“Nosso egoísmo é, em grande parte, produto da sociedade”. Émile Durkheim Cá estamos com o segundo texto da série MINDHUNTER. O texto de estreia ganhou interessante repercussão e passamos a contar com a participação entusiasta de muitos leitores, estabelecendo diálogo crítico, colaborativo e enriquecedor. É por esta razão que estamos contando, nesse texto e nos próximos, com a participação de um terceiro autor convidado, objetivando dar maior amplitude à intersecção de saberes. Desta vez o objeto de análise recai sobre a perspectiva sociológica da criminologia. Assim, partiremos de Durkheim, para quem não existe sociedade sem crime, e chegaremos a Goffman. No artigo anterior (aqui) mencionamos a provocação feita por Debbie, namorada do agente Holden, através de alusão ao sociólogo Émile Durkheim. Na sequência da série, outro relevante sociólogo ganha referência: o canadense Erving Goffman. Inicialmente é preciso destacar que os referidos pensadores dispensam apresentações diante da relevância de suas obras. Durkheim é descrito, por muitos, como o ‘’pai’’ da Sociologia. Goffman, por sua vez, é considerado um dos principais nomes das ciências humanas e sociais. Portanto, tais autores não foram mencionados gratuitamente na série. Neste artigo, portanto, aproveitaremos a menção aos autores para mais uma breve reflexão sobre MINDHUNTER! O diálogo, em meio a uma festa, entre Debbie e Holden sobre Durkheim é instigante. Assim, parece ser este o melhor ponto de partida: HOLDEN: Você é estudante? Debbie provoca Holden, o instigando a pensar além de suas próprias perspectivas. Tanto é assim que as ideias de Durkheim constituem verdadeiro contraponto à proposição de Holden, pois, este último vê o crime como o maior de todos os problemas, enquanto o sociólogo compreende o crime como algo natural, capaz de mover as engrenagens sociais. Durkheim não se prende unicamente ao aspecto negativo do crime, mas sim reconhece o potencial positivo, enquanto motor de resistência e consequente dinamização social.
Registra-se que MINDHUNTER lida com o desenvolvimento analítico sócio-construtivista sobre assassinos em série (serial killers), rompendo com o dogma de que determinados indivíduos nascem naturalmente ruins, portadores inatos do caráter criminoso. Ao superar esse preceito e procurar entender a mente do criminoso, analisando o seu desenvolvimento em sociedade (como suas experiências obtidas na infância[1]), a simbologia presente na cena do crime (como a exteriorização de um desejo/vingança pessoal) e também a relação destes indivíduos com os demais, estabelece-se a percepção de um novo paradigma na análise do fenômeno crime. Sobre Goffman é relevante fazer algumas considerações, pois a teoria da ação social também é referida na série. Ed Kemper, por exemplo, era um sujeito extremamente sociável, que possuía boas relações com policiais e detentos. Ed conta que ao confessar o seu crime, os policiais não acreditaram inicialmente que aquilo era verdade. Há também o caso do suspeito que, ao ser interrogado, caiu aos prantos, feito criança, após a indagação sobre o assassinato de sua namorada, convencendo, por assim agir, inocência que ali não existia (conforme conclusão posterior). O agente Holden - encontrando paralelo em Goffman - destaca que o psicopata pode mascarar muito bem os sentimentos e criar uma mística em torno de sua imagem, a fim de adquirir o que almeja por meio da imagem que simula. É crível afirmar que os fatores psicossociais interferem e modificam o indivíduo, moldando-o à sua revelia e podendo torná-lo perverso. Aliás, no decorrer da série essa ideia se apresenta como explicitamente óbvia. Agora, será que há também a possibilidade dos psicopatas e das demais psicopatologias criarem ‘’especialistas’’ em ‘’atuações cotidianas’’, tal como diria o Goffman? O trabalho de Goffman passa pela teoria do ‘’Labeling Approach’’, incutida no contexto da série, até a “representação do Eu na vida cotidiana”. Na elaboração desta teoria, Goffman utiliza diversas menções ao teatro, elucidando a participação dos indivíduos como atores na vida social, na medida em que, ao se comunicarem com terceiros, os indivíduos buscam que os outros os interpretem da maneira que querem. Trata-se de uma decorrência dos ‘’tipos ideais de comportamento’’, os quais trabalham meticulosamente o indivíduo o moldando a determinado padrão de comportamento – interferindo na sua ‘’fachada pessoal’’ (gestos, aparências e afins). Percebe-se assim a realização dos atores da vida cotidiana, abrangendo todos os indivíduos, sendo ainda possível existir uma classe específica e aprimorada de atores sociais que agem como no bom e velho teatro, calculando todos os atos a fim de mascarar uma vida obscura e pervertida. MINDHUNTER não é apenas psicologia criminal é também sociologia. Basta estar atento às sutis inserções no roteiro! André Luís Pontarolli Coordenador Geral do Sala de Aula Criminal Mestrando em Direito (UNINTER) Professor de Direito Penal e Criminologia (OPET) Advogado Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Mestrando em Direito pela UNINTER Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR Luís Henrique Graduando em Direito [1] Os agentes do FBI, Holden Ford e Bill Tench, não demoraram muito para notar que, indivíduos que possuíam relações negligentes e instáveis no âmbito familiar, sobretudo a relação entre filho e mãe, possuíam chances de desenvolver problemas futuros. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |