Artigo da colunista Paula Yurie Abiko no sala de aula criminal, vale a leitura! ''O mais preocupante é que segundo um levantamento feito pelo El País, há pelo menos 96 aplicativos disponíveis para a geração de nudes convincentes a partir da imagem de uma pessoa, e a maioria funciona apenas de forma efetiva com fotos de mulheres[3]. Sobre esses casos na justiça, a Sensity empresa de Amsterdã com trabalho em softwares de inteligência artificial, relatou que entre julho de 2019 e 2020, aproximadamente 104.852 mulheres tiveram imagens alteradas e publicadas[4], um dado extremamente preocupante, observado o alcance dessas imagens no meio digital''. Por Paula Yurie Abiko Recentemente, foi divulgado o caso em que mais de 20 vítimas tiveram falsos nudes criados com as suas fotos, com a utilização de inteligência artificial. O caso ocorreu no Colégio Santo Agostino no estado do Rio de Janeiro.
A polícia identificou os alunos suspeitos de divulgarem as imagens em grupos, que serão ouvidos a partir de quarta-feira. Como tratam-se de adolescentes, é possível a responsabilização por meio do artigo 241 C do Estatuto da Criança e do Adolescente que aduz o seguinte: "Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual’’. Sobre a necessidade de proteção da criança e do adolescente ressalta Patricia Prado[1], que o artigo 14 da LGPD[2] trouxe uma mudança de paradigma na concepção de infância no ordenamento jurídico, com um amadurecimento legislativo e necessidade de exigir de terceiros, na lógica da responsabilidade compartilhada, a necessidade de cumprimento do papel de cuidado com os menores no oferecimento de produtos e serviços. Com o avanço da tecnologia e do uso de aplicativos de celular, denota-se a relevância do tema e necessidade de reflexão, tendo em vista o aumento exponencial dos crimes digitais. O direito digital ressalta a necessidade de atualização sobre a tecnologia, observado a extensa gama de crimes cibernéticos na atualidade, e todos os seus reflexos sociais. Mas esse é apenas um dos diversos casos recentes. O caso da influencer de aplicativo Tik Tok Nathalia Valente também viralizou nas redes sociais, com dezenas de fotos íntimas criadas com o uso de inteligência artificial. O mais preocupante é que segundo um levantamento feito pelo El País, há pelo menos 96 aplicativos disponíveis para a geração de nudes convincentes a partir da imagem de uma pessoa, e a maioria funciona apenas de forma efetiva com fotos de mulheres[3]. Sobre esses casos na justiça, a Sensity empresa de Amsterdã com trabalho em softwares de inteligência artificial, relatou que entre julho de 2019 e 2020, aproximadamente 104.852 mulheres tiveram imagens alteradas e publicadas[4], um dado extremamente preocupante, observado o alcance dessas imagens no meio digital. Nesse sentido, ressaltam Damásio de Jesus, José Antonio Milagre, (2016, p. 24), que o Brasil é o quarto país do mundo com o maior número de ameaças virtuais. Pesquisas demonstram que de cada dez hackers ativos no mundo, oito residem no Brasil. Ressaltam os autores JESUS, MILAGRE (2016, p. 51), que os delitos mais comuns praticados na rede são o estelionato e a pornografia infantil, com ataques praticados por vírus de computador ou malware, além de invasão de perfis nas redes sociais e ataques de phishing. Segundo dados da Polícia Federal, os crimes informáticos geram mais dinheiro que o narcotráfico, e nesse sentido aduzem JESUS, MILAGRE (2016, p. 25): ‘’Quando falamos em macrocriminalidade, o Brasil destaca-se como quarto principal alvo dos crackers em ataques de phishing (pescaria de senhas) no mundo, figurando entre os cinco países que mais tiveram empresas hackeadas. Algo em torno de 38 milhões de usuários lesados. Já a média mensal de crimes virtuais contra crianças cresceu 57% em 2012. Em 2013, o país perderia U$$ 8 bilhões com ataques de crackers, roubos de senhas, clonagens de cartões, pirataria virtual, além de espionagem governamental e industrial, entre outros crimes cibernéticos. Crimes de informática custaram U$$ 500 bilhões para a economia mundial em 2013’’. No caso dos adolescentes, a criação das fotos foi realizada em aplicativo de celular, com o uso da inteligência artificial, que manipulou as fotos das vítimas em corpos