Artigo de Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo no sala de aula criminal, vale a leitura! ''O avanço tecnológico veio acompanhado de benesses e malefícios para a sociedade. Os benefícios consistem em rápida comunicação, maior acesso às informações, dentre outros. Por outro lado, agora as pessoas ocupam a posição de criadoras de conteúdos digitais, os quais são divulgados de maneira instantânea, com acentuada velocidade de propagação e com a possibilidade de utilizar-se do anonimato''. Por Ane Caroline dos Santos Silva e Stéfanie Santos Prosdócimo Inicialmente, destaca-se que o direito a liberdade de expressão está consagrado na Constituição Federal de 1988, ele está associado com o princípio da dignidade da pessoa humana e com a ideia de Estado Democrático de Direito.[1]
O referido direito surgiu como forma de manifestação de pensamentos, crenças, convicções, ideologias e opiniões acerca de determinado fato. Todavia, não podemos afirmar a primazia absoluta desse direito, pois o mesmo possui restrições. Essas restrições se fazem necessárias, em virtude da exteriorização e propagação de conteúdos com teor discriminatório ou discursos de ódio. É de conhecimento geral que o acesso a internet, há algum tempo, era restrito. No entanto, na atualidade isso já não ocorre, pois qualquer pessoa tem acesso a internet, bem como as redes sociais, por diversos meios, seja computadores ou aparelhos celulares. O avanço tecnológico veio acompanhado de benesses e malefícios para a sociedade. Os benefícios consistem em rápida comunicação, maior acesso às informações, dentre outros. Por outro lado, agora as pessoas ocupam a posição de criadoras de conteúdos digitais, os quais são divulgados de maneira instantânea, com acentuada velocidade de propagação e com a possibilidade de utilizar-se do anonimato.[2] O problema está no fato de que nem todos os conteúdos compartilhados na rede mundial de computadores são admissíveis, sendo alguns até considerados crimes, por conta de seu teor. Nesse trilho, vale a menção de que, os discursos discriminatórios (hate speech) alcançaram sua versão cibernética. A justificativa usada por estes, que disseminam estes discursos, consiste na liberdade de expressão, diretamente ligada à democracia. Porém, há uma limitação quanto a esta liberdade de expressão sob à luz da Constituição Federal, em que, constitui objetivos fundamentais a promoção do bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF).[3] No que tange a expressão discurso de ódio, Winfried Brugger esclarece: “[...] o discurso do ódio refere-se a palavras que tendem a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que têm a capacidade de instigar violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas.”[4] Nesse sentido, a autora Rosane Leal da Silva et al, acresceu que o referido termo configura-se pelo conteúdo segregacionista, fundado na dicotomia da superioridade do emissor e na inferioridade do atingido (a discriminação), bem como pela externalidade.[5] O aumento sistemático dos casos de discurso de ódio na internet atingiu níveis recordes em 2020 e 2021, principalmente em relação a homofobia e questões relacionadas ao neonazismo.[6] Com efeito, a Lei n. 7.716/89, em seu artigo 20, parágrafo 1º, trouxe a definição do crime de discriminação e preconceito cometido pelos meios de comunicação, verbis: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.”[7] Em relação à forma de divulgação, o diploma legal supracitado estabeleceu aumento de pena a quem pratica, induz ou incita tal discriminação ou preconceito utilizando-se dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza (art. 20, § 2º). Essa potencialização pelas redes sociais da propagação do discurso de ódio evidencia o exercício abusivo da liberdade de expressão e, assim se faz necessário refletir sobre os limites desta, em razão de atingir pessoas vulneráveis. Durante a Segunda Guerra Mundial milhões de judeus foram mortos de forma cruel e sistemática, devido a um movimento ideológico que nasceu de uma pseudociência, do ocultismo e, principalmente, de um discurso de ódio, o nazismo. Szklarz descreve tal movimento como um conjunto de ideias bizarras com carimbo da ciência, ou seja, a propagação de falsos conceitos e direcionamentos com fulcro em uma falsa ciência. Ainda, discorre que para Hitler, líder da época e idealizador do nazismo, o judaísmo era uma condição natural degradante, parasitas e traidores, chamando-os de untermensch (sub-humanos). E, portanto, a raça ariana era criada por Deus e não poderia se misturar com povos inferiores. Seria então necessário purificar o povo ariano. Esta concepção, de raça inferior, cabia para ciganos, comunistas, homossexuais, deficientes, prostitutas, dentre outros[8]. Esta propagação do ódio por um líder ou por um influenciador agrega seguidores ao movimento, que traz à tona a violência gerada por estes discursos. A crença nessas ideologias faz com que permanecemos nos momentos históricos, como ocorreu no contexto do nazismo ou até mesmo na escravidão, onde negros sofriam as consequências de serem taxados como raça inferior. E ai se perfaz a necessidade de conscientização, para que entendamos os fatos e os porquês, afim de esclarecer motivos sórdidos dessas ideologias que massacram, discriminam, agridem, segregam, os que, hoje, chamamos de vulneráveis. Ainda há de se percorrer um longo caminho para alcançar a igualdade entre humanos. ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA Graduada em Ciências Biológicas. Graduanda em Direito, 9° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa Não Somos Invisíveis. E-mail: [email protected] STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduanda em Direito, 9° período, Centro Universitário Uninter. Estagiou em Departamento da Polícia Civil de 2018 a 2020. Estagiária no Ministério Público do Estado do Paraná. E-mail: [email protected] NOTAS: [1] STROPPA, T.; ROTHENBURG, W. C. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DISCURSO DO ÓDIO: O CONFLITO DISCURSIVO NAS REDES SOCIAIS. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, [S. l.], v. 10, n. 2, p. 450–468, 2015. DOI: 10.5902/1981369419463. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/19463. Acesso em: 22 fev. 2022. [2] Idem. [3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. [4] BRUGGER, Winfried. Proibição ou proteção do discurso do ódio? Algumas observações sobre o direito alemão e o americano. Trad. Maria Angela Jardim de Santa Cruz Oliveira. Revista de Direito Público, v. 15 n. 117, jan./mar. 2007. [5] SILVA, Rosane Leal da et al . Discursos de ódio em redes sociais: jurisprudência brasileira. Rev. direito GV, São Paulo, v. 7, n. 2, Dec. 2011. p.445-468. [6] ASSOCIAÇÃO BRASIELEIRA DE INTERNET. Safernet alerta para disparo de discurso de ódio na internet em 2020 e 2021. Disponível em: <https://www.abranet.org.br/Noticias/Safernet-alerta-para-disparo-de-discursodeodionainternetem2020e20213747.html?UserActiveTemplate=site#.YgULXZrMJD8>. Acesso em: 10 fev. 2022. [7] BRASIL. Lei n. 7.716/89. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7716.htm>. Acesso em: 10 fev. 2022. [8] SZKLARZ, Eduardo. NAZISMO. Revista Super Interessante. Editora Abril, 2015. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?hl=ptBR&lr=&id=dIdbCgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=nazismo&ots=WRDZ-xkbTL&sig=O0hdLQnsQaL2BuEViyjfF7_2UgA#v=onepage&q=nazismo&f=false> Acesso em: 24 fev. 2022.
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