“Partimos como simples soldados casmurrões ou bem-humorados...chegamos na zona onde começa a frente de batalha e já nos tornamos homens-animais”. O que é a guerra? Qual a necessidade dela? Por que se fazem as guerras? Se o leitor busca essas respostas no livro “Nada de novo no Front” de Erich Maria Remarque, infelizmente não encontrará naquelas páginas tais respostas. Arrisco dizer que não encontrar esse tipo de resposta é o que faz ser uma obra única e memorável. Não é a toa que tal livro apareça nas diversas listas dos “cem melhores livros do século XX”. A beleza da obra se encontra na dureza das palavras e no retrato fiel e cru do ser humano frente ao seu semelhante, descobrindo-se que o guerrear faz da pessoa um “homem-animal”. “Perdemos toda a noção de solidariedade; quase não nos reconhecemos, quando por acaso, a imagem do outro cai sob nosso olhar de fera acossada. Somos mortos insensíveis que, por um feitiço trágico, ainda conseguem correr e matar”. A obra suplanta as trincheiras e estende a visão de guerra à toda sociedade, aplicando-se por uma analogia, aos dias atuais. O livro conta a história de Paul, jovem alemão que como milhares de outros sob o lema “juventude de ferro” fora empurrado e encorajado a entrar em uma guerra sob o manto heroico de salvar a sociedade onde estava. Conta a história de um garoto que do dia para a noite se transformou em um adulto marcado pelo horror, uma geração que perdeu o mais belo de se viver: a própria vida. O autor relata de maneira clara a crueldade da primeira guerra mundial e o faz com uma perfeição irretocável e indiscutível: pois o mesmo lutou em verdade na primeira guerra, onde fora ferido três vezes e presenciou os mais diversos horrores possíveis. De início, o escritor adverte que o livro não é uma confissão, mas sabe-se que o pano de fundo o é. O escrito fora feito após a guerra, nas inúmeras noites de insônia que o ainda jovem Erich Maria enfrentava juntamente com os fantasmas da guerra. Os pesadelos da guerra e os terrores posteriores formam esta obra que se torna até mesmo singela: um garoto que não sabe o porquê luta. Não sabe o que esperar da paz pois se tornara um animal e a única coisa que almeja é poder estar onde estava antes da guerra: em casa. Quando nos debruçamos sob tais páginas é impossível não constatar a imagem de que vivemos uma guerra hoje em dia e que negar isso é apenas uma ilusão que temos de afastar constantemente. Combatemos diuturnamente algo além das guerras convencionais. Combatemos a nós como seres-animais embrutecidos por uma divisão social palpável e os “outros” que sempre achamos que estão a nos atacar de maneira ininterrupta. Quebramos, dividimos e suplantamos nossas sociedades em diversos tipos de guerra, das trincheiras às mídias. Assim como a juventude de ferro, somos impelidos pelos que, como aqueles do início do século passado, se dizem saber sobre tudo e tem uma solução para os problemas. Com lábios de mel nos cantam as belezas e benesses envoltas em promessas de que tudo estará bem. Que a sociedade mudará, que a família tradicional permanecerá, que os marginalizados cairão e que tudo ficará bem. Que perder alguns direitos é melhor que perder o emprego e isto é apenas o início. Cede-se hoje um pouco de teus direitos e amanhã ter-se-á nada. Esbanja-se direitos hoje e amanhã haveremos de mendigar os mesmos. Como no livro, Paul constata que aqueles que cantaram em seus ouvidos a ilusão de que a guerra era a salvação e não estavam ao seu lado na trincheira, constatamos que estes que nos cantam as mil maravilhas estão sempre em posições confortáveis de proferir estes discursos. Quando houver a guerra (e aqui tem-se guerra como um sentido geral de qualquer calamidade social) estes não estarão ao nosso lado guerreando. Não! Como no livro, aplaudirão os que saírem vivos da batalha, palpitando do alto de seus sapatos que fora a atitude correta a se tomar, mas eles não terão que se sujar nas trincheiras que ajudarão de longe a construir. Assim como o autor, indaga-se porque o ser humano não aprendeu com os erros passados? Insiste em continuar no erro sempre. Com os discursos que décadas após décadas pouco mudam. A guerra (a divisão social, o conflito etc) é sempre a solução. Dentre os próximos meses mais guerras (virtuais) se instalarão (assim com a polarização social que vivemos ultimamente) em decorrência das eleições. Mais mel será derramado em nossos ouvidos para que sigamos em determinada direção, pois esta é a salvação para esta sociedade decadente. Aqueles que tentarem impor a força sua visão, com belos discursos de que os malvados serão banidos da terra, são os mesmos que quando o “bicho pegar” estarão no conforto de um sofá vendo a camada social que luta diariamente pela sobrevivência morrer aos poucos nas trincheiras. Tomemos cuidado com esses. No mais, não importa o quão antiga seja a obra, o ser humano é o mesmo. Cada dia que se passa, no nosso país e no mundo, aproximamo-nos de outra guerra, essa sim de trincheiras, semelhantes às páginas febris de Erich Maria. Não importa o quanto a tecnologia avance, apostamos tudo na dor do outro para impor nossas vontades. Antes, porém, aproveitemos para ler “Nada de Novo no Front”, uma mensagem que traduz a paz através da dor, para que os horrores não se repitam. Não é por menos que após batalhar pela Alemanha, o próprio autor fora perseguido pelo regime Nazista quando da formação do Terceiro Reich. O preço por uma paz é sempre mais caro que o da guerra para aqueles que não a combatem. Estes apenas causam a guerra, mas escondem-se diante dos horrores produzidos. A mensagem esculpida no título traduz apenas a comunicação daquele que está à frente da batalha para os que chegam da retaguarda: na frente, encontra-se apenas mais do mesmo. Não há nada de novo no front. Paulo Eduardo Polomanei de Oliveira Advogado Comments are closed.
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