Artigo de Angela Fey sobre o filme Jurassic Park com reflexões sobre direito digital, vale a leitura! ''É neste momento que os crimes acontecem. Denis Nedry, programador-chefe da organização, agindo de forma secreta e ilícita a pedido da Corporação Biosyn, cujos executivos também são acusados neste ato, concorrência da InGen, a acusadora, inicia a sequência de atividades que visam roubar os embriões de dinossauros fertilizados''. Por Angela Fey Jurassic Park[1] é um parque temático cuja atração são dinossauros, que só ali existem devido a um processo de clonagem feito a partir do DNA extraído de insetos preservados em âmbar pré-histórico. Toda a narrativa do filme, que foi lançado no Brasil no ano de 1993, estabelece-se em torno de uma das primeiras visitas de pessoas externas à organização do Parque e de um crime de invasão de dispositivo informático seguido de roubo de embriões que, por ser irresponsavelmente arquitetado, leva a consequências desastrosas, que serão comentadas a seguir.
Neste cenário, o objetivo deste trabalho é discorrer sobre os fatos e as consequências, que foram muito além do crime cometido, bem como justificar os princípios que poderiam ser aplicados ao caso concreto, caso este viesse a acontecer na realidade brasileira. 1. Dos fatos O Parque Temático Jurassic Park, idealizado pela corporação InGen, habitado por dinossauros (animais pré-históricos em extinção) e localizado em uma ilha próxima da Costa Rica é o local da cena do crime e das consequências do crime. Estão na ilha os funcionários da InGen e visitando o parque estão o advogado Donald Gennaro, o matemático Ian Malcolm, os paleontólogos Alan Grant e Ellie Sattler e os dois netos do idealizador do parque, senhor Hammond, Tim e Lex Murphy. Durante o passeio, infelizmente, uma tempestade tropical imprevista dá indícios de iniciar-se, fato que obriga o senhor Hammond e equipe de segurança a interromper a visita e demandar o retorno dos visitantes (que já estavam no meio do parque) à área de recepção de visitas. É neste momento que os crimes acontecem. Denis Nedry, programador-chefe da organização, agindo de forma secreta e ilícita a pedido da Corporação Biosyn, cujos executivos também são acusados neste ato, concorrência da InGen, a acusadora, inicia a sequência de atividades que visam roubar os embriões de dinossauros fertilizados. Ocorre que, para efetuar o roubo e ter acesso aos embriões, Denis Nedry invade os computadores da InGen, fazendo uso do cargo e confiança que nele são depositados, e desliga todo o sistema de segurança do parque (isso tudo enquanto ocorre a visita de civis nas instalações e a aproximação de uma tempestade tropical). Com tal desligamento, o grupo visitante fica preso na área central do parque, que agora está com as cercas elétricas desligadas, o que permite que um dos mais temidos animais que já habitou a face do nosso planeta, o Tiranossauro Rex, fique livre das cercas que protegem os visitantes. Não obstante, após a consolidação dos trâmites do roubo, tendo em mãos os embriões, Denis Nedry precisa encontrar intermediadores de seus compradores e por esse motivo sai das instalações principais. No trajeto ele acaba colidindo seu automóvel no meio do parque, que, novamente ressaltando, está com o sistema de segurança desligado permitindo que todos os animais pré-históricos que ali residem estejam soltos. A consequência é óbvia, ele é atacado por dinossauros e é morto antes de alcançar os intermediadores. O desenrolar dos próximos eventos, que não cabe detalhamento neste momento por terem qualificação desastrosa, violenta e sangria, geram consequências imensuráveis, a seguir descritas. Entre as vítimas fatais identificadas, cujas mortes foram causadas pela interrupção do sistema de segurança que isolava os dinossauros dos civis visitantes, estão: (1) Denis Nedry já mencionado anteriormente, (2) o guarda florestal Robert Muldoon, (3) o funcionário John Arnold e (4) o advogado Donald Gennaro. Outros colaboradores do parque permanecem desaparecidos até hoje. Todos os civis que estavam em visita e não tiveram suas vidas encerradas pelos dinossauros sofreram sérios danos físicos que vão desde membros quebrados, arranhões, choque em cerca elétrica e diversos outros passíveis de listagem durante a oitiva das vítimas. Vale ressaltar as consequências mentais aos sobreviventes, que atualmente convivem com transtorno do estresse pós-traumático e lutam para levar suas vidas com um mínimo de qualidade. Os danos ambientais também são lamentáveis, a baixa dos sistemas de segurança acarretou