Era mais uma manhã fria do inverno curitibano. Já faz certo tempo. Não sei exatamente porque me lembrei disso hoje, só pode ser em razão do frio de mais um rigoroso inverno curitibano, ou porque a questão tema do presente artigo está de volta no foco do debate político. Mas, vamos lá: Por volta das 06:30 da manhã eu estava indo para a faculdade ministrar aula de Direito Penal, mais especificamente teoria da pena. Buscando afastar o sono, liguei o rádio, no exato instante em que estava sendo divulgada uma mensagem do editorial. O locutor, com a clássica voz grave, dizia: “O país está cansado, já basta de tanta violência, a maioridade penal tem que ser reduzida de imediato. As pessoas de bem não podem ficar sujeitas ao ataque de criminosos e de gangues que usam jovens em busca da impunidade. Esta rádio está de mãos dadas com a população na busca pela redução da maioridade penal”. A “mensagem” da rádio me colocou em estado de profunda reflexão. Não que fosse a primeira vez que tivesse ouvido aquilo, ou que a maioridade penal não fizesse parte das temáticas debatidas diariamente em sala de aula, no fórum ou em "mesa de bar"! Não é isso! O que me deixou pensativo foi a preocupação em tentar entender, mais uma vez, o porquê da imprensa e da população aceitarem pseudo-soluções penais que, em verdade, só agravam o problema. Importante destacar, de início, que o debate sobre a definição do marco temporal de imputabilidade envolve questões extremamente complexas, pressupondo uma análise multidisciplinar. O que se quer dizer é que a “escolha” legal da idade de imputabilidade não é exclusividade do Direito, mas sim uma construção conjunta dos diversos ramos do saber: sociologia, psicologia, medicina, direito, antropologia, criminologia, etc. A realização de estudo multidisciplinar poderá até chegar à conclusão de que, na sociedade brasileira atual, um adolescente atinge pleno discernimento e capacidade de direcionamento (similares aos de um adulto), a partir dos 16 anos de idade. Portanto, esta não é uma hipótese a ser descartada liminarmente e nem é o que se propõe no vertente artigo. A grande questão a ser resolvida é a da efetividade (ou não) da redução da maioridade enquanto solução penal. Outrossim, é preciso compreender a forma como tal “solução” é “vendida” à população, como se fosse o grande caminho para resolver o problema da criminalidade. Em verdade, quando esta e outras soluções punitivas são apresentadas com veemência pela imprensa e pela classe política, a população passa a crer, inadvertidamente, na falsa expectativa de que o Direito Penal funciona como uma verdadeira vacina, ou um poderoso antibiótico, no combate ao crime. Quem dera isso fosse verdade! Mantendo a comparação com os fármacos, o Direito Penal não passa de um antitérmico, ou um curativo, no combate ao crime. O que se quer dizer é que ele só atua nos sintomas, para dar alívio momentâneo (as vezes nem isso), mas não combate a causa, não atua na raiz do problema. É triste reconhecer, mas, quanto mais de perto se conhece o Direito Penal, mais se sabe que ele não funciona adequadamente. Mas, voltemos especificamente à redução da maioridade penal. A premissa a ser analisada é a seguinte: Será que este é o melhor caminho no combate à criminalidade promovida por adolescentes? De um lado, é preciso reconhecer que é o caminho mais rápido, mais fácil e aparentemente mais barato. Ou seja, é perfeito enquanto proposição política, já que basta "por no papel" e votar o projeto, não dependendo de investimento imediato ou muito esforço prático dos idealizadores. É perceptível que tal solução é muito mais simples do que: investir em melhoria educacional, construir escolas, garantir moradia, saúde e alimentação condigna, promover a igualdade social, viabilizar projetos esportivos, incentivar a cultura etc. De outro lado, é preciso ter consciência de que o Estado não tem condições mínimas de, no atual momento, “fazer funcionar” eventual redução da maioridade penal. A uma, porque os estabelecimentos prisionais estão superlotados. O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo. Assim, antes de qualquer coisa, precisaríamos investir na ampliação da estrutura carcerária. A duas, porque o tratamento diferenciado conferido ao adolescente não visa a sua impunidade, mas sim busca que ele passe por um processo de reintegração diferenciado, com métodos distintos daqueles dedicados aos adultos. Ocorre que, pela estrutura decadente dos estabelecimentos correcionais, tais métodos não funcionam, situação que ficará ainda pior quando todos forem jogados em um mesmo balaio. Em síntese, trocaríamos algo que não funciona por algo que funciona muito pior. A três, quem não tem nada a perder, não tem medo de nada, muito menos de “cadeia”. A violência não é fato isolado, é sim um “processo” que se retroalimenta. Quem é vítima diária de todo tipo de violência, desde a tenra idade, não sabe responder à sociedade de outra forma, que não com violência. Assim, enquanto não investirmos em uma sociedade mais igualitária, que protege e educa as suas crianças, não chegaremos a lugar algum. Eu sei que surgem inúmeros questionamentos dos que são críticos da ideia aqui lançada: “O que eu tenho com isso?” “Porque o Estado não investe, eu que pago o pato?” “E os “pais de família” que morrem diariamente nas mãos destes marginais?” As perguntas são muito parecidas entre si e não se pode negar que trazem reivindicações justas. Contudo, a reflexão proposta aqui não quer se afastar da realidade cotidiana, não quer tirar o valor das boas condutas ou premiar a criminalidade. Ao contrário, o que se pretende é apresentar uma percepção mais clara do quanto é inútil utilizar pretensas soluções penais imediatistas que não atuam na raiz do problema. Aceitar as propostas punitivas, sem um mínimo de resistência, é dar uma carta branca ao Estado para que não se preocupe com as questões estruturais. Não se engane! O ciclo é vicioso: cresce a criminalidade – leis penais mais rigorosas – cresce a criminalidade – leis penais mais rigorosas – cresce a criminalidade – leis penais mais rigorosas... Fazer leis penais é muito fácil, o problema é dar efetividade àquelas que já temos, lembrando que nem os direitos fundamentais insculpidos na Constituição são efetivados como deveriam. A proposição é esta: temos de cobrar soluções reais e não buscar mais e mais pseudo-remédios penais que infelizmente não vão funcionar. André Pontarolli Advogado Criminal
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