Desde os primórdios da civilização, com as conquistas territoriais e a frenética corrida colonizadora, é marcante o "culto ao poder”, o mais forte impondo a sua vontade ao mais fraco, e fazendo prevalecer a sua cultura perante um determinado povo, diga-se vencido.
Observa-se, nesse panorama, o convívio da humanidade com diversos fatos delituosos, portanto, o crime não é uma questão recente, sendo indispensável à atuação do direito no combate a essas práticas criminosas. Construir um conceito de crime organizado não é fácil, deve-se levar em conta aspectos institucionais e econômicos. Nos últimos anos, os valores obtidos pela criminalidade alcançaram dimensões incomensuráveis, gerando lucros extraordinários e grandes transações financeiras, contudo, como esse dinheiro ilícito não pode ser justificado pelos “grandes” empresários do crime, fez-se necessário criar um método no qual o objetivo principal é tornar lícitos os bens adquiridos de forma ilícita. Esse método é a conhecida “Lavagem de Dinheiro”. A definição de crime organizado é um trabalho extremamente difícil, por existirem diversos tipos de organizações criminosas, com características variadas e “modus operandi” diversos. Diante da dificuldade de se elaborar um conceito objetivo, na tentativa de eliminar essa lacuna de conceituação existente, inicialmente utilizou-se a definição da referida expressão da Convenção de Palermo. De acordo com lições de Fernando Capez (2011):
Com a criação da Lei 12.850/2013 tornou-se possível identificar o conceito de organização criminosa, bem como os requisitos para sua caracterização. No art. 1º, §1º, da Lei 12.850/2013, está disposto que:
A “lavagem de dinheiro” é a técnica utilizada por estas organizações criminosas para dar nova aparência lícita os recursos oriundos de atividades criminosas. Essa prática envolve transações financeiras utilizadas para mascarar a origem do capital ilícito, admitindo que eles sejam empregados sem afetar o funcionamento dessas organizações, tendo para tal função, na fase anterior da lavagem os respectivos crimes antecedentes. A expressão “Lavagem de Dinheiro” teve sua origem nos Estados Unidos (Money Laundering). Acredita-se que ela tenha sido criada para caracterizar o surgimento, por volta dos anos 20, de uma rede de lavanderias que tinham por objetivo facilitar a colocação em circulação do dinheiro oriundo de atividades ilícitas, conferindo-lhe a aparência de lícito (CASTELLAR, 2004). Este delito traz devastadoras consequências, não só para a segurança, mas também para o desenvolvimento econômico e social. A abrangência cada vez mais global e os aspectos financeiros tornaram-se mais complexos, somado aos avanços tecnológicos da indústria de serviços financeiros, prejudicando moedas e taxas de juros e desequilibrando a economia dos locais afetados. O dinheiro lavado flui para os sistemas financeiros globais, onde pode causar danos econômicos catastróficos. Essa prática delituosa causa uma séria ameaça à segurança nacional e internacional, não sendo, portanto, apenas uma questão de criação e execução de leis . A aplicação deste capital ilícito não visa necessariamente o lucro, mas essencialmente “o mascaramento” da origem criminosa desses valores. Com isso, a livre concorrência e a estabilidade do mercado econômico formal, como um todo, perde por estar prejudicada. Cria-se então, um verdadeiro mercado paralelo, com alta instabilidade das taxas de juros e de câmbio e grande variabilidade no mercado de capitais, impedindo um crescimento econômico sustentável das nações. O Estado deixa de arrecadar uma gama enorme de tributos, pois as transações são de maneira inadequada ou informalmente, sem documentação (NEVES FILHO, 2011). Percebendo que este tipo de crime é extremamente prejudicial a toda sociedade, pois a utilização do proveito do ilícito, o capital sujo, aumenta a criminalidade de uma forma geral, a Convenção de Viena realizada em 1988, iniciou um forte combate mundial à lavagem de dinheiro, com o intuito de colaborar para o entendimento de como tal ilícito se constituiu e se disseminou por todo o mundo, seus métodos e experiências realizadas em vários países, bem como seus resultados, partindo-se de uma preocupação geral das nações. Foi a partir desta tendência mundial em se criminalizar a lavagem de dinheiro que o Brasil editou a Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, voltada principalmente para a apreensão de bens e valores oriundos de crime, iniciando assim um maior controle no sistema de operações financeiras e de monitoramento da movimentação de capitais (SCHNEIDER, 2014). Desde a sua promulgação, a lei 9.613 de 03/03/1998 sofreu duas alterações: sendo a primeira, através da Lei 10.467, de 11/06/2002, e a segunda, através da Lei 10.701, de 09/07/2003. Até a sua publicação, a “lavagem de dinheiro” não podia ser eficazmente coibida pelas autoridades policiais e judiciárias brasileiras, dada a falta de regulamentação específica (MEDEIROS; CARDOZO, 1998). Conforme definição de Damásio de Jesus (2002): “a lavagem de dinheiro é crime pressuposto, ou seja, implica a prática de outro delito. Note-se que há o evento antecedente, descrito nos incisos, de onde provém o "dinheiro sujo", e a posterior lavagem de capitais (crime conseqüente), definida no caput.” referindo-se ao art. 1º da Lei 9613/98, qual seja: Ocultar ou dissimilar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