na perseguição e apanhamento espécimes já em extinção, processos esses que por sua vez ocasionaram a danificação da vegetação primária e secundária da ilha. Acerca dos danos econômicos, assim como as vidas perdidas, são imensuráveis. Não apenas a estrutura física total do parque foi afetada como a continuidade do negócio foi interrompida e a imagem da companhia InGen danificada de maneira irreversível. Estamos diante de fatos geradores de danos irreparáveis a diversos bens da vida. 2. dos crimes e princípios A narrativa dos fatos deixa claro os crimes dolosos[2] de invasão de dispositivo informático e furto duplamente qualificado (por rompimento de obstáculo e abuso de confiança), cometidos pelo programador-chefe Denis Nedry e pela empresa Biosyn, tipificados pelos artigos 154-A e 155, § 4º, do Código Penal, in verbis: Invasão de dispositivo informático Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. [...] § 2o Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. § 3o Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. Furto Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. [...] Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. (BRASIL, 1940) Entretanto, as consequências dos atos praticados foram muito além dos já graves crimes acima mencionados. Os fatos citados demonstram que além do dolo pretendido, culposamente[3] os atos levaram a consequências que afligem preciosos bens da vida protegidos constitucionalmente. A Constituição da República[4] estabelece a proteção à vida para todos e todas e é possível identificar grave rompimento com este preceito ao lembrarmos que os atos que decorreram dos crimes cometidos pelo Sr. Nedry e pela empresa Biosyn levaram à morte de pelo menos 4 pessoas. Além disso, acerca dos agravos ambientais decorrentes da ação descabida e irresponsável dos acusados, crimes ambientais foram cometidos contra espécies em extinção[5]. Em tempo, os danos[6] econômicos ao Parque são imensuráveis. Diversas instalações foram destruídas como consequência do desligamento do sistema de segurança e fuga dos dinossauros, sem mencionar da imagem da InGen, que ficou mundialmente comprometida dada a repercussão do ocorrido. Estamos diante de um caso claro em que as consequências de um ato foram muito além do crime dolosamente realizado, é necessário portanto, avaliar tal situação por uma ótica muito mais abrangente do que o mero delito direto e levar em consideração todas as consequências geradas pelos atos criminosos e imprudentes. Mais que isso, uma avaliação principiológica cuidadosa deve ser aplicada ao caso concreto para garantir que a tutela aprecie as devidas proporções dos atos cometidos. A função que se busca dedicar à sugestão da análise de princípios aplicados a este caso diz respeito justamente à conferência de coerência na aplicação das normas que venham a aferir justiça ao final do processo. Em um primeiro momento a sugestão é analisar os fatos e a aplicação do direito penal sob a ótica do princípio humanidade, é fato que a Constituição da República deve ser respeitada e penas desumanas não devem ser aplicadas a nenhuma pessoa, nem este trabalho pretende defender o contrário. Entretanto, há que se ressaltar que os fatos causaram severos danos ao bem estar da coletividade[7] e que a tutela apontada nos tipos penais de direta aplicação aos fatos exercidos de forma dolosa seria desproporcional aos prejuízos causados à coletividade. Já o princípio da individualização da Pena ressalta a importância da análise de cada caso concreto e da definição da pena de acordo com a “exata medida punitiva pelo que fez”[8], ora, se os acusados realizaram um ato com um fim mas que teve consequências muito maiores devido à irresponsabilidade ao desligar um sistema fundamental de segurança (em especial de um parque que mantém animais selvagens) durante uma visita de civis e uma tempestade tropical, este fator precisa ser levado em consideração, e nesta linha de raciocínio convém avaliar a ação do princípio da proporcionalidade. Inicialmente é válido o destaque de que a proporcionalidade é aplicada para evitar excessos, como a punição de um crime insignificante[9], por exemplo. Entretanto, este princípio é maior, ele pode ser analisado sobre a perspectiva da contenção de proteções que sejam deficientes, ou seja, que falhem no serviço da proteção da coletividade, e neste contexto é importante ressaltar que o ato de punir visa garantir o equilíbrio entre o crime praticado e a pena dedicada, já que “a deficiência da proteção estatal consagraria a desproporcionalidade” [10]. É fato que não se pode usar do conceito da proteção deficiente para justificar o aumento de uma pena em detrimento do cumprimento do devido processo penal e da aplicação dos direitos fundamentais. Neste sentido, e com a intenção de sempre proteger os direitos e garantias já aferidos ao sistema penal, a sugestão que faz-se ao demandar a análise do caso em questão sobre a ótica do princípio da proporcionalidade é justamente propor a busca por uma adequação ao tipo penal que defina todos os agravos e a aferição de uma dosimetria de pena[11] que caracterize a designação de uma tutela adequada e necessária. 