Desde os anos 90, os casos criminais e os respectivos julgamentos ocupam um grande espaço nos meios de comunicação. Para além do que se discute no interior dos autos do processo, alguns casos criminais recebem uma grande repercussão social e passam a interessar aos espectadores assim como um enredo de filme. Criam-se personagens, vítimas, vilões e mocinhos, ainda que tais classificações não caibam dentro de um processo penal. E, como efeito disso, os atores processuais passam a receber demasiada atenção, o que também inclui os advogados criminais que atuam na causa.
Com a transformação de processos penais em pauta pública de debates, o que culmina na ampla difusão de suas nuances na mídia, os advogados que os integram – em conjunto com juízes, promotores e partes – também passaram a ser vistos e julgados por aqueles que os assistem. A partir da divulgação de vídeos de audiências, trechos de sustentações orais e algumas peças processuais em jornais, revistas e televisão, não é incomum que certos causídicos ocupem um espaço que até então não lhes era natural. Hoje é muito mais comum ver um advogado criminal se utilizando dos meios de comunicação do que outrora, até mesmo porque muito se descobriu sobre o poder da comunicação e os seus efeitos (positivos ou negativos) sobre o curso de um processo criminal – sobretudo aqueles que envolvem o tribunal do júri ou grandes operações. Dentro desse novo contexto, os advogados que integram os casos de grande repercussão passam a ser personagens quase que diários de matérias jornalísticas e de comentários públicos, situação esta que tem forte influência sobre a construção da reputação do advogado na órbita da opinião pública. Para todos os espectadores que não têm familiaridade com o sistema de justiça criminal, a avaliação que se faz, no âmbito desses julgamentos midiáticos, acaba sempre por percorrer por duas conclusões a partir do resultado do processo: a) se o réu é absolvido, tem-se um grande advogado; b) se condenado, tem-se um péssimo profissional. O problema é que, nem sempre, a absolvição pode ser vista como sinônimo de qualidade, assim como uma condenação não significa necessariamente uma insuficiência técnica do profissional. Um processo penal, ao contrário do que muitas vezes se vê nas pautas jornalísticas, é muito mais complexo do que um simples enredo de filme. Os fatos narrados como sendo a síntese do processo não podem conduzir a conclusões simplistas sobre a qualidade daquele que ali atua, sobretudo quando se tem uma conjunção de fatores que podem determinar uma absolvição ou uma condenação. O processo penal não é exatamente aquilo que está narrado em três parágrafos de um jornal ou cinco minutos de uma reportagem de televisão, ele é composto de diversos expedientes da acusação, das defesas e também do juízo, os quais podem conduzir a soluções diversas – inclusive desfavoráveis a uma das partes, não obstante o rico e excelente trabalho do profissional envolvido, como também pode ocorrer o contrário. Explica-se. Nem sempre uma condenação significará a deficiência de um advogado. Um processo penal, por exemplo, pode vir acompanhado de uma farta e eficiente investigação e, posteriormente, uma instrução que demonstrem cabalmente a culpa de alguém e, mesmo assim, pode ser que se observe um maravilhoso trabalho do profissional, o qual pode ter se utilizado de todos os meios disponíveis para conseguir a melhor aplicação do direito possível à hipótese. Não é incomum que o trabalho muitas vezes não consiga fugir à imposição de uma condenação, mas que, por outro lado, consiga uma melhora significativa na situação do assistido, como o asseguramento de sua liberdade até o fim do processo, a exclusão de determinado fato (quando se está diante de uma denúncia por diversos fatos) ou até mesmo uma suspensão processual. Tais contextos, sem dúvida, demonstram que nem sempre uma sentença condenatória permite concluir pela deficiência de um advogado. E o mesmo se diga quanto à absolvição. Não é incomum se ver profissionais saindo do foro com uma sentença absolutória “debaixo do braço”, mas tal fato, nem sempre, denota a sua competência e primor técnico. O processo penal, ao contrário do processo civil, permite que muitas vezes o próprio juiz corrija as deficiências da defesa, justamente porque no âmbito penal vigora o princípio do favor rei, pelo qual o réu deve ser visto sempre como vulnerável e presumidamente inocente e, por isso, o juiz não deve se ater, em caso de deficiência defensiva, à fraca atuação de um advogado quando pode encontrar, nos elementos dos autos, a solução que privilegie a liberdade do acusado. Aqueles que atuam diariamente no foro criminal sabem que, muitas vezes, quem efetivamente promove a defesa do réu é o próprio juízo ou os advogados de corréus, preocupados com a higidez de sua estratégia defensiva – o que acaba culminando numa extensão dos efeitos para os demais corréus, muitas vezes defendidos por inexperientes ou fracos advogados. E mais. Não se pode perder de vista que o processo penal determina que o ônus probatório recaia sobre a acusação. Ou seja, é o órgão acusador quem deve demonstrar a culpa do acusado e não este que deve demonstrar sua inocência. Com efeito, tem-se que, muitas vezes, a acusação não tem muitos elementos que possibilitam a comprovação da culpa – pode ser em razão de uma investigação falha ou uma instrução processual desastrosa – o que, por conseguinte, culmina numa forçosa absolvição, mesmo quando os advogados de defesa sequer tenham explorado tal deficiência acusatória. Por isso tudo é que cabe sempre a advertência: não se engane. A absolvição nem sempre é sinônimo de qualidade do advogado criminal. A qualidade na advocacia criminal, obviamente, não pode desconsiderar o resultado do processo, mas, para além disso, não se deve olvidar que a boa advocacia não se faz unicamente com resultados – os quais, como dito, nem sempre representam a real qualidade do serviço –, mas, sim, com comprometimento, estudo e, principalmente, honestidade. É preciso que se tenha honestidade com o assistido, suficiente para lhe dizer que as circunstâncias poderão ser diferentes do que ele espera, mas que, apesar disso, o trabalho se pautará pelo uso de todos os meios disponíveis. Portanto, todo cuidado é pouco com quem somente “vende” resultados. Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado Criminal. Comments are closed.
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