Após 09 anos preso em regime Fechado, fui finalmente transferido para o regime semiaberto, e como sempre, fui remanejado para um presidio que era apenas para presos que já tinham o regime de semiliberdade em seu levantamento de penas. Lá chagando, fui direto para um alojamento que abrigavam 50 pessoas. Como sou sociável e não tinha problemas com nenhum outro detento, fui logo colocado no convívio, neste alojamento conheci uma pessoa que até hoje está firme em minha lembrança pela sua postura forte, jeito desprendido e acima de tudo, ter resposta para tudo de pronto, era um autêntico/a “boca dura” como dizíamos no sistema. Apenas um detalhe, este meu Amigo/a (pois nos tornamos depois) nasceu com o nome de Erasmo, mas adotou a nomenclatura social de Margarete, deste modo, Margarete era homossexual assumido/a, e tal fato no sistema prisional, por ser um local onde a homofobia impera, enfrentou vários percalços, que soube tirar de letra, com bom humor e irreverência. Margarete era a típica de pessoa que alegrava o meu dia, seja pelas suas caras e bocas, seja pela sua forma de encarar a vida. Me contou que foi expulsa de casa logo quando a família tomou conhecimento de sua orientação sexual, viveu nas sombras da noite, se prostituiu, vendeu drogas para a sobrevivência e sustento do próprio vicio, e ao final foi presa por furto de supermercado, onde a “res furtiva” se consistia em 3 quilos de linguiça, um crime famélico e de bagatela clássicos, mas por este “delito” foi condenada a 4 anos de prisão. O Fato de Margarete ter “rodado” com 3 quilos de linguiça provocava a o humor da galera, onde perguntavam o que ela ia fazer com 3 quilos de linguiça, ou mesmo se as referidas eram grossas, como afirmei, o sistema prisional é homofóbico ao extremo, mas aqui deixo uma reflexão: o sistema prisional é tão somente o reflexo sem retoques do que ocorre em sociedade... Contudo, diante as perguntas maliciosas Margarete nem se despenteava, dizia que ia dividir a metade das linguiças com a irmã de quem perguntava, e que em relação a serem grossas ou não, deveriam perguntar pra irmã (nunca a Mãe, pois esta é sagrada no sistema...). Apesar de dar respostas firmes, ela era uma pessoa muito delicada, que chorava copiosamente ao quebrar uma unha jogando bola por exemplo, ah um detalhe, Margarete era uma exímia ponta esquerda, e tinha lugar assegurado no time da cadeia. Minha amiga era acima de tudo uma guerreira corajosa, com quem aprendi a não ficar caldo diante as violações dos outros, seja este outro quem for. Um belo dia, em uma revista rotineira no presídio, foi encontrado um vidro de pimenta em nosso alojamento (nunca entendi o porquê era proibido pimenta), que um companheiro que trabalhava na cozinha tinha “desviado”, para que deste modo a comida ficasse menos intragável. Isto posto, começou um verdadeiro terror dos agentes que encontraram a especiaria proibida, xingaram, ameaçaram e chegaram a até a dar uns tapas no preso que trabalhava na cozinha e que suspeitavam que tinha sido o mesmo que tinha “desviado” a pimenta. O chefe dos agentes naquele dia era o “Senhor” Marcelo (nunca entendi o porque os agentes fazem questão de serem chamados de Senhor e se for mulher Dona), e que chamávamos jocosamente de “Senhor” Peruquinha, que deixava o mesmo louco da vida se ouvisse. O Senhor Peruquinha, digo Senhor Marcelo, começou a gritar dizendo que queria saber quem tinha levado pimenta para o alojamento, esbravejou, gritou e nada... Em um certo momento de seus arroubos, perguntou se não éramos homens para assumir nossas atitudes, que estávamos parecendo “mulherzinha”... Neste momento Margarete deu um passo à frente, e falou de forma incisiva e afetada com a mão na cintura: “Na, na, ni, na, NÂO Senhor Marcelo! Me respeite!!!!! Quem disse que sou homem, sou uma mulher linda e honro com meus acordos, pode ter certeza, minha palavra tem mais valor que muitos ladrões que estão aqui, e não foi ninguém deste alojamento que roubou a pimenta do refeitório. Foi um silencio profundo, que fez os agentes irem embora sem questionar mais nada. O detalhe mais interessante, foi que o Senhor Peruquinha nunca mais entrou no alojamento, graças à minha Amiga Margarete! Gregório Antonio Fernandes de Andrade (Greg Andrade) Advogado Sobrevivente do sistema carcerário brasileiro Ativista e militante em Direitos Humanos no Coletivo PESO – Periferia Soberana. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |