O presente artigo é resultado de um descrédito total para com os fundamentos que permeiam a ordem pública, e justificam, portanto, a prisão processual. O abismo legislativo em que se encaixa o termo “ordem pública”, inserido no art. 312, do Código de Processo Penal Brasileiro, está há tempos sendo sinônimo de alvará de prisão, em que pese revelar-se incompatível com a tutela processual penal. A grande lacuna esteia-se, deste modo, na ausência de uma delimitação sobre o que seria a famigerada ordem pública e como é aplicada.
A investigação parte do seguinte problema: o abismo legislativo em que se encaixa o termo “ordem pública”, inserido no art. 312, do Código de Processo Penal, como requisito autorizador da prisão preventiva e sua incompatibilidade com a tutela do processo penal. Essa obscuridade permeia há décadas no processo penal brasileiro e tal fato é facilmente observado compulsando a grande maioria das decisões judiciais e jurisprudências que aplicam a ordem pública para fundamentar a decretação ou manutenção da prisão preventiva. A grande lacuna sustenta-se, desse modo, na ausência de um conceito sobre o que seria esse termo, ordem pública. O qual, no presente momento, se perfaz como um alvará de prisão, aberto para prender e fundamentado nas mais diversas motivações, o que desenha o abismo argumentativo aduzido, ou, iguala a ordem pública a um “coringa” no processo penal, fato que clama por soluções, pois processo penal não se faz com coringas, e coringas não estão na lei. Sob essas condições, o porquê dessa empreitada resume-se a um descrédito total, para com os fundamentos que permeiam a ordem pública, e justificama prisão cautelar, consequentemente. Assim, o presente artigo busca demonstrar que a ordem pública está banalizada, de modo que se tornou um curingana mão daqueles que julgam e não enxergam motivos cautelares (que tutelem o processo) para prender, mas ainda assim, quererem efetuar a prisão, por questões de ordem subjetiva, e não processual, e assim o fazem. Mera retórica, sem qualquer instrumento de verificação. A ausência de um conceito de definição do termo “ordem pública”, considerando as subjetividades inerentes aos discursos empregados para essa motivação utilizada de forma “encantada” por julgadores que à aplicam o tempo todo, sem a consciência do que estão fazendo, pois não há conceito preconizado pela lei, nos diz que esse requisito para a decretação da prisão preventiva está enquadrado dentro de um emaranhado argumentativo onde simplesmente resolve-sea custódia preventiva, quando na verdade é a tal ordem pública que precisa de solução. Tais subjetividades representam obstáculos para o irrestrito emprego do princípio da legalidade, ou seja, tanto faz o “princípio da legalidade”. Por isso a elaboração de um conceito, uma ideia limitada quanto a esse ideal é mais que necessária, é urgente, pois prender alguém sob escritos viciados ideologicamente não é legal, e não se presta ao processo penal. Nessas condições, sob a ótica de que o direito penal é aquele que tem o poder de tocar mais direta e brutalmente a pessoa individual[1], o papel do Poder Judiciário, nesse ponto, especialmente, merece atenção redobrada, já que o mesmo só se importa em satisfazer seu próprio “conjunto de ideias” com o propósito de uma dominação social, vez que consegue encaixar o termo ordem pública como o senhor dos argumentos, que serve para todas as situações e momentos processuais mesmo sem definição própria, e o quanto esses subterfúgios favorecem a prática cotidiana do aprisionamento desnecessário e sem pena definitiva. A ordem pública nos dias de hoje é expressão que abarca e permite os mais íntimos anseios pessoais de quem a utiliza para prender. Como se estivesse levando um animal para habitar uma jaula no zoológico. Realizando justiça ou injustiça, a prática judiciária é linguagem e comunicação (BENJAMIN, 1992), portanto, chegou a hora de a dogmática jurídica reconhecer as consequências (des) humanas de suas elaborações, afastando totalmente conteúdos não científicos, ou seja, já que o legislador não conceitua ordem pública, nós operadores do direito temos a missão de delimitar esse termo, sob a égide cautelar que ele está inserido, daí reside a importância de uma interpretação restritiva. A abordagem dogmática não se limita a conceituar ordem pública mediante os inúmeros argumentos invocados para preencher esse ideal, os quais são tão fracos em seu isolamento que se tornam imprestáveis ao Estado Democrático de Direito. A construção de um conceito jurídico e constitucional destinado ao fim da prisão processual decretada de forma tão vazia, talvez seja a saída para driblar-se esse abismo argumentativo[2]. Vivemos no limbo, a mercê de critérios pessoais e completamente parciais, o que não tutela o processo e favorece a prática de encarceramento em massa. A Ordem Pública não pode continuar sendo aplicada como coringa, juiz não pode decidir com um coringa. Temos uma Constituição da República, temos um Código de Processo Penal, e mesmo que esse último não conceitue o termo em questão, esse deve ser lido em conjunto com a Constituição e com a devida interpretação processual(leia-se – natureza cautelar). É preciso mudança. Mudança conceitual. O estudo proposto, então, é no sentido que o princípio da legalidade seja definitivamente respeitado na prisão cautelar, servindo de parâmetro de interpretação de todos os procedimentos, não dando espaço a suposições e achismos que acometem a ordem pública, fundamento mais utilizado para se prender preventivamente, mas sim atuando como verdadeiro garantidor da liberdade, direito fundamental e não instrumento de aprisionamento, fazendo então valer à máxima que só se vê no papel: a liberdade é regra, a prisão é exceção. Mariana Coelho Cantú Mestranda em Direito pela UNINTER Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Academia de Direito Constitucional – ABDCONST Graduada em Direito pela Universidade Positivo Advogada Criminal. [1]PASUKANIS, Evgeni. TeoriaGeraldoDireitoe o Marxismo. Tradução: Silvio Donizete Chagas. São Paulo: Renovar, 1988. Cap. VII. [2]Referido abismo argumentativo indica a ideia de vingança proposta por Pachukanis, pois o orgânico e biológico se unem sob a falácia de motivação jurídica, demonstrando que o homem não é capaz de abrir mão da interpretação habitual, fenômeno vislumbrado na vida animal. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |