Marcia Yamamoto no sala de aula criminal, tratando das alterações da lei nº 14.192/2021 e a participação das mulheres na política, vale a leitura! ''No entanto, é preciso ficar atento, pois as respectivas normas acabam por realocar as mulheres quando estas tentam entrar na disputa eleitoral, pois focam na criminalização de condutas que inibem e afastam as mulheres da arena pública e não trazem a baila reais impedimentos que constam em projetos atualmente em tramitação no legislativo''. Por Marcia Yamamoto No dia 05 de agosto de 2021, foi publicada a Lei n.º 14.192/2021[1] alterando dispositivos do Código Eleitoral, Lei dos Partidos Políticos e Lei das Eleições, com o intuito de promover a participação da mulher no cenário político nacional e reprimir a violência política. Assim, o art. 326-B, do Código Eleitoral passou a ter a seguinte redação:
“Art. 326-B. Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seus mandato eletivo. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Aumenta-se a pena em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher: (...) IV – com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia; V – por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real”. A redação do crime de divulgação de fatos inverídicos do art. 323 do referido Código foi também modificado e passou a conter: “Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos a capazes de exercer influência perante o eleitorado: Pena – detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. §1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos. §2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se o crime: I – é cometido por meio de imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social,ou é transmitido em tempo real; II – envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia”. A Lei n.º 14.192/2021 incorporou mudanças na Lei dos Partidos Políticos (Lei n.º 9.096), inserindo o inciso X no art. 15, com o seguinte teor: “Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre: (...) X – prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher”. A alteração na Lei das Eleições (Lei 9.504/97) feita pela Lei 14.192/2021, incluiu o inciso II do art. 46, que passou a prever: “Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta Lei, á facultada a transmissão por emissora de rádio ou televisão de debates sobre as eleições majoritária ou proporcional, assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco parlamentares, e facultada a dos demais, observado o seguinte: (...) II – nas eleições proporcionais, os debates poderão desdobrar-se em mais de um dia e deverão ser organizados de modo que assegurem a presença de número equivalente de candidatos de todos os partidos que concorrem a um mesmo cargo eletivo, respeitado a proporção de homens e mulheres estabelecida no §3º do art. 10 desta Lei;” Como se vê, foram várias as mudanças que, conforme consta no portal do Governo Federal [2] tem o objetivo de “estabelecer normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. (...) O objetivo da nova legislação é criminalizar a violência política contra a mulher e garantir, a elas, condições melhores de disputa. A norma, além de estabelecer punições, conceitua a violação.” Em verdade, numa primeira leitura, a proposta parece eficaz quando trata o problema da exclusão das mulheres da política, criminalizando condutas evidentemente violentas e com relação ao gênero. No entanto, é preciso ficar atento, pois as respectivas normas acabam por realocar as mulheres quando estas tentam entrar na disputa eleitoral, pois focam na criminalização de condutas que inibem e afastam as mulheres da arena pública e não trazem a baila reais impedimentos que constam em projetos atualmente em tramitação no legislativo. Vale ressaltar o alerta das professoras Teresa Sacchet, Clara Araújo, Ligia Fabris e Michelle Ferret, quando evidenciam o retrocesso legislativo para a candidatura de mulheres [3]: “Um cenário com tantas mudanças requereria debate cuidadoso com a sociedade. O que se tem visto, porém, é o contrário: pressa muita pressa. A maneira como esse processo vem sendo conduzido, sobretudo em contexto de pandemia, chama particularmente atenção e não é condizente com mudanças tão substantivas como as que estão sendo propostas e veiculadas sob a (enganosa) narrativa do avanço. Antes do recesso o clima entre parte dos congressistas era de celebração com a aprovação, pelo Senado Federal (PL 1951/2021), da proposta de criação de cotas de cadeiras para mulheres nos legislativos. O texto, discutido a portas fechadas, parte da reserva inicial de 18% dos assentos nas eleições de 2022, aumentando de forma escalonada até atingir 30% apenas em 2038. É curioso que esse crescimento em ritmo escandalosamente lento e insuficiente em comparação com a média atual, mundial e da América Latina, venha sendo celebrado e utilizado como moeda de troca para justificar retrocessos em direitos políticos conquistados pelas mulheres e pela população negra. O mesmo PL que propõe 17 anos de prazo para que as mulheres ocupem 30% das cadeiras nos parlamentos, extingue, simultaneamente, a obrigação, conquistada apenas em 2009, de que os partidos apresentem pelo menos 30% de candidatas, fazendo esse debate retroceder aos anos 90. Isso porque, em 1997, a Lei 9.504 estabeleceu que cada partido deveria reservar o mínimo de 30% das vagas para candidaturas de cada sexo. Porém, essa legislação teve poucos avanços práticos, já que predominou