Resumo: O objetivo deste artigo é demonstrar quais são as principais dificuldades enfrentadas pelas presas estrangeiras no curso do processo e posteriormente dentro do cárcere. Com base nos dados levantados no relatório do Infopen, busca verificar qual é a quantidade de estrangeiras presas no Brasil e suas respectivas nacionalidades. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, com base na legislação e doutrina interdisciplinar a partir da intersecção entre o Direito e a Sociologia.
Palavras chave: mulheres estrangeiras; cárcere; poder; Estado. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como tema as mulheres estrangeiras encarceradas e os principais problemas enfrentados, como a distância geográfica entre elas e seus familiares, a maternidade, as barreiras culturais e do idioma e principalmente a falta de interesse por parte do Estado e dos Consulados dos seus países de origem para a efetiva prestação de assessoria jurídica para esses casos. No primeiro tópico, abordaremos a categoria do estrangeiro, entendido como o sujeito “de fora”, que por vezes é visto como inimigo ou como adversário. A exclusão desses sujeitos ocorre nas diversas esferas da vida, bem como no cárcere. O segundo ponto trata da mulher estrangeira e sua relação com o direito penal, que na maioria dos casos sofre uma dupla vulnerabilização dentro do cárcere, por ser mulher e por ser estrangeira. A presente pesquisa tem como objetivo, realizar a revisão bibliográfica analisando a respectiva doutrina e os documentos legislativos internacionais e nacionais acerca do tema, aprofundando o estudo sobre a importância de uma leitura crítica, levantamento e análise de dados. Busca demonstrar quais são as principais demandas e dificuldades dessas mulheres dentro do cárcere e quais são as principais violações de direitos que sofrem. A ESTRANGEIRA A figura do estrangeiro, por definição, mostra um estranhamento, uma distância entre culturas que é difícil superar. O termo é proveniente da palavra francófona estrange, derivada do latim extraneus, “estranho”, a origem do termo mostra o cerne do seu significado. “O estranho ou estrangeiro é marcado pela diferença, entretanto sem ele e, assim, sem sua localização invariavelmente periférica, marginal, a noção de identidade (e com ela a de centro ou casa ou lar) se esvai”.[2] As migrações significam movimentos de pessoas, e ocorrem por questões políticas e/ou econômicas. As razões econômicas são motivadas por um sistema de produção cada vez mais excludente e relacionam-se com a falta de condições dignas de sobrevivência. Os sujeitos mais vulneráveis que fogem da pobreza e miséria em busca de melhores condições que possam satisfazer suas necessidades básicas.[3] A consolidação da globalização, que acentua a diferença econômica entre os Estados, incentiva as pessoa a buscar melhores condições de vida em outros países. Além disso, as guerras e conflitos armados internos têm contribuído para o aumento dos deslocamentos. Em alguns casos, a travessia das fronteiras internacionais não é opcional, mas a única alternativa viável para essas pessoas.[4] O deslocamento significa o abandono, o distanciamento da terra (natal), certa desterritorialização. Independente do que motiva a migração, há sempre fatores graves o suficiente para tornar o deslocamento a melhor opção quando não a única opção possível.[5] Esse movimento (o ato de deixar a terra, a casa, o lar) implica na perda da origem e afeta o sentimento de pertencimento. Falar sobre o estrangeiro é ao mesmo tempo falar de sua identidade e do seu vínculo com a terra.[6] Cada país possui a sua própria construção cultural e valorativa que se resume a conceitos, hábitos e interesses capazes de permitir certa coesão social. As diferenças culturais (e, portanto, valorativas) quando em conflito, produzem inevitavelmente um estranhamento; o conflito se dá entre o ser e o meio no qual está inserido. O estranhamento é gerado pelo conflito de ordens valorativas divergentes, que ocorrem por conta de um choque de culturas.[7] Um dos problemas decorrentes dessa lógica é que o “não pertencente”, o estrangeiro, se vê compelido a adotar imposições valorativas sobre o seu ser e sobre os seus costumes. As características que possuem uma base fundante cultural acabam sendo sufocadas pela imposição social.[8] O ato de deixar uma região ou país (sua terra) os torna sujeitos “sem terra”. Ficam privados de sua terra, de suas raízes e de seus direitos humanos; os migrantes ficam destituídos da cidadania plena, da proteção do direito. Assim, tornam-se sem território, desenraizados e sem direitos.[9] Só não escapam do direito penal. O estrangeiro é ao mesmo tempo ser humano contemplado pelo direito e eliminado da esfera de aplicação desse mesmo direito pelo seu deslocamento.[10] “É a lei que dá forma ao conceito de cidadão, não importa o regime. A força da lei é tamanha que a mudança de constituição acarreta na mudança do conceito (e perda) da cidadania”.[11] Diante do fenômeno da migração, provocada pela globalização, há uma mudança no conceito de soberania, que passa a ser exercida principalmente através do controle de imigração nas fronteiras. A imigração tem sido cada vez mais identificada a riscos sociais, culturais e principalmente econômicos.[12] A legislação de imigração e a legislação criminal[13] são capazes de gerar distinções entre insiders e outsiders.[14] O outsider é aquele que se desvia das regras do grupo, regras que são criadas pela sociedade, assim como o desvio também o é. Logo, o comportamento desejável é aquele que as pessoas determinam como tal. Portanto, ambos são sistemas de inclusão e exclusão que distinguem categorias de pessoas, inocentes ou culpadas, nacionais ou estrangeiros. O poder punitivo, além de selecionar também pretende neutralizar o inimigo.[15] “Tais ações podem ser entendidas como o esforço metódico dos governos para extirpar aquilo que eles entendem como a presença intolerável e embaraçosa da miséria e da exclusão biopolítica que insistem perdurar dentro do seu “povo” e impedi-lo de tornar-se uno e indiviso”.