MAIS UM PONTO NEVRÁLGICO DO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO: A IDADE MÍNIMA DE 18 ANOS PARA SER JURADO5/10/2018
“O Brasil apresenta muitos obstáculos que concorrem e têm sempre concorrido para fazer do dogma democrático uma ficção; às vezes, uma impostura.”
Paulo Bonavides O Tribunal do Júri brasileiro concebe, entre as garantias fundamentais, uma conquista dos direitos humanos. Todavia, a sua procedimentalidade foi mitificada com valores inquisitoriais e arbitrários aos protagonistas desse sistema. Sua estrutura possui um caráter enigmático que é o da mitificação sobre sua criação ser fundamentada na participação popular, o que justifica as suas decisões livres de fundamentação, permitindo-se, portanto, qualquer tipo de argumento intrínseco a consciência do corpo de jurados.[1] A idade mínima para compor o Conselho de Sentença, atualmente, é de 18 anos, e sobre esse ponto há divergências na doutrina (quando debatido) sobre qual realmente é a idade ideal para ser jurado, o que desencadeia num afanoso paradoxo. O Tribunal do Júri, cuja instituição tem a competência de julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, é composto de um juiz de direito (juiz presidente), e por 25 jurados que serão sorteados dentre os alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento, conforme preconiza o artigo 447 do Código Penal Brasileiro. A redação dada ao artigo 433 do Código de Processo Penal excluiu a figura da criança que constava no modelo anterior (art. 428 do CPP de 1941), a qual ficava responsável pela retirada das cédulas da urna.[2]Na contemporaneidade é o juiz presidente quem realiza tal função. Sobre esse tema, constava na Exposição de Motivos do projeto de reforma do Júri que se dispensava de forma obsoleta e ultrapassada a exigência da presença de um menor de 18 anos para tirar os nomes sorteados da urna.[3] Com a atual legislação, o cidadão para ser jurado deve possuir no mínimo 18 anos e no máximo 70 anos (após 70 anos é facultativo), estar em pleno gozo dos direitos políticos, não ter sido processado criminalmente e prestar o serviço gratuitamente para tal função. Expõe o artigo 448 do Código de Processo Penal que são impedidos de servir no mesmo Conselho de Sentença marido e mulher, ascendente e descendente, sogro e genro ou nora, irmãos e cunhados, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado. O impedimento também ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável (entidade familiar). Importante salientar que são isentos do serviço do Júri todas as pessoas enquadradas no artigo 437 do Código de Processo Penal: I - os cidadãos maiores de 70 anos; II - o Presidente da República e os Ministros de Estado; III - os Governadores de Estados e Territórios, Prefeito do Distrito Federal e respectivos secretários; IV - os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas dos Estados e das Câmaras Municipais; V - os Prefeitos Municipais; VI - os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública; VII - os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria; VIII – as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública; IX - os militares em serviço ativo; X – aqueles que o requererem, demonstrado justo impedimento. E, ademais, aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados, bem como, o artigo 449 veda que seja jurado de um determinado julgamento aquele que já tenha integrado o Conselho de Sentença do mesmo ou de outro acusado. Analisando-se os requisitos, verifica-se que estão impedidos, também, de serem jurados os surdos (salvo se estiver usando aparelho de audição), cegos, mudos, inimputáveis, aquele que residir em comarca diversa daquela em que vai ser realizado o julgamento e aquele que não estiver em pleno gozo de seus direitos políticos. Aos jurados são garantidos alguns direitos como o de não poder sofrer nenhum desconto no salário ou vencimento para o dia que comparecerem à sessão do Júri, mediante certidão fornecida pelo juízo que comprove seu comparecimento ao plenário. Essa garantia não é estendida para o jurado que possui atividade laboral autônoma. Ainda, o exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecendo presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo. Constitui, ainda, preferência em igualdade de condições nas licitações públicas e nos provimentos, mediante concurso de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária. Somente se conferem esses direitos àqueles que tenham servido, efetivamente, em julgamento do Júri. São deveres dos jurados[4]: I) Obedecer às intimações, salvo se apresentar escusas por justos motivos; II) Comparecer às sessões para as quais for sorteado, não se retirando antes da formação do conselho; III) Declarar-se impedido, nos casos legais e de consciência; IV) Conservar-se incomunicável; V) Prestar o compromisso legal, com sinceridade e firmeza, mostrando compreender a alta responsabilidade que assume; VI) Observar atentamente aos trabalhos do plenário, e requerer o que for conveniente para a elucidação do processo; VII) Responder, mediante as formalidades legais, os quesitos propostos e requerer algum outro que entenda de importância; VIII) Não deixar transparecer as impressões de sua consciência; IX) Não revelar o sigilo do veredicto. Não existe responsabilidade criminal do jurado ao proferir seu voto secreto. Sofrerá, apenas, as censuras de sua própria consciência por sua decisão imotivada. Salvo se intervier em processos em que são legalmente impedidos ou suspeitos, ou procedem com eventual suborno, aí sim sofreram penalidades. Como segue previsão legal no artigo 445 do Código de Processo Penal e artigo 327 do Código Penal (é considerado funcionário público para os efeitos penais) os jurados são responsáveis criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados. Se faz imprescindível mencionar que a idade mínima para compor o Conselho de Sentença no sistema do Júri do Brasil já foi de 25 anos e de 21 anos. Com o advento do Código Civil de 2002 