É necessário entender que os valores “branqueados” devem ser provenientes de prática ilícita. Para se caracterizar a lavagem de dinheiro, deve haver um crime que antecede a este “branqueamento”, porém, a legislação nacional determinou o crime de lavagem de dinheiro como um crime autônomo, isto é, o processo e o julgamento não dependem do processo relativo ao crime anterior. No que tange à dosimetria da pena, a resposta penal é bastante severa. As penas são de reclusão, e variam de três a dez anos com previsão de multa. Em tese, o sistema penal brasileiro oferece uma solução ao problema, introduzindo institutos novos como a delação premiada, prevista no art. 1º § 5º da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro, constando que a pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimento que conduzam à apuração das infrações penais, ou à localização dos bens, direitos ou valores objetos do crime, e limitando uma série de benefícios processuais e instrumentais, pois como constata Martins:
Apesar de ainda haver resistências doutrinárias em relação à prática da delação premiada no nosso ordenamento jurídico, porque esse instituto é de difícil constatação de sua credibilidade, pois, segundo alguns estudiosos do Direito, não se pode confiar plenamente nas palavras do criminoso, e ainda, por ser vista por alguns como um comportamento amoral e uma ineficiência do Estado para se conseguir provas e punir o crime. Independente das críticas, a delação premiada é amparada pela a legislação penal brasileira e os tribunais a aplicam. Sendo benéfica, a aplicação deste instituto, na medida em que disponibiliza maiores elementos às autoridades para o fortalecimento da repressão do Estado à lavagem de dinheiro. Porém, é imprescindível que haja não só mecanismos eficazes de punição, mas também de prevenção. Como alerta Lima (2011, p. 52), “por mais necessário que seja a apuração de fatos ilícitos passados, com o consequente devido processo e condenação dos criminosos, ainda assim o resultado como um todo não será significativo”. É fundamental, também, uma resposta eficiente das autoridades, “sem o que se corre risco de verdadeira desmoralização do Estado face ao poderio das Organizações Criminosas” (MENDRONI, 2006, p.16), pois “enquanto o legislador não age, com medo de errar, os delinquentes erram sem medo” (PINTO, 2007, p. 72). Ademais, o combate à criminalidade organizada e a “lavagem” do capital obtido por meio ilícito, deve partir de diretrizes mistas, com maior participação do Estado, através de políticas que evitem ao máximo a corrupção de agentes públicos e o engajamento de todos os integrantes da sociedade, desde os setores econômicos obrigados até as autoridades destinatárias. Por fim, percebe-se que há questões jurídicas difíceis de serem solucionadas, em especial envolvendo aspectos constitucionais. Além disso, a carência de pessoal especializado e equipamento de ponta para auxiliar/otimizar as investigações dificulta o levantamento de provas. Embora haja ainda inúmeras deficiências, há que se reconhecer que houve avanços e que isso é muito importante. O que não se pode permitir é que na falta de condições ideais de atuação, o Estado aja com pouco rigor, ou deixe de agir, para que suas ações não sejam frustradas. Ozael Félix de Siqueira Graduando em Direito – Faculdade Integradas de Patos/PB REFERÊNCIAS: BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. Comentário, artigo por artigo, à Lei 9613/98, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Acesso em: 16 de Abril. 2016. ______ Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Disponível em: Acesso em: 16 de abril de 2016. ______ Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da lei nº 9.613/98. 2. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. CALLEGARI, Andre Luis. WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. 1. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2014. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte especial, volume 4. Legislação Penal Especial. 15º. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de dinheiro: A questão do bem jurídico. Dissertação (Mestrado em Ciências Penais)- Universidade Cândido Mendes. Rio de Janeiro: Revan, 2004. JESUS, Damásio de. Ali-Babá e o crime de lavagem de dinheiro. Atuação Jurídica. Florianópolis, n. 77, maio 2002. LIMA, Marcelus Polastri. Curso de Processo Penal. Vol. I, 5 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. MARTINS, Patrick Salgado. Lavagem de dinheiro transnacional e obrigatoriedade da ação penal. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011. MEDEIROS, João Luis Aguiar de. CARDOZO, Maria Izabel Andrade Lima. A criminalização da lavagem de dinheiro no Brasil. Revista da CVM, Rio de Janeiro, n.27, p.28-30, Out. 1998. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006 MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de Dinheiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010. NEVES FILHO, Geraldo. Lavagem de Capitais. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 dez. 2011. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35454&seo=1>. Acesso em: 24 de Abril 2016. PINTO, Edson. Lavagem de capitais e paraísos fiscais. São Paulo: Atlas, 2007. SCHNEIDER, Juliana Cordeiro. A lei de lavagem de dinheiro e a extinção do rol dos delitos antecedentes: abordagem dogmática e crítica. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2791, 01 de Outubro de 2014. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1e2327accf8e3b40 > Acesso em: 24 de Abril de 2016. <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id= 3640>. Acesso em: 24 de Abril de 2016. <http://www.derechoycambiosocial.com/revista038/O_NOVO_CONCEITO_DE_CRIME_ORGANIZADO.pdf> Acesso em: 24 de Abril de 2016. Comments are closed.
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