[16] O agir estatal também obriga o estrangeiro a adaptar os seus costumes sob pena de figurar como excluído, como “não pertencente”.[17] “O confinamento é uma alternativa ao emprego, uma forma de neutralizar uma parcela considerável da população desnecessária à produção e para a qual não há trabalho”.[18] A seleção de indivíduos com certas características que os tornam “os outros” em relação a sociedade, ocorre para imputar culpa quanto a segurança social e a estes são dirigidas leis penais mais severas e efeitos mais severos dentro do cárcere. Os fundamentos variam desde a proteção do mercado de trabalho, da previdência, do sistema de saúde que será onerado, até mesmo as práticas culturais e os costumes.[19] Há inúmeros dissensos no corpo social, entretanto, há uma reconciliação paradoxal, de maneira que os indivíduos que desejam a mesma coisa nunca se entendem, já os que odeiam em conjunto o mesmo adversário entendem-se muito facilmente. Ou seja, quando os indivíduos são contaminados pelo contágio do adversário, quando esquecem o seu próprio adversário para adotar o adversário do seu vizinho, chegará um momento em que toda a comunidade estará do mesmo lado contra um único indivíduo, do qual, no fim de contas, não se sabe porque foi escolhido. A esse processo de seleção do adversário (ou inimigo) unitário, René Girard denomina como mecanismo do “bode expiatório”. [20] O “linchamento” de um indivíduo, pela sua unanimidade, reconcilia a comunidade, e a personagem que foi linchada passa por ser muito má, pois, causou a violência na comunidade. Toma-se a vítima por um verdadeiro culpado, como um bode expiatório.[21] O estrangeiro surge como ameaça a identidade, impondo-se pela oposição ao outro. É apresentado como um rival aos nativos do país e não como um elemento que pode fazer parte dessa sociedade. O indivíduo é punido por ser “o outro”; esse processo não identifica só o fato, mas identifica especialmente um tipo de “autor”, que envolve também todos os elementos que contribuem para a identificação como “o outro”.[22] Nestes termos, “os estranhos não são tomados como indivíduos, mas como estrangeiros de um certo tipo socialmente definido. A distância em relação a ele não é mais abstrata e geral, se baseia agora em elementos socialmente objetivados em relação aos quais se dão às possibilidades de proximidade”.[23] O levantamento do número dos presos estrangeiros e a informação sobre sua procedência se mostra relevante em razão das dificuldades específicas encontradas por essa parcela da população prisional, tais como a dificuldade de obtenção de livramento condicional e de progressão de regime, dada a maior dificuldade dessas pessoas em atender às condições exigidas pela Lei de Execução Penal (como a obtenção de ocupação lícita, dentro de prazo razoável); a dificuldade em receber visitação e manter contato com a família; a falta de assistência consular e acompanhamento jurídico; as dificuldades relacionadas com o idioma como o desconhecimento das regras disciplinares e do processo de execução penal.[24] De modo geral há baixa disponibilidade de vagas destinadas exclusivamente aos grupos específicos; apenas 9% das unidades dispõem de celas especificas para estrangeiros.[25] A falta de escolaridade e profissionalização e o uso/abuso de drogas lícitas e ilícitas, e o tráfico, pequeno ou grande, é muito rentável, rápido e não requer habilidade.[26] Para Mário Luiz Ramidoff é preciso pensar um mundo diferenciado a partir da feminilidade e encontrar fórmulas para a superação do controle sócio-patriarcal através do respeito e do reconhecimento de outros valores que passam a também reger as novas relações jurídicas, políticas e sociais.[27] A MULHER, A ESTRANGEIRA E O DIREITO PENAL A relação entre a mulher e o direito penal é paradoxal, marcada por severidade e benevolência. Isso se evidencia tanto pela sub-representação feminina nas estatísticas de encarceramento e também através do papel primordial da mulher enquanto vítima de crimes e somente residual como criminosa. O sistema penal reproduz, basicamente, dois tipos de violência estrutural da sociedade, a desigualdade de classes, advinda das relações capitalistas, e a discriminação de gênero, proveniente das relações patriarcais. O papel que cabe ao direito criminal, no que diz respeito ao tratamento das mulheres, é o de manter o status quo, refletindo a cultura de violência, discriminação e humilhação existente nas relações familiares, profissionais e sociais em geral.[28] Uma das facetas da seletividade de gênero no sistema de justiça criminal é o fato de que este é voltado para o controle formal de homens, em conformidade com a lógica vigente da divisão entre o espaço público (masculino) e privado (feminino).[29] As mulheres encarceradas[30] são invisíveis para o Estado, que não sabe lidar com elas e “não percebe que não são indivíduos isolados, mas parte de toda uma rede de pessoas”. A mulher é, muitas vezes, responsável por um sistema familiar que sofrerá com os efeitos colaterais de sua prisão, pois, elas são na maioria dos casos responsáveis pelo cuidado dos filhos e pela manutenção da casa muito mais do que os homens. O problema é que elas perdem a casa com mais frequência do que os homens encarcerados, porque não há ninguém para tomar conta da casa durante o período da prisão. “Por causa disso, o impacto da prisão é desproporcionalmente mais grave para as prisioneiras, frequentemente resultando na perda do lar e em danos graves na vida de seus filhos”.[31] A maioria dos casos que envolvem mulheres estrangeiras presas é consequência do aliciamento por parte do tráfico internacional de drogas. Essas mulheres são recrutadas para atuar como “mulas” do crime organizado, no transporte de substâncias psicotrópicas ilegais, e muitas vezes, elas nem sequer têm conhecimento da presença de drogas entre seus pertences.[32] Grandes redes de tráfico internacional costumam aliciar mulheres em situação de vulnerabilidade para fazer o serviço mais arriscado em seu lugar, e quando pegas, não dizem nada, por medo. Essas mulheres, pobres, pouco instruídas, doentes ou mães solteiras, também aceitam correr perigo por quantias mínimas. Há casos em que as mulas são usadas como iscas fáceis para atrair a atenção da polícia enquanto o verdadeiro carregamento de drogas chega ao destino. Por vezes os próprios aliciadores denunciam as mulheres, se aproveitado da mobilização em torno de sua captura. É a chamada “cortina de fumaça”.[33] Algumas mulheres não chegam a “entrar do mundo do crime”, pois não se tornam parte de organizações, são apenas aliciadas para carregar determinada quantidade de drogas para o exterior em troca de certa quantia em dinheiro, “o aliciamento e a aceitação da realização desse serviço ocorrem, sobretudo, devido a dificuldades financeiras e situações de necessidade vividas por essas mulheres que, geralmente, provêm de famílias numerosas e pobres das quais são as principais provedoras”.[34] No caso das “mulas” do tráfico o gênero é utilizado para burlar a fiscalização nas fronteiras, escondendo a droga no interior do corpo e em roupas, inclusive em gestantes e nos filhos das mulheres aliciadas. A prestação pecuniária (quando não há coação física ou moral) ocorre pelo serviço de transporte e enfrentamento de fronteiras vigiadas e patrulhadas. Essas mulheres, que pouco lucram com essa atividade, tornam-se especialmente vulneráveis devido aos riscos consideráveis de prisão, consequente perda de contato com os filhos e até os danos físicos, estresse e ansiedade causados pela atividade.[35] Os crimes transnacionais são majoritariamente cometidos pelos homens, mas a presença feminina está crescendo, devido a necessidade econômica e de mão de obra, mudanças culturais no crime organizado que reconhecem a “emancipação feminina” bem como o crescimento da mobilidade humana. Contudo, o papel da mulher no tráfico de drogas está adstrito aos trabalhos de maior risco e menor remuneração e poder.[36] Há casos de mulheres usadas como mulas que são as portadoras do HIV, oriundas de países onde não há tratamento para a doença. Já que o Brasil tem um programa para a Aids gratuito e de qualidade, os traficantes facilitam a entrada dessas mulheres no país e as convencem com o argumento de que “mesmo que você seja presa, na cadeia terá tratamento retroviral e você não morrerá”.[37] O Brasil mantém presas aproximadamente 596 estrangeiras[38] e praticamente todas foram flagradas transportando drogas no País. Ficam misturadas às presas brasileiras, reunidas em uma penitenciária, o que faz toda diferença para o aprendizado do nosso idioma e costumes. Em sua maioria, são pessoas simples, de pouca escolaridade, com filhos, sem profissão definida, em busca de receber um dinheiro "fácil" para pagar uma emergência ou cuidar melhor da família.[39] Segundo o relatório do Infopen, em 2014 tínhamos em junho de 2014 2.778 estrangeiros no sistema prisional brasileiro, sendo 21% mulheres. A maior parte dos estrangeiros presentes no sistema prisional brasileiro é de origem americana, sendo que 53% das mulheres estrangeiras no sistema prisional vieram da América, 27% da África e 13% da Europa.[40] Dados de proveniência das presas estrangeiras no Brasil em 2014 GRAFICO AO FIM DO ARTIGO!!! FIG. 1 Os quatro principais países de proveniência das mulheres estrangeiras encarceradas em junho de 2014 no Brasil são: Bolívia (99 mulheres), Paraguai (83), África do Sul (47), Peru (35) e Angola (29).[41] Os outros delitos cometidos com mais frequência pelas estrangeiras são aqueles contra o patrimônio, na maioria das vezes derivados da precariedade da situação em que vivem, pois, os delitos e o encarceramento feminino têm uma relação próxima com a pobreza feminina. Vale ressaltar que muitas mulheres, antes de serem presas, são chefes de família e responsáveis pelo sustento de seus filhos.[42] A condenação tende a esgarçar completamente o vínculo familiar[43], seja pelo afastamento físico e dificuldade em manter a comunicação, seja porque houve uma perda de confiança por parte da família, em razão do preconceito e rejeição por estarem presas. No caso das presas estrangeiras, há casos em que a família sequer sabe que ela está presa, e como se tratam de famílias pobres, a manutenção do contato se tornou impossível em razão das dificuldades materiais e da distância física.[44] Uma das maiores demandas das mulheres estrangeiras encarceradas é a facilitação do contato com seus familiares no país de origem e assistência em situações específicas que exigem mais atenção[45], por exemplo:
A maternidade é uma experiência intensa para as presas estrangeiras, o distanciamento ou a proximidade física dos filhos é motivo de constante preocupação e mobilização por parte dessas mulheres.[47] As presas estrangeiras mobilizam uma rede, prioritariamente feminina, para poder exercer um “cuidado presencial materno”, através das avós e tias que estão com as crianças em seus países de origem, participando efetivamente da vida dos filhos que moram a milhares de quilômetros de distância. Mesmo no cárcere, elas exercem o cuidado presencial materno. “Essas mulheres investem tempo, dinheiro e esforços para exercer sua autoridade, incluindo o sustento dos filhos. Cerca de 80% delas trabalham na prisão e recebem uma remuneração, que é sempre inferior a um salário mínimo”.[48] Há presas estrangeiras que prestam serviços de faxina a demais presas. O salário do trabalho formal é enviado, via consulado, para a avó ou tia que toma conta da criança, enquanto as diárias dos finais de semana, pagas em cigarros ou outros produtos, servem para arcar com seus gastos dentro da penitenciária.[49] Não se pode considerar isoladamente a mulher infratora no momento da sentença ou no momento de manter a prisão preventiva, pois ela é parte de um sistema familiar e as consequências desta decisão judicial recaem duramente sobre seus filhos e suas famílias. Os efeitos colaterais são tão significativos que têm de ser considerados na sentença e na individualização da pena que está garantida por lei.[50] Outra barreira no processo criminal e na rotina carcerária é o idioma. O idioma não pode ser desconsiderado quanto a ser aspecto determinante do ser humano como “outro” no sentido de inabilitado a comungar das prerrogativas nacionais diversas de um Estado que não o seu país de origem. Inclusive, em alguns países, até 2008, integrava nos protocolo policial de identificação de imigrantes, procedimentos como, além da textura e cor dos “cabelos” e modos de vestir, a forma de pronunciar certas palavras.[51] Obstáculos e barreiras são enfrentados pelas presas estrangeiras, seja pela dificuldade imposta pelo idioma, diferenças culturais de comportamentos, alimentação e religião.[52] Existem ainda demandas culturais particulares, como as apresentadas pelas mulçumanas, que durante o Ramadan fazem jejum e precisam receber alimentos muitos específicos.[53] As africanas sofrem, pois seus costumes e tradições não são conhecidos, ou respeitados no cárcere gerando "faltas" pela desobediência das normas da penitenciária.[54] Outra demanda necessária, é o contato com órgãos responsáveis pelo acompanhamento dos seus casos, sejam os consulados, defensorias Públicas, representações diplomáticas, redes de assistência social etc.[55] Nem sempre as presas estrangeiras têm atendimento jurídico satisfatório, pois, a maior parte das estrangeiras em conflito com a justiça é assistida em seus casos pelas Defensorias Públicas da União e do Estado, que nem sempre conseguem prestar atendimento jurídico de forma efetiva.[56] A advogada criminalista Sônia Drigo, em entrevista para o Conselho Nacional de Justiça relata que: o tratamento dado pelo sistema era o do isolamento: não havia intérpretes, as cartas não eram entregues, aprendiam a língua portuguesa e recebiam roupa íntima e material de higiene por solidariedade das presas brasileiras. A maioria dizia que havia concordado em trazer droga em troca de US$ 5 mil. Parecia preço padrão. Umas, para pagar tratamento médico de familiares, outras, na esperança de melhorar de vida, achando que fariam por uma única vez.[57] Portanto, há necessidade de encaminhar os assuntos mais urgentes, como o contato com familiares, recebimento das cartas, independentemente de tradutor, distribuição de material de higiene[58] e roupa íntima, contatos com os consulados, reuniões com a Justiça Federal para agilização dos processos e garantia dos tradutores durante todo o processo e não só no interrogatório, nos aeroportos, no momento do flagrante.[59] O isolamento social também é muito maior que o dos homens, pois, frequentemente as mulheres são abandonadas pela família e pelo cônjuge ou companheiro durante o cumprimento da pena. Até mesmo depois que saem da prisão, as estrangeiras enfrentam uma série de adversidades. A primeira delas é encontrar espaços de acolhimento que as aceitem pelo fato de serem estrangeiras e egressas do sistema prisional. Além disso, a ausência de documentos de identificação deixa as estrangeiras numa situação irregular e ainda mais vulnerável na busca de acesso às políticas públicas e reinserção social.[60] “A mulher infratora é diferente nas motivações para o crime, nos tipos de crime cometidos, nas necessidades quando sob custódia do Estado e também na hora de sair do presídio e retornar ao convívio de sua família”.[61] CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda que os efeitos do cárcere se abatam sobre todas as mulheres, as estrangeiras sofrem de forma particular por conta do idioma e dos costumes culturais, além da distância física entre elas e a família e a falta de auxílio formal e material por parte dos consulados. Percebe-se, portanto, uma invisibilidade dentro da invisibilidade, pois, ainda que o tema “gênero e cárcere” seja estudado e tenha ganhado relevo nos últimos anos, a questão das mulheres estrangeiras aparece em segundo plano mesmo nesse tipo de pesquisa. O que demonstra que o olhar das pesquisadoras e pesquisadores de gênero e dos criminólogos e criminólogas, não chegou até elas. Pouco se estuda sobre essas mulheres, até mesmo nos relatórios oficiais. Há pouca bibliografia sobre o tema e mesmo as organizações de auxílio aos estrangeiros (que vem crescendo e se articulando devido a crescente onda migratória no Brasil, que recebe principalmente sírios e haitianos por questões ambientais e humanitárias) não têm dado a devida atenção à essa parcela da população estrangeira. Dessa forma, as mulheres estrangeiras em situação de conflito com a lei são duplamente marginalizadas, por conta do seu gênero dentro do sistema de justiça criminal e por conta da sua nacionalidade. Sendo deixadas, portanto, à margem, e cada vez mais invisíveis. A mulher vivenciou o silenciamento da sua voz e o confinamento à esfera doméstica, independentemente do contexto em que estivesse inserida. Esteve excluída da instrução formal, da propriedade privada, da política, da educação, do direito, e de tudo o que não dissesse respeito à reprodução natural.[62] A ciência jurídica, fruto da mentalidade Moderna, constrói um sujeito de direito racional, abstrato, objetivo e universal, portanto, masculino. Este modelo é tomado como padrão e acaba por constituir o arquétipo ideal do sujeito político. Portanto, tem-se como pressuposto elementar o fato de que o Direito não é neutro, pois, é fruto de um processo histórico e político. Em resumo, o Direito é androcêntrico e não atende efetivamente as demandas das mulheres. Larissa Tomazoni Mestranda em Direito pelo Uninter Pós graduanda em Gênero e Sexualidade Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil pesquisadora do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL/UFPR) e do Grupo de estudos Jurisdição Constitucional Comparada: método, modelos e diálogos (Uninter) Advogada [2] CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloisa Fernandes. Direitos humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade. Disponível em: < http://direitoestadosociedade.jur.puc-rio.br/media/7chueiri_camara36.pdf> Acesso em: 10 jun. 2017.p. 170. [3] Ibidem, p.159-160. [4] MORAES, Ana Luisa Zago de. Crimigração: a relação entre política migratória e política criminal no Brasil. 