vitória Bittar Daher da Costa Ferreira Acadêmica de Direito. REFERÊNCIAS Corte Interamericana De Derechos Humanos. Caso Castillo Petruzzi y otros Vs. Perú. Sentencia de 30 de mayo de 1999 _____. Caso Barreto Leiva vs. Venezuela. Sentença de 17 de novembro de 2009. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. NARDELLI, Marcella Mascarenhas. A prova no tribunal do júri: uma abordagem racionalista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014. RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012. NOTAS: [1] Deve-se fazer uma leitura atenta da lei, em especial quanto ao termo “antecedência mínima”, vez que ele pode causar equívocos na interpretação. Neste sentido, equivocado o entendimento de Renato Brasileiro de LIMA: “Esse prazo de 3 (três) dias úteis deve ser computado a partir da data do julgamento, voltando-se no tempo e valendo-se do critério do art. 798 do CPP. Assim, se o julgamento estiver marcado para o dia 15 (quarta-feira), o documento pode ser juntado aos autos até o dia 10 (sexta--feira). Isso porque o art. 479 do CPP exige o transcurso de 3 (três) dias úteis. Logo, levando-se em consideração os três dias anteriores ao dia 15, o prazo terminaria no domingo (dia 12), que não é dia útil. Transfere-se, portanto, para o dia 10 (sexta-feira anterior).” (2020, p. 1512).
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