NOTAS SOBRE A (NECESSIDADE DE) PROTEÇÃO À GEOLOCALIZAÇÃO CONSTANTE NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL7/9/2020 ![]() Artigo do Colunista Gabriel Teixeira sobre a necessidade de proteção à geolocalização na investigação criminal, vale a leitura! '' No mais, nos casos concretos, tem sido aplicada a Lei 9296/96 para as situações gerais (Lei de Interceptações Telefônicas) e o disposto nos artigos 13-A e 13-B, do Código de Processo Penal, introduzidos pela Lei 13.344/2016, exclusivamente aos delitos de sequestro e cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas e extorsão qualificada (§ 3º, artigo 158, do Código Penal), inexistindo o emprego da expressão “geolocalização”. Insuficientes e, por via de consequência, conferem uma grande margem de discricionariedade ao ator jurídico, indo em sentido contrário ao “jogo democrático”. Por Gabriel Teixeira Entre as várias facetas trazidas pela pandemia global advinda da COVID-19, talvez uma se mostrou mais evidente: o aparato de (ultra)vigilância estatal em conjunto com as operadoras telefônicas.
Diariamente somos bombardeados com inúmeras notícias quantificando (geralmente em porcentagens) o isolamento social de determinada região, estado ou cidade do país. Para tanto, as informações são retiradas de informes prestados pelas operadoras telefônicas, sem que haja muita transparência sobre como isso é feito ou qual o respaldo para tanto (fato noticiado inclusive por mídia independente [1]). O (pouco) que se sabe é que esse tipo de informação é extraído da chamada “geolocalização” [2]. Referido instituto, proveniente dos dispositivos móveis, permite que as operadoras, aplicativos (sim, o “Pokemón Go” [3], “Uber”, “Waze”, “Google Maps” e afins entram aqui) e demais funcionalidades possam identificar, em tempo real, a localização do usuário. Para isso, as ferramentas necessárias são Wi-Fi, GPS, AGPS e/ou Radiofrequência, dentre outras, pois permitem uma individualização e comunicação entre smartphones e as torres/satélites. Obviamente (e me incluo aqui entre os que assinam sem ler, especialmente os termos de uso extensos), boa parte destes aplicativos e operadoras em seus famigerados contratos de adesão solicitam ao consumidor sua autorização para a extração destes dados – que docilmente aceita, sem saber a gravidade da concessão desta informação. Seguindo a onda 4.0 que permeia o direito, especialmente pela modernização das técnicas empregadas atualmente, exsurge uma inquietação: será que essa informação em tempo real pode ser usada em procedimentos investigatórios criminais para rastrear os investigados e averiguados? Tamanha é a relevância da utilização da geolocalização que a questão já foi enfrentada pela Corte Europeia de Direitos Humanos, em 08 de fevereiro de 2018, no caso Ben Faiza v. França, oportunidade na qual foi declarado inadmissível o rastreamento em tempo real com base na geolocalização pela violação ao direito à intimidade e privacidade, especialmente diante da falta de transparência sobre como e até qual ponto as autoridades policiais e judiciais poderiam se valer desse método. Para tanto, com a repercussão deste e demais casos dentro de seus, a França promulgou a Lei nº 2014-372, de 28 de março de 2014, abordando o eixo central deste trabalho, promovendo mudanças estruturais no processo penal daquele país, delimitando de forma clara os requisitos e extensões na utilização. Por óbvio, cabe um parêntese aqui que este case da CEDH pode ser aplicado em nosso país, considerando que ele é integrado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e, desde o primeiro caso julgado pela Corte IDH (Velásquez Rodriguez vs. Honduras), há o emprego de jurisprudência externa ao seu âmbito de jurisdição (cross fertilization). Entretanto, o que se verifica é que a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18) não se aplica aos atos de investigação ou repressão de infrações penais (artigo 4º, inciso III, “d”, desta). No mais, nos casos concretos, tem sido aplicada a Lei 9296/96 para as situações gerais (Lei de Interceptações Telefônicas) e o disposto nos artigos 