3. Considerações finais Partindo de uma análise consequencialista do caso concreto em questão, percebe-se como fundamental o papel do legislador. Com frequência é possível identificar crimes que por si só não levariam a agravos tão temerosos como danos ao meio ambiente[12], ou que tenham como consequência a morte de pessoas. Caberia ao legislador, possuidor da função de proteger a coletividade e detentor dos meios para estabelecer diretrizes claras, homogêneas e fundamentadas no respeito aos direitos humanos, definir as vias formais que possam expressar qual seria a tipificação criminal adequada ou até mesmo a dosimetria de pena que garanta o desenvolvimento de uma tutela judicial proporcional, para casos em que um crime tenha consequências devastadoras, como o que aqui foi apresentado. A proposta, entretanto, não deve ser considerada sobre uma ótica simplista. É fato que um único caso não pode pautar o desenvolvimento de um tipo penal, mas, a possibilidade de uma análise mais profunda que tenha por fundamento a proteção da vida e do meio ambiente, bem como os direitos e garantias do devido processo legal, faz-se necessária para estabelecer parâmetros mais claros e previsíveis de aplicação em casos nos quais a extensão do crime, quando praticado por um ato claramente inconsequente e irresponsável, tenha como resultado danos significativos à coletividade. Por Angela Fey Atualmente estudante do terceiro período de Direito na UNINTER, é Relações Públicas de formação pela UEL, possui MBA em Gerenciamento de Projetos pelo SENAI/SC e ama praticar esportes, estar na natureza e viajar. Gerente de Sustentabilidade para a América Latina na Novozymes, multinacional Dinamarquesa do ramo de biotecnologia. REFERÊNCIAS: BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 25/09/2020. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25/09/2020. BRASIL. Lei de Proteção ao Meio Ambiente. Lei Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 25/09/2020. JURASSIC Park. Direção de Steven Spielberg. Los Angeles (EUA): Universal Studios, 1993 (126 min). JURASSIC Park. In Wikipedia: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jurassic_Park. Acesso em: 25/09/2020. NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-6296-8/cfi/6/2!/4/2/2@0:0. Acesso em: 25/09/2020. NOTAS: ____. Manual de Direito Penal. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020 [1] Jurassic Park é um filme de ação e aventura Norte-Americano e os fatos neste trabalho relatados foram extraídos a partir do próprio filme (JURASSIC, 1993) e de sua descrição no Wikipedia. [2] Art. 18 – Diz-se o crime: Crime Doloso: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (BRASIL, 1940). [3] Art. 18 – Diz-se o crime: […] Culposo: II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (BRASIL, 1940). [4] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (BRASIL, 1988). [5] O Artigo 29 da Lei de Proteção ao Meio Ambiente (BRASIL, 1998) tipifica como crime a ação de “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre”. Estipula ainda, no Parágrafo 4º o aumento da pena de metade se o crime for praticado contra espécie considerada ameaçada de extinção (como é o caso dos dinossauros). [6] Dano - Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa (BRASIL, 1940). [7] NUCCI, 2020, p. 21 [8] NUCCI, 2020, p. 23. [9] “Insignificante pode representar algo de valor diminuto ou desprezível, bem como algo de nenhum valor. Qualquer dos dois sentidos extraídos do vocábulo é apto a fornecer o quadro ideal dos delitos considerados insignificantes, portanto, os quase crimes” (NUCCI, 2015, p. 218). [10] NUCCI, 2015, p. 89. [11] Sugere-se abordagem baseada nos agravantes propostos nos artigos 59, 61 e 62 do Código Penal (BRASIL, 1940) [12] É competência do Estado a proteção ao meio ambiente de acordo com o Artigo 23, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988).
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