374 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, PUCRS, 2016. p. 190-192. [5] CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloisa Fernandes. Op. cit.p.159. [6] Ibidem, p. 169. [7] DISSENHA, Rui Carlo; TAPOROSKY FILHO, Paulo Silas. Status quo do estrangeirismo a partir de “o estrangeiro”. Disponível em:< http://www.editorarealize.com.br/revistas/jornadadl/resumo.php?idtrabalho=20> Acesso em: 09 ju.2017. Boaventura de Sousa Santos afirma que “todas as culturas tendem a considerar seus valores máximos como os mais abrangentes”. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Disponível em: < http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Concepcao_multicultural_direitos_humanos> Acesso em: 03 abr. 2017. [8] Idem. [9] “Fala-se em uma doença que acomete migrantes – tanto regulares quanto irregulares – que é designada como Síndrome de Ulisses. O nome foi dado em referência ao personagem de Homero que no livro Odisséia, depois da guerra, atravessa o mundo por anos na esperança de voltar ao lar. Atravessa as maiores provações para finalmente conseguir voltar e encontrar os seus. Embora na Odisséia todas as aflições sirvam para confirmar o caráter heróico de Ulisses – e também de Penélope, sua esposa, que inventa estratagemas para enganar seus pretendentes e assim poder esperá-lo; na modernidade talvez não haja espaço para o mito do herói, mas somente para pessoas comuns que ao se verem privadas de suas referências – sua terra, língua e rotina conhecidas – adoecem e sofrem no desencanto de perceber que o retorno já não é mais possível, tanto quanto não é o seu pertencimento àquela comunidade à qual se deslocou, pois, em resumo, somos sempre estrangeiros.” In: CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloisa Fernandes. Op.cit.p.161. [10] MACEDO, Rodrygo Rocha. O lugar do estrangeiro no Estado: entre Aristóteles e Agamben. Disponível em: < http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/kinesis/article/view/5442> Acesso em: 01 jun. 2017.p.50. [11] Ibidem, p.51. [12] CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloisa Fernandes. Op. cit.p. 164-165. [13] “As intersecções entre as políticas migratória e criminal também são denominadas crimmigration, expressão cunhada por Juliet Stumf, em português “crimigração”. Para a autora, as leis de imigração e a legislação criminal têm várias características em comum, capazes de gerar a indistinção prática entre ambas as áreas do direito: tanto a legislação criminal quanto a legislação migratória promovem a distinção entre insiders e outsiders e, portanto, ambas são sistemas de inclusão e de exclusão, que distinguem categorias de pessoas (inocentes versus culpados, admitidos ou excluídos, legais ou ilegais).” In: MORAES, Ana Luisa Zago de. Op. cit. p. 218. [14] “Segundo Howard Becker, autor importante sobre a sociologia do desvio das décadas de 60 e 70 do século XX, o outsider é aquele que se desvia das regras do grupo, sendo que, assim como essas regras são criadas pela sociedade, o próprio desvio também o é. Logo, o desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso, e o comportamento desviante é aquele que as pessoas determinam como tal. As pessoas rotuladas como desviantes têm em comum, além desse estigma, as experiências de serem rotuladas dessa forma. Esse “rótulo” possui graus, a depender de quem comete o desvio e de quem se sente prejudicado por ele: a própria lei é aplicada diferentemente para cada pessoa, a depender de raça, gênero e condição econômica, tanto do infrator quanto do ofendido (BECKER, Howard. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 17-25)”. Idem. [15] Ibidem, p. 218-222. [16] MACEDO, Rodrygo Rocha. Op. cit. p.55. “Os estrangeiros e os imigrantes são agora os outros. E os outros não são como nós. Pelo menos em termos de cidadania, são menos do que nós. É por isso que os seus salários são inferiores aos nossos, que fazem os trabalhos que nós não queremos fazer. É por isso que aceitamos esta situação todos os dias”. In: POMBO, Olga. Imigrantes, Estrangeiros e Cidadãos: A partir de H. Arendt e B. Russell. Disponível em: < http://webpages.fc.ul.pt/~ommartins/publicacoes%20opombo/imigrantes.pdf > Acesso em: 15 jun. 2017. [17] DISSENHA, Rui Carlo; TAPOROSKY FILHO, Paulo Silas. Op. cit. [18] MORAES, Ana Luisa Zago de. Op.cit. p. 221. [19] Ibidem, p. 220. [20] GIRARD, René. O Bode Expiatório e Deus. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/girard_rene_o_bode_expiatorio_e_deus.pdf> Acesso em: 01 jun. 2017.p.6-7. [21] Ibidem, p.7-8. [22] MORAES, Ana Luisa Zago de. Op. cit. p. 222. [23] SIMMEL, Georg. O Estrangeiro. Disponível em: < http://www.cchla.ufpb.br/grem/SIMMEL.O%20estrangeiro.Trad.Koury.rbsedez05.pdf> Acesso em: 01 jun. 2017.p.270. [24] Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias: infopen junho de 2014. Disponível em: < http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf> Acesso em: 16 abr. 2017.p.60. “A maioria das unidades (60%) informou não dispor de registros sobre a nacionalidade das pessoas privadas de liberdade. Cerca de 30% afirmaram ter essa informação para parte das pessoas, e apenas 9% para todas as pessoas custodiadas na unidade. Em Sergipe, no Ceará e em Pernambuco, mais de 80% das unidades não têm condição de obter essa informação. A ausência do preenchimento dos formulários por parte das unidades de São Paulo, estado com mais da metade dos presos estrangeiros do país, prejudica, em muito, a análise deste item. Contudo, a fim de não comprometer os resultados, foi pedido, por meio da Lei de Acesso à Informação, que a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do governo de São Paulo informasse quantos estrangeiros estavam presos nas unidades do estado por nacionalidade. Somados os dados de São Paulo, há no Brasil um total de 2.784 pessoas privadas de liberdade provenientes de outros países. Desde 2009, ano em que o Infopen passou a contabilizar