Caso 1: Ed Kemper começou a matar aos 15 anos de idade, assassinando os avós com quem morava. Posteriormente, Ed fez diversas outras vítimas, sempre seguindo um ritual macabro: decapitava as moças que cruzavam o seu caminho e fazia sexo com os cadáveres. Para finalizar, Ed matou a própria mãe de forma extremamente violenta.
Caso 2: Jerry Brudos espancou e estrangulou 04 mulheres em menos de um ano. Brudos vestia-se de mulher antes de cometer os homicídios e tinha especial fetiche pelo uso de sapatos de salto alto. Não bastasse a violência dos crimes praticados, Brudos ainda guardava os seios de suas vítimas, usando-os como pesos de papel. Ed Kemper e Jerry Brudos – apenas dois entre muitos assassinos em série espalhados pelo mundo – são fontes de inesgotáveis questionamentos: (1) O que leva alguém a praticar atos de tamanha violência? (2) O que se passa na cabeça de um serial killer? (3) Existem padrões psicológicos de violência? (4) Compreender a mente de um assassino ajuda a evitar futuros crimes? Estas são apenas algumas das perguntas que guiam os agentes Holden Ford e Bill Tench, pelo universo de MINDHUNTER, na busca de compreensão da mente criminosa. MINDHUNTER é mais uma grande série da Netflix que promove entusiasmo em seus telespectadores. O seriado, que já arrebatou uma legião de fãs, conta a história de um agente do FBI que se dá conta de um campo de estudos da psicologia ainda pouco explorado para fins investigativos. Objetivando se aprofundar na temática, enquanto faz uso prático do que aprende, o agente Holden Ford dá passos importantes no campo da psicologia criminal. Holden alia seu tato na condução de entrevistas com assassinos ao apoio na investigação de crimes, desenvolvendo a importante capacidade de analisar perfis criminais. Holden chega a chocar com a sua técnica de entrevista, pois usa de instrumentos linguísticos pouco usuais para entrar na mente dos criminosos. Vale destacar que importantes estudiosos já se debruçavam sobre o estudo da psicologia criminal desde a primeira metade do século XX, a exemplo de Paul Reiwald (Die Gesellschaft und ihre Verbrecher – A Sociedade e seus Criminosos – 1948), Theodor Reik (The Unknown Murderer – O Criminoso Desconhecido – 1932) e Jiménez de Asúa (Psicoanálisis Criminal – Psicanálise Criminal – 1940). Contudo, poucos estudos pretéritos se dedicaram ao uso dos conhecimentos de psicologia criminal na práxis investigativa, preocupação central de Holden. Juntamente com seu parceiro Bill Tench – um agente da Unidade da Ciência do Comportamento do FBI – Holden passa a se dedicar cada vez com mais afinco àquele saber que aos poucos estava sendo desbravado. É em torno da atuação destes agentes (visitando várias cidades para dar palestras sobre teoria comportamental de criminosos, enquanto visitam presídios para entrevistar assassinos em série) que a série se situa. MINDHUNTER se baseia no livro homônimo – escrito por John Douglas (agente que inspirou Holden) e Mark Olshaker – que descreve, sob a perspectiva de Douglas, o uso da psicologia criminal enquanto instrumento útil à investigação policial. A riqueza das narrativas contidas na obra influenciou a criação de vários personagens literários e televisivos/cinematográficos. A série, portanto, é uma boa pedida! No entanto, não obstante a importância da série em chamar a atenção para o campo da psicologia criminal[1], há de se adotar postura de certa cautela para com relação ao conteúdo transmitido, principalmente por parte daqueles que levam os estudos criminológicos a sério. Por mais brilhante, didática e convincente que seja a exposição transmitida pela série, há alguns pontos que merecem maior reflexão, notadamente porque o crime, enquanto objeto de estudo e realidade complexa, não se prende a uma única força de impulso, ao contrário, decorre de um somatório de forças positivas e negativas (e porque não dizer multidirecionais). Isto sem falar nos perigos de se cair em construções teóricas deterministas e/ou de rotulação. Não é à toa que a namorada de Holden sempre o “provoca”, durante a série, com referências a Émile Durkheim. O sociólogo estrutural-funcionalista desenvolveu teorias sobre o crime enquanto realidade social (fenômeno normal). A inserção de Durkheim no enredo parece revelar de forma sutil o contraponto sociológico na compreensão do fenômeno criminoso. Ademais, o estudo dos – supostos – fatores (endógenos ou exógenos) de impulso ao crime constitui objeto de crítica de variadas correntes criminológicas, seja pela falseabilidade de suas conclusões teóricas (já que fatores facilmente aplicáveis a determinado caso concreto se tornam inviáveis em perspectiva abstrata), seja pelas proposições de análise discursiva sobre o crime, desenvolvidas pelas diversas correntes críticas da criminologia. Como ressaltam Salo de Carvalho e outros criminólogos: não existe uma criminologia, existem várias criminologias (saberes criminológicos). Ou seja, analisar o crime à luz da psicologia criminal permite apenas compreensão fragmentada, o que precisa ser ressalvado. Ainda nesse sentido da postura de cautela, André Peixoto alerta que “a psicologia criminal não pode servir de paradigma exclusivo para a compreensão do fenômeno do crime”, o que não significa que não pode ser usada - não apenas pode como também deve - levando-se em conta que, na ótica do estudo interdisciplinar, “torna-se imprescindível, no Brasil, o aprofundamento dos estudos em psicologia criminal”[2]. Como pontuam John Douglas e Mark Olshaker, no livro que deu origem à série, “comportamento reflete personalidade”[3]. E esse é justamente o mote que impulsiona os estudos da área e, consequentemente, a série. É através da análise e estudo do perfil de criminosos já condenados que os agentes vão buscar estabelecer parâmetros em comum para auxiliar na investigação de outros crimes, mesmo porque “às vezes, a única maneira de capturá-los [os responsáveis pelos crimes investigados] é aprendendo a pensar como eles”[4]. Nos próximos meses, pretendemos abordar o seriado e a questão maior que o envolve por uma perspectiva jurídica – dita aqui de uma forma mais ampla e abrangente, tal qual fizemos na série em que abordamos “Black Mirror”. Convidamos você, leitor, para que nos acompanhe nessa nova empreitada. Vamos juntos? André Pontarolli Coordenador Geral do Sala de Aula Criminal Mestrando em Direito (UNINTER) Professor de Direito Penal e Criminologia (OPET) Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Mestrando em Direito pela UNINTER Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR [1] Área de estudos essa que vem sendo trabalhada com perspicácia pela psicóloga Ludmila Ângela Müller em sua coluna aqui no ‘Sala de Aula Criminal’ [2] SOUZA, André Peixoto de de. Psicologia Criminal. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/psicologia-criminal/>. ISSN: 2446-8150. Acesso em: 05/11/2017 [3] DOUGLAS, John; OLSHAKER, Mark. Mindhunter. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017. p. 23 [4] DOUGLAS, John; OLSHAKER, Mark. Mindhunter. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017. p. 28 Comments are closed.
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