com nudez, de modo a parecer que as vítimas haviam tirado as fotos daquela forma. Após a promulgação da lei nº 12.737/2012, observa-se a punição não só dos invasores, mas também de quem desenvolve e distribui ferramentas ou programas informáticos concebidos para fins criminosos. O artigo 154-A aduz o seguinte sobre a invasão de dispositivo informático: ‘’Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1o Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput’’. Em sequência, aduz o §3º: Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa''. Além disso, há também a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e a Lei Carolina Dieckmann que visam regulamentar o uso de informações e imagens compartilhadas em redes sociais, mas estão longe de tutelar o compartilhamento indevido de imagens e criações com o uso de aplicativos de inteligência artificial. 2. O que é a inteligência artificial? Segundo Kai Fu Lee, um dos criadores da inteligência artificial como a conhecemos hoje, a inteligência artificial possui quatros ondas. A primeira é a IA de internet, e como exemplo temos o YouTube, sites de streaming de vídeo, redes sociais, e a internet, conhecida e utilizada amplamente por todos nós. A segunda é a IA de negócios, segundo Lee essa IA faz a mineração desses bancos de dados para correlações ocultas que muitas vezes escapam ao olho nu e ao cérebro humano. Baseia-se em todas as decisões e resultados históricos dentro de uma organização e utiliza os dados para treinar um algoritmo que pode superar até as pessoas mais experientes[5]. Nesse sentido aduz Lee, que os algoritmos de IA incorporam as características fortes, mas também analisam milhares de características fracas, de modo a criar correlações e combinações. A terceira onda é a denominada IA de percepção. Segundo Lee, a IA de percepção é essa utilizada para mudar os ambientes a nossa volta, facilitando o dia a dia e as atividades cotidianas. Um exemplo são as câmeras com reconhecimento de objetos, câmeras que realizam a digitalização de rostos, usando os dados de percepção para proteger o celular ou carteira digital[6]. Por fim a quarta onda de IA, é a denominada IA autônoma. Segundo Lee, os exemplos na atualidade são inúmeros, como os carros autônomos, máquinas robóticas autônomas, que realizam dezenas de tarefas diárias. Dessa forma, observa-se que a inteligência artificial é uma realidade, e precisamos pensar em formas de garantir o uso adequado e com responsabilidade, diante da rápida expansão e utilização por todas as pessoas. Os desafios são imensos, ainda mais pensando na velocidade em que fotos adulteradas são criadas e compartilhadas em segundos em milhares de aplicativos, com o alcance de milhões de pessoas ao redor do mundo. Paula Yurie Abiko Advogada (OAB/PR, nº 108.747). Site para contato profissional (www.paulaabikoadv.com). Aluna ouvinte na disciplina de Execução Penal e sistema penitenciário, PPGD Mestrado (UFPR), coordenado pelo Professor André Giamberardino. Graduada em direito - Centro Universitário Franciscano do Paraná (FAE). Especialista em Direito Penal e Processual Penal - Academia Brasileira de Direito Constitucional. Especialista em Direito Digital - (Complexo de Ensino Renato Saraiva, CERS). Pós graduanda em teoria do direito, dogmática crítica e hermenêutica - ABDCONST. Membro do grupo de estudos em Filosofia do Direito da FAE Centro Universitário: O mal estar no Direito, Membro do Grupo de Pesquisa: Modernas Tendências do Sistema Criminal. Membro do grupo de pesquisas: Trial By Jury e Literatura Shakesperiana (Cnpq). Membro Associada do International Center for Criminal Studies. Membro do grupo de estudos avançados de teoria do delito, IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). Membro do NUPEJÚRI (Grupo de pesquisas de Tribunal do Júri da FAE Centro Universitário (Cnpq), Membro do Neurolaw (grupo de pesquisas de direito penal e neurociências (Cnpq). Colunista do Sala de Aula Criminal (ISSN: 2526-0456) e Canal Ciências Criminais (ISSN: 2446-8150).Colunista Direito e Arte - Empório do Direito (ISSN: 2446-7405). Integrante da comissão de criminologia crítica do canal ciências criminais. Integrante da comissão de Direito & literatura do Canal ciências