13-A e 13-B, do Código de Processo Penal, introduzidos pela Lei 13.344/2016, exclusivamente aos delitos de sequestro e cárcere privado, redução a condição análoga à de escravo e tráfico de pessoas e extorsão qualificada (§ 3º, artigo 158, do Código Penal), inexistindo o emprego da expressão “geolocalização”. Insuficientes e, por via de consequência, conferem uma grande margem de discricionariedade ao ator jurídico, indo em sentido contrário ao “jogo democrático”. Sem embargo, o que se observa é que o legislador, até o presente momento, não confeccionou uma norma que concebe tratamento específico a temática, especialmente levando em consideração princípios contemporâneos inerentes ao investigado como, por exemplo, a identidade digital, direito ao anonimato e direito/respeito ao domicílio virtual, dentre outros. Essa insuficiência legislativa é grave, máxime pelo descompasso que gera com as garantias individuais (a nível infraconstitucional, constitucional e convencional) dos investigados, criando um antro de discricionariedade e exercício arbitrário de Poder Estatal nas investigações criminais. Cabíveis, aqui, as assertivas de PRADO (2014, p 56): Por isso, a investigação criminal conformada ao devido processo legal deve ser ponderada em dupla perspectiva: a) como meio hábil à formação da justa causa para a ação penal, interditando o recurso à acusação penal nos casos em que esta não supera o filtro das condições mínimas para levar alguém a juízo; b) como exigência de que a própria investigação encontre adequação legal, tendo em vista o conjunto de garantias que controlem e estejam dotadas do potencial de contenção da vocação expansiva do poder de punir. Portanto, é imperioso que seja criada norma específica para delimitar e mitigar os poderes investigativos da autoridade policial e do Parquet no emprego do rastreamento constante da geolocalização, evitando-se danos irreparáveis na esfera objetiva e subjetiva individual do investigado. Outra medida hábil é o julgamento definitivo das ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305 para que haja uma decisão favorável a implementação do juiz de garantias (artigo 3-B, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 13964/19), de modo que será ele responsável pelo (in)deferimento desta medida gravosa e pelo controle epistêmico da prova e da sua respectiva cadeia. Por fim, indiscutivelmente há uma necessidade de enrijecimento e aprimoramento dos standards probatórios e investigativos, ainda que feito de forma progressiva, que constituem uma denúncia constante da academia e que, honestamente, esperamos que um dia ocorra. Gabriel Teixeira Santos Pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS. Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG e em Direito Civil e Processo Civil pela Toledo Prudente Centro Universitário. Advogado. E-mail: [email protected]. AGRADECIMENTO: Não poderia deixar de registrar meus agradecimentos ao Professor Geraldo Prado por ter mencionado referida temática em sua disciplina “Prova no Processo Penal”, na pós-graduação em Direito Penal e Criminologia na PUC-RS (turma de janeiro de 2020). Igualmente, para os interessados no debate, deixo esta valorosa contribuição do professor no III Congresso Internacional de Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital na Faculdade de Direito da USP (https://www.youtube.com/watch?v=fuHf4tCUD54). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: PRADO, Geraldo. Prova Penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos – 1. ed. – São Paulo: Marcial Pons, 2014. NOTAS EXPLICATIVAS: [1] https://teletime.com.br/15/04/2020/anatel-coleta-de-dados-de-geolocalizacao-esta-amparada-pela-legislacao/, Acesso em 06/07/2020. [2] https://lifelink.com.br/geolocalizacao/, Acesso em 06/07/2020. [3] https://www.conjur.com.br/2016-ago-08/direito-civil-autal-politica-privacidade-pokemon-go-ele-captura-voce, Acesso em 06/07/2020. [4] https://www.conjur.com.br/2020-mar-20/limite-penal-entender-standards-probatorios-partir-salto-vara, Acesso em 06/07/2020.
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