a interpretação de que “reservar” não implica obrigatoriedade de “preencher” essas candidaturas. Apenas doze anos depois essa distorção interpretativa foi corrigida e a norma foi modificada: em 2009, com a Lei 12.0348, os partidos passaram a ser obrigados a preencher o percentual mínimo de 30%, de mulheres sobre total de candidatos efetivamente lançados. No entanto, com o PL 1951/2021, aprovado no Senado, o que era um dever volta a se tornar uma mera recomendação, sem qualquer consequência legal. Diante da inexistência da obrigação de que os partidos políticos lancem mulheres na proporção mínima de 30% em suas chapas, elimina-se qualquer garantia de que haverá candidatas suficientes para ocupar as cadeiras a elas reservadas nos parlamentos. A finalidade primordial das cotas, que é assegurar um equilíbrio mínimo de candidaturas de cada sexo, reduzir barreiras e promover o acesso de mulheres é completamente desmantelada. Será, aqui também, o retorno do termo “reservar” como uma mera declaração de intenções. Por fim, o mesmo PL estabelece, na prática, um teto de investimento de recursos para campanhas de mulheres: mesmo que um partido eventualmente tenha mais de 30% de candidatas, os recursos não precisarão mais acompanhar esse percentual; ou seja, partidos que optarem por lançar, por exemplo, 40% de candidatas em suas chapas, estariam autorizados a destinar para as mulheres apenas 30% dos recursos eleitorais disponíveis. Com isso, cai a regra do marco da decisão do STF em 2018 na ADI 5617, que estabeleceu uma necessidade de equivalência entre candidatura e financiamento. Além disso, não há qualquer menção às obrigações instituídas em 2020, após a Consulta nº 0600252-18/DF ao TSE, de que candidatos negros teriam direito a, no mínimo, 30% dos recursos públicos de campanha e propaganda política. Os impactos negativos desse conjunto de medidas apresentadas de forma fragmentada poderão ser incluídos na Constituição Federal, conforme propõe a PEC 18/2021, também aprovada em primeiro turno pelo Senado”. Assim, o que se percebe é que as condições de disputa estão sendo suprimidos, pois as instituições se preocupam com a segurança e integridade da parcela feminina que nem vai chegar aos espaços públicos diante de medidas propositalmente implantadas para obstruir a candidatura de mulheres. Os ingredientes que motivam a exclusão feminina é pautada na cultura patriarcal, misógina e preconceituosa. A criminalização e a punição acabam por potencializar de forma negativa o diálogo democrático. Nessa perspectiva, é possível afirmar que a luta por igualdade de gênero, classe e raça não se baseia na criminalização de condutas, mas sim na garantia de cotas e recursos públicos para que mais mulheres possam disputar parcela do poder na política e nas instituições, e assim garantir de maneira eficaz a participação feminina na tomada de decisões no ambiente público, é o que assinala o objetivo 5 da ONU [4] que visa alcançar a igualdade de gênero, valorizando metas a serem alcançadas até 2030, quais sejam: 5.1 Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte. (...) 5.5 Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública. (...) 5.c Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em todos os níveis. Ademais, a persistente atuação de figuras femininas nas instituições, como a juíza Patrícia Acioli, a vereadora Marielle Franco e Irmã Doroth Stang, fez com que a discriminação contra as mulheres e a misoginia fluíssem na forma de ameaças, atentados e execuções. Nesse ponto, endurecer a legislação na tentativa de demonstrar efetividade em episódios isolados de violência e não promover a inclusão das mulheres no cenário político, só pode resultar num total fracasso, pois, além de não proteger a integridade física e moral de mulheres com destacada atuação, não preconizam um regime democrático inclusivo e igualitária em todos os espaços de poder. Em suma, as transformações institucionais devem vir com um olhar feminista sobre a democracia, pois só assim as forças sociais serão capazes de romper com visões governamentais ultrapassadas que insistentemente articulam políticas incapazes de reparar diferenças sociais, não apenas de gênero, mas de origem, classe, raça e tantas outras. NOTAS: [1] <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.192-de-4-de-agosto-de-2021-336315417>, acesso em 06 de agosto de 2021. [2]< https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/agosto/governo-federal-publica-lei-para-prevenir-e-combater-a-violencia-politica-contra-a-mulher>, acesso em 06 de agosto de 2021. [3]< https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/opiniao/2021/08/03/parece-conquista-mas-nao-e-reforma-politica-e-direitos-das-mulheres.htm>, acesso em 07 de agosto de 2021. [4]< https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/5>, acesso em 07 de agosto de 2021. Marcia Yamamoto Graduada em Direito - Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Formada pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP) e Fundação Escola do Ministério Público do Paraná (FEMPAR). Advogada.
1 Comment
Marisa Stedile
10/22/2021 02:17:01 pm
Concordo com os argumentos da autora. Já fui candidata e percebi muitas barreiras e dificuldades. Não fui eleita, obviamente. Mas o que esperar de um Parlamento exclusivamente masculino, machista e conservador? Não abrirão mão desse espaço. A mudança deve ser buscada na educação, na sociedade. Esta omissa.
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