houve uma redução na maioridade civil de 21 para 18 anos. Com isso, a doutrina divergiu em relação à possibilidade de nulidade na formação do Conselho de Sentença com jurado menor de 21 anos de idade. Assim, e numa alteração arriscada, o legislador com a Lei 11.689/2008, promoveu a idade mínima para ser jurado para 18 anos, porquanto, embora a pessoa seja considerada civil e penalmente capaz, é indubitavelmente necessário possuir maturidade para atingir a função de magistrado. [5] Edilson M. Bonfim e Domingos Parra Neto, neste mesmo prisma alegam que a modificação é arriscada e contraditória. Arriscam-se a Constituição de Conselhos de Sentença pessoas descomedidamente jovens, sem maior vivência nos problemas da vida e do mundo, que conquanto estudem, trabalhem e sejam honestas, não adquiriram ainda uma gama mínima de tirocínio que tal sorte exige. Contraditória, porquanto não há como se exigir notória idoneidade a um jovem de 18 anos de idade, uma vez que recém adquirida a capacidade para atos da vida civil.[6] Insta salientar que a partir da Emenda Constitucional 45/2004, passou a ser necessário aos candidatos à magistratura o mínimo de três anos de atividade jurídica, após ser bacharel em direito, nos termos no artigo 93, inciso I, da Constituição Federal. Assim, o candidato da magistratura deveria possuir ao menos algo próximo aos 25 anos de idade (seria uma formação acadêmica, somada aos três anos de atividade profissional e de estudos). O próprio Código Penal Brasileiro aduz como atenuante da pena quando o agente possui entre 18 e 21 anos por entender que nesta idade a pessoa, incontestavelmente, encontra-se em transição. Dito isso, indaga-se: será que um jurado de 18 anos julgaria seu “semelhante” de igual forma após os seus 21 anos? Continuemos: Consegue-se observar, através de uma autoanálise, a altercação de nossa maturidade e experiência de vida como seres sociais dos 18, 21, e aos 25 anos? Lembra-se, principalmente, um dos princípios que imperam no Tribunal de Júri: A Plenitude de Defesa. Portanto, ainda que se possa recusar um jurado pela idade (possibilidade das partes de realizarem três recusas imotivadas), parece demasiadamente superficial, e “custoso” a um sistema garantista justificar a idade mínima para ser jurado ser fixada em 18 anos com a fundamentação de que os jurados representam, verdadeiramente, seus pares. Seria, ainda, mais lastimável, equiparar certas capacidades conquistadas com a maioridade civil como, por exemplo, adquirir a carteira de motorista, ou até mesmo fundamentar-se na evolução tecnológica social, à capacidade de auferir sobre o futuro de alguém, ou melhor, sobre a vida de seu “semelhante” com sentenças de condenação ou de absolvição de crimes dolosos contra a vida. Nucci[7]aduz que não é demais lembrar que no Tribunal do Júri julga-se o fato e seu autor, ou seja, os jurados apreciarão não somente o crime, mas também o ser humano em sua terrena existência, muitas vezes apartadas da razão. Paulo Rangel vai além, afirma que a formação do corpo de sentença deveria ser reformulada pela Lei 11.689/2008 para estabelecer a idade mínima de 35 anos para ser jurado, estabelecendo uma simetria com a idade mínima para ser Presidente da República (somente para cidadãos com capacidade eleitoral ativa para tanto).[8] Guilherme de Souza Nucci[9]não concorda com a redução da maioridade de 21 para 18 anos para ser jurado. E ainda, denomina o atual jurado de “jurado virtual”, ou seja, aquele que preenche “todos os requisitos” para ser alistado. Percebe-se que se faz imperioso ter um julgador com mais experiência de vida, a qual com a terrena idade de 18 anos não são alcançadas; salienta-se que o que está em questão em plenário é um direito fundamental do acusado: a sua liberdade que refletirá em todo seu meio social e familiar. Ademais, todo o mito, neste caso o Tribunal do Júri, é extremante perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Um protótipo disso, no procedimento do júri, é a imposição de que o jurado com idade mínima de 18 anos, embora seja considerado civilmente capaz, seja também considerado apto a proferir uma decisão judicial sobre um dos crimes mais complexos do ordenamento jurídico pátrio, a qual vai impactar muito além do acusado, sua família e seu meio social. Deste modo, permanece-se no fascínio pelo historicismo do Tribunal do Júri, o que impede uma construção efetivamente democrática de sua estrutura procedimental.[10] Lembremos e fiquemos, neste instante, a refletir sobre o mito da caverna de Platão. Carla Juliana Tortato Mestranda em Direito pela UNINTER Especialista em Direito e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Advogada Criminal [1]CHAVES, Charley Teixeira. O Povo e o Tribunal do Júri. Ed. D’Placido. pg. 17. [2]MARQUES. Jader. Tribunal do Júri. Considerações críticas à Lei 11.689/08 de acordo com as Leis 11.690 e 11.719/08. Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2009. pg. 100. [3]GRINOVER, Ada Pellegrini. A Reforma do Processo Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo. n. 33. Pg. 342, 2001, apud MARQUES, Jader. Tribunal do Júri. Considerações críticas à Lei 11.689/08 de acordo com as Leis 11.690 e 11.719/08. Ed. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2009. Pg. 100. [4]https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2642/Jurado-um-dever-do-cidadao. Acesso em 08 de maio de 2018. [5]NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015.p. 172. [6]BONFIM, Edilson M. NETO, Domingos Parra.O novo procedimento do júri. pg.67-68 apud NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015.p. 173. [7]NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015.p. 176. [8]RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2015.p.196. [9]NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015.p. 172. [10]COTRIM, Fernandes, 2010, p. 338 apudCHAVES, Charley Teixeira. O Povo e o Tribunal do Júri. Ed. D’Placido. pg. 184. Comments are closed.
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