criminais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BRASIL, Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm, Acesso em: 08 de nov. 2023. COSTA, Gabriela, FERREIRA, Julio Cesar, Nudes gerados por inteligência artificial invadem privacidade de mulheres, https://contrapontodigital.pucsp.br/noticias/nudes-gerados-por-inteligencia-artificial-invadem-privacidade-de-mulheres, acesso em 08 de nov. de 2023 JESUS, Damásio de, Manual de crimes informáticos, Damásio de Jesus, José Antonio Milagre, São Paulo: Saraiva, 2016. LEE, Kai-Fu, Inteligência artificial: como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos, Tradução: Marcelo Barbão, 1ª edição, Rio de Janeiro, Globo Livros, 2019. PRADO, Patricia Rodrigues de Salles, A proteção das crianças e adolescentes na lei geral de proteção de dados pessoais brasileira e a concepção de infância com as novas tecnologias, Direito Digital, debates contemporâneos, Ana Paula M. Canto de Lima/ Carmina Bezerra Hissa, Paloma Mendes Saldanha, 1ª edição, São Paulo, Thompson Reuters, Brasil, 2019. NASCIMENTO, Rafael, Mais de 20 vítimas de 'nudes' falsos criados com inteligência artificial foram ouvidas pela polícia, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/11/06/vitimas-de-nudes-falsos-criados-com-inteligencia-artificial-foram-ouvidas-pela-policia.ghtml, Acesso em 07 de nov. 2023. NOTAS: [1] PRADO, Patricia Rodrigues de Salles, A proteção das crianças e adolescentes na lei geral de proteção de dados pessoais brasileira e a concepção de infância com as novas tecnologias, Direito Digital, debates contemporâneos, Ana Paula M. Canto de Lima/ Carmina Bezerra Hissa, Paloma Mendes Saldanha, 1ª edição, São Paulo, Thompson Reuters, Brasil, 2019. [2] BRASIL, Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm, Do Tratamento de Dados Pessoais de Crianças e de Adolescentes - Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente, § 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.§ 2º No tratamento de dados de que trata o § 1º deste artigo, os controladores deverão manter pública a informação sobre os tipos de dados coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos para o exercício dos direitos a que se refere o art. 18 desta Lei. § 3º Poderão ser coletados dados pessoais de crianças sem o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo quando a coleta for necessária para contatar os pais ou o responsável legal, utilizados uma única vez e sem armazenamento, ou para sua proteção, e em nenhum caso poderão ser repassados a terceiro sem o consentimento de que trata o § 1º deste artigo.§ 4º Os controladores não deverão condicionar a participação dos titulares de que trata o § 1º deste artigo em jogos, aplicações de internet ou outras atividades ao fornecimento de informações pessoais além das estritamente necessárias à atividade. § 5º O controlador deve realizar todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo foi dado pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias disponíveis. § 6º As informações sobre o tratamento de dados referidas neste artigo deverão ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com uso de recursos audiovisuais quando adequado, de forma a proporcionar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal e adequada ao entendimento da criança. [3]COSTA, Gabriela, FERREIRA, Julio Cesar, Nudes gerados por inteligência artificial invadem privacidade de mulheres, https://contrapontodigital.pucsp.br/noticias/nudes-gerados-por-inteligencia-artificial-invadem-privacidade-de-mulheres, acesso em 08 de nov. de 2023. [4] COSTA, Gabriela, FERREIRA, Julio Cesar, Nudes gerados por inteligência artificial invadem privacidade de mulheres, https://contrapontodigital.pucsp.br/noticias/nudes-gerados-por-inteligencia-artificial-invadem-privacidade-de-mulheres, acesso em 08 de nov. de 2023. [5] LEE, Kai-Fu, Inteligência artificial: como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos, Tradução: Marcelo Barbão, 1ª edição, Rio de Janeiro, Globo Livros, 2019, p. 136. [6] LEE, Kai-Fu, Inteligência artificial: como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos, Tradução: Marcelo Barbão, 1ª edição, Rio de Janeiro, Globo Livros, 2019, p. 144.
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