Algumas questões parecem ser exaustivamente discutidas em nosso país, mas sem chegar a nenhuma conclusão concreta. Em certos casos, devemos entender que tais discussões devem, de fato, serem trazidas à pauta constantemente, pois podem existir evoluções na maneira de viver, pensar e agir que fazem com que outros rumos sejam considerados.
Como um exemplo clássico do que foi acima mencionado, podemos identificar um assunto recorrente, que é redução da maioridade penal. Muito é opinado, mas uma decisão certa parece estar longe de existir. Diante da percepção da atuação de crianças e adolescentes em práticas criminosas, a proposta surgiu, dando espaço também para a polêmica que envolve esse tema e, consequentemente, criando um importante campo de estudo para a Psicologia Jurídica, corroborado pelo interesse social e político (STIVALETI COLOMBAROLLIet. al., 2017). Tendo diversos setores que influenciam a questão – assim como também são influenciados por ela, numa mútua troca de olhares –devemos levar em consideração tudo o que seria alterado pela modificação da maioridade, assim como o que, de fato, motiva a pensar de uma ou de outra forma ao posicionar-se sobre essa discussão.Acima disso, ainda é preciso lembrar que além da parte social, há também interesses políticos e, portanto, representações diferenciadas sobre o tema e como ele seria melhor visto perante a população. Muitas vezes, o jovem “destituído” de um local comum, não inserido numa família e educação tidas como tradicionais, já é visto como um criminoso latente. Diante disso, Teixeira e Matsuda (2017) apontam para um outro detalhe que já prevêo menor, em uma condição de abandono, como um problema social que o torna, neste momento, como um potencial protagonista da criminalidade; isso se dá justamente pelo fato“que está presente na ordem discursiva em relação ao menor é a ideia de que sua condição de abandono, pobreza, ausência de laços institucionais permanentesjá traz em si a potencialidade do crime”. Historicamente, percebemos diversas tentativas de controle social que visavam o enquadramento de ações direcionadas aos menores. Desde detenções correcionais até diversos outros planos de institucionalização e recuperação, vemos claramente a construção daquilo que é visto atualmente, que compreende um verdadeiro “segregador” de indivíduos. O Decreto de lei 6.026, de 24 de novembro de 1943 (que dispõe as medidas aplicáveis aos menores de idade, em decorrência de práticas infracionais), conforme Teixeira e Matsuda (2017), constituiu um passo decisivo para impor a questão da periculosidade designando o fator também à infância pobre e abandonada, como um princípio norteador de sua institucionalização. Nos dias de hoje, sabemos que existem práticas, pautadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelecem as seguintes medidas: I-advertência, II- obrigação de reparar o dano, III- prestação de serviços à comunidade, IV- liberdade assistida, V- inserção em regime de semiliberdade e VI- internação em estabelecimento educacional, sendo que as ações mais severas devem ser criteriosamente analisadas, passando a evitar o internamento (FIORELLI, MANGINI, 2009), já que o objetivo primordial é a reeducação. Para o sistema penal, é necessário que o indivíduo tenha capacidade de entendimento do ato e discernimento para identificar a quebra da lei. Assim, é preciso que observe que se cometeu um ato de desobediência de um determinante legal (STIVALETI COLOMBAROLLIet. al., 2017). Os que não se enquadrarem neste quesito, seriam considerados imputáveis (após diversas análises que comprovem tal fator). Tendo isso em mente, pode-se transpor a premissa também para a evolução humano. Sabendo que as capacidades são desenvolvidas através do sistema biopsicológico, levando em consideração as patologias mentais e o estado psicológico do agente no momento da ocorrência, no caso de jovens menores de 18 anos, estes são eximidos da culpabilidade, mesmo que hajam provas da capacidade intelectiva e volitiva do discernimento (STIVALETI COLOMBAROLLIet. al., 2017), visto que a compreensão atual é que, a grosso modo, a construção do indivíduo, nesta idade, ainda não está completa ou suficiente para que possa julgar tais atos. Fala-se em determinada idade por conta da necessidade de estipular um “divisor de águas”, algo que postule e que possa basear em qual sistema alguém poderá ser julgado. Entretanto, a visão mais correta sob um sujeito, que é plural, entende que os parâmetros não são definidos através de uma data, mas de acordo com as mudanças psicológicas e fisiológicas que acontecem em torno dessa idade (FIORELLI, MANGINI, 2009). Além disso, podemos também incluir que existem outros fatores sociais que interferem nesse processo. Portanto, é difícil determinar algo que seja verdade para todos, sendo que a questão do desenvolvimento mencionada é particular. Entre os psicólogos, uma pesquisa recente identificou tanto pontos a favor quanto pontos contra a redução da maioridade penal. Vale destacar alguns fatores concluídos a partir da análise feita por StivaletiColombarolliet. al. (2017): • Exclusão social X recuperação social: sendo a recuperação o ideal a ser atingido, muito se abordou em relação à consequente exclusão social subsequente à responsabilização do adolescente em conflito com a lei, somando ao fato da incapacidade de reabilitação através de um sistema prisional tal qual é encontrado atualmente. • Educação e punição: o trabalho educativo foi evidenciado como melhor inibidor de práticas delituosas, em detrimento do elemento penal sozinho para o mesmo fim. A ideia da punição por encarceramento é um movimento contrário à reeducação social e os fatores protetivos tornam-se mais importantes para proporcionar ao jovem em situação de risco meios de se reconstruir como sujeito e cidadão. • Psicologia e Políticas Públicas: partindo de agregação de novos conceitos e novas ideias, a Psicologia foi apontada pelos profissionais que participaram da pesquisa como imprescindível contribuinte para a formulação de políticas públicas que visem melhores resultados para a sociedade como um todo. Percebemos não ser algo fácil de ser estabelecido e alterado, não somente em nível de legislação. Com isso, o entendimento da Psicologia em relação à formação do caráter e do juízo de valores de um sujeito é perceber que isso não está diretamente ligado à idade, mas também da interação com o meio social (STIVALETI COLOMBAROLLIet. al., 2017), o que também pode dificultar decisões ao se pensar na redução, pois ela deveria servir para todos as pessoas de uma sociedade, mas é uma questão que, na realidade, não pode ser aplicada de forma geral, mas individual. Dessa forma, o que se vê necessário é uma reflexão profunda sobre a questão, sendo fundamentaltambém uma “reforma” subjetiva e objetiva que prepare a sociedade para quaisquer formas de mudanças neste escopo. É algo que deve ser pensado e organizado estruturalmente para que, caso exista a possibilidade real de alteração da maioridade penal, isso seja uma ação verdadeiramente positiva para o país, em não algo que beneficie apenas alguns setores populacionais. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FIORELLI, José O.; MANGINI, Rosana C. R. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009. STIVALETI COLOMBAROLLI, Maíra et al. PROPOSTA DE REDUÇÃO DA IDADE PENAL: VISÃO DOS PROFISSIONAIS DA PSICOLOGIA. Psicologia Argumento, [S.l.], v. 32, n. 77, nov. 2017. ISSN 1980-5942. Disponível em: <https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/19629/18971>. Acesso em: 14 set. 2018. TEIXEIRA, A.; MATSUDA, F. Menoridade e Periculosidade: intersecções e assujeitamentos. Plural - Revista de Ciências Sociais, v. 24, n. 1, p. 10-27, 30 ago. 2017 Comments are closed.
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