o número de estrangeiros presos, o número de estrangeiros privados de liberdade no país é superior a três mil, sendo esta a primeira vez em que o número é menor que esta marca”. [25] Ibidem, p.35. [26] ESTRANGEIRAS flagradas com drogas no Brasil não deveriam estar na prisão, diz especialista. Disponível em:< http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/60487-estrangeiras-flagradas-com-drogas-no-brasil-nao-deveriam-estar-na-prisao-diz-especialista> Acesso em: 09 abr. 2017. [27] RAMIDOFF, M. L. Mulheres Reclusas. In: Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, v.1 n.18, p.113-125, jan/jun.,2005. [28] PEREIRA, Luísa Winter; SILVA, Tayla de Souza. Por uma criminologia feminista: do silêncio ao empoderamento da mulher no pensamento jurídico criminal. In: SÁ, Priscilla Placha. (org.). Dossiê: as mulheres e o sistema penal. Curitiba: OABPR, 2015. p.27. [29] Ibidem, p.28. O direito penal intervém para garantir a disciplina laborativa (controlar a força de trabalho na esfera pública) ao passo que a esfera doméstica da reprodução é submetida a um controle informal, realizado no âmbito da família, através do domínio patriarcal. Assim, o poder punitivo tem como principais destinatários os sujeitos que desempenham papeis tradicionalmente masculinos e residualmente, incide sobre os comportamentos tipicamente femininos. [30] Essas mulheres “são mães, filhas, companheiras, esposas e cuidadoras. Elas são portadoras de necessidades especiais e trabalhadoras. Elas estão doentes, grávidas, em processo de amamentação e, às vezes, vivendo com doença mental”. In: CERNEKA, Heidi Ann. Mulheres Invisíveis? Condição da Mulher no Sistema de Justiça Criminal brasileiro. In: SOUZA, Luís Antônio Francisco de; MAGALHÃES, Bóris Ribeiro de; SABATINE, Thiago Teixeira. (org.). Desafios à segurança pública: controle social, democracia e gênero. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.p.164. [31] Ibidem, p.164-167. [32] PRESAS estrangeiras: contexto de violações ainda mais grave nas prisões brasileiras. Disponível em:< http://ittc.org.br/presas-estrangeiras-contexto-de-violacoes-ainda-mais-grave-nas-prisoes-brasileiras/> Acesso em: 16 abr. 2016. As “mulas” do tráfico representam a maioria dos estrangeiros encarcerados no Brasil. No ano de 2014, 81% dos estrangeiros encarcerados no Estado de São Paulo tinha como motivo da prisão o tráfico de drogas, enquanto 13% tinham como motivo crimes contra o patrimônio e 1,4% crimes contra a vida. In: MORAES, Ana Luisa Zago de. Op. cit. p. 239. [33] QUEIROZ, Nana. Presos que menstruam. 1. ed. Rio de Janeiro : Record, 2015.p.89. [34] Por vezes, o problema com o tráfico é ainda maior, pois: “em alguns casos, as pessoas aliciadas como “mulas” do tráfico de drogas são vítimas do tráfico de pessoas, por ocorrer o aproveitamento de sua situação de vulnerabilidade por parte de aliciadores, que recorrem a ameaças, fraude e outros mecanismos para a aceitação da realização do carregamento das drogas por parte dessas “mulas”. Entendemos que é a vulnerabilidade das mulheres que leva a maioria a entrarem nesse empreendimento. Entendemos que muitas são vítimas do tráfico humano”. In: PRESAS estrangeiras. Op. cit. [35] MORAES, Ana Luisa Zago de. Op. cit. p. 268. [36] Ibidem, p. 267-269. “A maioria das mulheres é presa por envolvimento com drogas. Geralmente, são flagradas com uma quantidade mínima, pois muitas são usuárias ou dependentes. Pobreza e dependência química são os fatores que mais desencadeiam a entrada de mulheres na criminalidade. Devido a isso, há uma necessidade urgente de programas para tratamento de dependência química, assim como há necessidade de se pensar caminhos para o emprego após a soltura, juntamente com programas que ajudem estas mulheres a lidarem com o trauma psicológico de abusos pré e pós encarceramento”. In: CERNEKA, Heidi Ann Cerneka. Homens que menstruam: considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher. Disponível em: < http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/6/5> Acesso em: 14 abr. 2017.p.68. [37] QUEIROZ, Nana. Presos que menstruam. 1. ed. Rio de Janeiro : Record, 2015.p.89. [38] Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias: infopen mulheres- junho de 2014. Disponível em: < http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/03/14/apresentacao-detalhada-do-infopen-mulheres> Acesso em: 16 abr. 2017.p.28 [39] Estrangeiras flagradas com drogas no Brasil não deveriam estar na prisão, diz especialista. Op. cit. [40] Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias: infopen mulheres- junho de 2014. Op. cit. p.28 [41] Idem. [42] CERNEKA, Heidi Ann Cerneka. Homens que menstruam..., p.69. [43] Sobre cárcere e maternidade ver: BUMACHAR, Bruna Louzada. Entre migrações, maternidades transnacionais e mídias. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092013000200017 >Acesso em: 17 jun. 2017. BUMACHAR, Bruna Louzada. Migração e novas mídias: um diálogo sobre a experiência familiar transnacional de estrangeiras presas em São Paulo e de trabalhadoras filipinas residentes em Londres. Disponível em: < https://periodicos.ufrn.br/cronos/article/view/2219 >Acesso em: 17 jun. 2017. BRAGA, Ana Gabriela Mendes. Entre a soberania da lei e o chão da prisão: a maternidade encarcerada. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322015000200523&script=sci_abstract&tlng=pt >Acesso em: 17 jun. 2017. [44] ARGÜELLO, Katie; MURARO, Mariel. Mulheres encarceradas por tráfico de drogas no Brasil: as diversas faces da violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.seminarioprisoes.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic2?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozMzoiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjI6Ijc2Ijt9IjtzOjE6ImgiO3M6MzI6ImFhMjNkMTEwMWZhNjAzZmU1NWFmYWNjNjY2Y2VkMmYzIjt9 > Acesso em: 16 abr. 2017.p.23. [45] Presas estrangeiras. Op. cit. [46] Idem. [47] ALVES FILHO, Manuel. Memórias femininas do cárcere. Disponível em: < https://www.unicamp.br/unicamp/ju/676/memorias-femininas-do-carcere> Acesso em: 15 jun. 2017. “Há duas semanas estive com esta sul-africana que, tensa à espera de seu julgamento e do nascimento de seu filho no mês que vem, pediu-me ajuda na solução do traslado da criança para seu país de origem. Teme que, com a nova lei de adoção, a criança seja doada logo após os seis meses de amamentação, como algumas parceiras lhe advertiram. Desmenti esta advertência e expliquei que, de acordo com a nova lei de adoção, seu filho não poderá permanecer em abrigo por mais de dois anos e, por isso, deverá ser trasladado para seu país e ficar sob a guarda provisória de um de seus parentes. Ela retrucou alegando que isto será muito difícil, pois sua mãe não tem condições de resolver este problema; além de não dispor de recursos para vir buscar o bebê em São Paulo, o contato entre elas é limitado pelo fato de a mãe ser analfabeta e morar numa vila no interior do país. (...) Como Kamila está muito preocupada com a situação do filho que vai nascer , bem como a de sua mãe e de seu filho de oito anos que está sob os cuidados desta, contou-me que nos últimos cinco meses trabalhou os sete dias da semana: nos cinco dias úteis dedicou-se ao fabrico de kits para aplicação de soro médico intravenoso em uma empresa que contrata as presas e tem uma sede dentro da PFC e, nos finais de semana, prestou serviços de faxina a demais presas. O salário do trabalho formal está sendo enviado, via consulado, para a mãe, enquanto as diárias dos finais de semana, pagas em cigarros ou outros produtos, serviram para arcar com seus gastos dentro da penitenciária”. In: BUMACHAR, Bruna. Por meus filhos: a maternidade entre presas estrangeiras. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277937323_ARQUIVO_Pormeusfilhos_fazendogenero2.pdf> Acesso em: 15 abr. 2017.p.2-3. [48] “Ainda que recorram a esses e outros mecanismos para vivenciarem ao máximo a maternidade, as presas estrangeiras presas na PFC são submetidas a uma política muito perversa em relação a esse direito. Durante a amamentação, por exemplo, elas são transferidas para o hospital penitenciário. Param de trabalhar e ficam o tempo todo coladas aos bebês. Muitas vezes, dormem na mesma cama com os filhos. Vivem o que Bruna classificou de hipermaternidade. “Ocorre que, de um dia para o outro, chega o oficial de justiça e retira essa criança e a encaminha para um abrigo. Não existe um programa para que essa separação seja feita de maneira gradativa, e elas acabam vivenciando a hipomaternidade. Dá-se uma ruptura brusca, que para essas mulheres equivale à amputação de um de seus membros. É uma política perversa, a partir da qual elas criam muitas estratégias para gerir a maternidade e o aprisionamento”. In: ALVES FILHO, Manuel. Memórias femininas do cárcere. Disponível em: < https://www.unicamp.br/unicamp/ju/676/memorias-femininas-do-carcere> Acesso em: 15 jun. 2017. [49] BUMACHAR, Bruna. Op. cit. p.3. [50] CERNEKA, Heidi Ann Cerneka. Homens que menstruam..., p.70. [51] MACEDO, Rodrygo Rocha. Op. cit.p.56. [52] Ministério da Justiça. Levantamento nacional de informações penitenciárias: infopen mulheres- junho de 2014. Disponível em: < http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/03/14/apresentacao-detalhada-do-infopen-mulheres> Acesso em: 16 abr. 2017.p.8. [53] ALVES FILHO, Manuel. Op. cit. “Para evitar a tragédia de uma nova forma de racismo e intolerância, vale lembrar que estar do lado das mulheres islâmicas, contra sua opressão específica, implica situá-las no amplo contexto social e político que as oprime e, desta maneira, buscar entender os costumes islâmicos, tal como vividos e explicados por elas mesmas como sujeitos de sua própria libertação”. In: SARTI, Cynthia. Feminismo e contexto: lições do caso brasileiro. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/cpa/n16/n16a03.pdf >Acesso em: 15 abr. 2017. [54] ESTRANGEIRAS flagradas com drogas no Brasil não deveriam estar na prisão, diz especialista. Op. cit. [55] Direito à assistência consular: a assistência consular é o direito assegurado a pessoa estrangeira de receber auxílio moral e material de seu respectivo Consulado sempre que se encontre privada de sua liberdade de locomoção. Essa assistência consagra o direito de correspondência e de receber visita pelo Consulado na prisão, seja ela preventiva ou para cumprimento de pena. Além disso, a/o estrangeira/o tem o direito de solicitar às autoridades brasileiras que, por ocasião de sua prisão, ou durante o processo, seja comunicada a repartição consular mais próxima. As informações sobre os endereços dos Consulados estrangeiros no Brasil podem, em geral, ser obtidos com a Defensoria Pública ou com a administração do estabelecimento prisional. Em muitos casos, os países estrangeiros não têm Consulados em outras cidades. Neste caso, a pessoa presa tem direito à comunicação com a Embaixada, que fica em Brasília-DF. In: Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Direito e Deveres Das/os Presas/os Estrangeiras/os. Disponível em: Acesso em: 14 abr. 2017. p.5-6. [56] Presas estrangeiras. Op. cit Para as mulheres estrangeiras as ocorrências são ainda mais complexas, visto que, além do conflito com a justiça, há casos em que sofrem negação de direitos e discriminação nos processos criminais. Os benefícios de execução de pena por vezes são negados simplesmente por elas não serem cidadãs brasileiras,[56] ainda que o artigo 5° da Constituição Federal garanta que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. In: PRESAS estrangeiras: contexto de violações ainda mais grave nas prisões brasileiras. Disponível em:< http://ittc.org.br/presas-estrangeiras-contexto-de-violacoes-ainda-mais-grave-nas-prisoes-brasileiras/> Acesso em: 16 abr. 2017. [57] Estrangeiras flagradas com drogas no Brasil não deveriam estar na prisão, diz especialista. Op. cit. Sobre as correspondências das presas estrangeiras, Sônia Drigo relata que uma espanhola tinha seis meses de cartas fechadas na administração sem saber, isso só foi revelado após a sua morte na penitenciária. [58] Nas penitenciárias, a situação é um pouco melhor, mas, ainda assim, está longe da ideal. Em geral, cada mulher recebe por mês dois papéis higiênicos (o que pode ser suficiente para um homem, mas jamais para uma mulher, que o usa para duas necessidades distintas) e dois pacotes com oito absorventes cada. Ou seja, uma mulher com um período menstrual de quatro dias tem que se virar com dois absorventes ao dia; uma mulher com um período de cinco, com menos que isso. — Todo mês eles dão um kit. No Butantã, dão dois papel higiênico, um sabonete, uma pasta de dente da pior qualidade e um (pacote de) absorvente. Falta, né? E ninguém dá nada de graça pra ninguém — conta Gardênia. Itens de higiene se tornam mercadoria de troca para quem não tem visita. Algumas fazem faxina, lavam roupa ou oferecem serviços de manicure para barganhar xampu, absorvente, sabão e peças de roupa. No regime semiaberto, só recebem o kit aquelas que não têm visita. Para evitar que as trocas gerem uma espécie de elite de cadeia, as penitenciárias limitam o número de produtos que as detentas podem trazer das “saidinhas”. No Butantã, a lista era a seguinte: oito rolos de papel higiênico, três sabonetes, duas pastas de dente, quatro pacotes de absorventes, dois xampus, dois condicionadores, dois cremes hidratantes para o corpo, dois desodorantes roll on, uma escova dental, 1 litro de cândida, 1 litro de desinfetante, 1 quilo de sabão em pó, dez cartões telefônicos com 50 unidades cada, dois pacotes de cigarro (moeda valiosíssima nas cadeias), um isqueiro, dois conjuntos de calcinha, um calção verde sem estampa, duas camisetas de manga curta, quatro aparelhos depiladores, duas embalagens de fio dental, vinte envelopes para carta, vinte selos e um bloco de escrita de 50 folhas. Com isso tinham que viver e trocar — e o que viesse fora do especificado era doado a uma instituição de caridade ou jogado fora. E o fato de alguém trabalhar no presídio não significa que não precise. De repente, está juntando aquele dinheiro para fazer não sei o quê pro filho. Principalmente estrangeira, como elas sofrem. Já morei com estrangeira que lavava uma roupa e rezava pra ela secar antes da outra sujar. Contar com o poder público para alimentar-se é um pesadelo. Comida estragada e fora da validade é servida, sem dó, para as detentas. Não existe, tampouco, esforço por tornar o alimento servido mais nutritivo ou apetecível. A falta de asseio nas celas também é um grande problema. As presas são responsáveis pela limpeza dos próprios dormitórios, então, normalmente são culpadas integralmente pela sujeira. In: QUEIROZ, Nana. Op. cit. p.103-104. [59] Estrangeiras flagradas com drogas no Brasil não deveriam estar na prisão, diz especialista. Op. cit. [60] Presas estrangeiras. Op. cit. “Tinha uma outra moça que estava no terceiro ano de psicologia na Universidade de São Paulo (USP) quando foi presa. Ela era de uma outra cultura, coreana (não me lembro bem se do norte ou do sul...), e tinha um casamento arranjado com um homem violento, que elajurava não querer. Por isso, ele começou a ameaçá-la: “Se você não casar comigo eu vou matar os seus pais.” Ela se sentiu num beco sem saída — Heidi fica um pouco constrangida quando diz isso — e pagou para alguém matá-lo. Não foi a melhor opção, claro, mas ela não era uma criminosa, não era ameaça à sociedade, era uma ameaça só àquela pessoa. Ela pegou doze ou catorze anos de cadeia, não lembro bem. Cumpriu, saiu. E quando saiu, ela falava pra mim: “Heidi, eu passo em qualquer teste de emprego. Mas assim que eles veem meus antecedentes, ninguém me dá trabalho.” Seu maior problema era ser estrangeira, já estava aqui havia mais de uma década, morando regularizada, mas nunca se naturalizou. Por cometer esse crime, abriram contra ela um processo de extradição. Mesmo que toda a família dela estivesse aqui, que ela morasse aqui há mais de quinze anos antes de ser presa. Depois que saiu, ela ainda ficou aqui tempo suficiente pra namorar um brasileiro e ter filhos com ele. Mas filhos depois da extradição não contam, então foi expulsa para a Coreia. Um país que não conhece, uma língua que ela não fala, pois não vive lá desde criança. Está ainda apelando da expulsão e tentando voltar, e o namorado, acho que a está esperando aqui”. In: QUEIROZ, Nana. Op. cit. p.85. [61] CERNEKA, Heidi Ann Cerneka. Homens que menstruam..., p.67. [62] PEREIRA, Luísa Winter; SILVA, Tayla de Souza. Op. cit.p.12. REFERÊNCIAS ALVES FILHO, Manuel. Memórias femininas do cárcere. Disponível em: < https://www.unicamp.br/unicamp/ju/676/memorias-femininas-do-carcere> Acesso em: 15 jun. 2017. ARGÜELLO, Katie; MURARO, Mariel. Mulheres encarceradas por tráfico de drogas no Brasil: as diversas faces da violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.seminarioprisoes.sinteseeventos.com.br/arquivo/downloadpublic2?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozMzoiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjI6Ijc2Ijt9IjtzOjE6ImgiO3M6MzI6ImFhMjNkMTEwMWZhNjAzZmU1NWFmYWNjNjY2Y2VkMmYzIjt9 > Acesso em: 16 abr. 2017. BRAGA, Ana Gabriela Mendes. Entre a soberania da lei e o chão da prisão: a maternidade encarcerada. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322015000200523&script=sci_abstract&tlng=pt >Acesso em: 17 jun. 2017. BUMACHAR, Bruna Louzada. Entre migrações, maternidades transnacionais e mídias. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092013000200017 >Acesso em: 17 jun. 2017. BUMACHAR, Bruna Louzada. Migração e novas mídias: um diálogo sobre a experiência familiar transnacional de estrangeiras presas em São Paulo e de trabalhadoras filipinas residentes em Londres. Disponível em: < https://periodicos.ufrn.br/cronos/article/view/2219 >Acesso em: 17 jun. 2017. BUMACHAR, Bruna. Por meus filhos: a maternidade entre presas estrangeiras. Disponível em: <http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277937323_ARQUIVO_Pormeusfilhos_fazendogenero2.pdf> Acesso em: 15 abr. 2017. CERNEKA, Heidi Ann Cerneka. 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ISSN 2526-0456 |