“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art 5º, LVII CF/88). Está na CF, está nas principais convenções de direitos humanos, está na legislação penal. Configura-se como princípio limitador do poder punitivo do Estado. Porem, é mais do que isso. Se considerarmos o significado histórico da presunção de inocência veremos que é o divisor de águas (ao menos um deles) que dá início a um sistema penal minimamente racional. É da presunção de inocência que se desprendem muitos princípios fundamentais, como a legalidade estrita, a reserva legal e tantos outros. Se analisarmos a natureza das “presunções” em nosso ordenamento jurídico veremos que elas servem como juízos a priori e que são vinculantes (em especial ao poder judiciário). Funcionam como obstáculo prévio que precisa ser suplantado por aquele que alega o contrário. Apenas para citar alguns exemplos do uso do instituto da “presunção”: 1. PRESUMEM-SE verdadeiros os fatos não contestados no prazo cabível (art. 344 CPC/2015). 2. PRESUMEM-SE em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação (art. 208§4º CPC/2015 ). 3. Considera-se em flagrante delito quem for encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam PRESUMIR ser ele autor da infração (art. 302, IV CPP). 4. As leis emanadas pelo poder legislativo possuem PRESUNÇÃO relativa de constitucionalidade (dedução do cabimento da ADECON - Art. 102, I, “a” da CF/88). Todos os exemplos demonstram que a presunção é um elemento de juízo feito a priori, estabelecido legalmente, com intuito de evitar a prova impossível ou extremamente difícil de ser produzida, garantir celeridade ao processo e outros fins legitimamente buscados no ordenamento jurídico. Assim, a PRESUNÇÃO estabelece uma espécie de pré-julgamento que só pode ser suprimido, ou melhor, SUPERADO, se obedecido os rigores do devido processo legal (com seus obrigatórios elementos, entre os quais: ampla defesa, contraditório e juiz natural - CF/88 Art 5º XXXVII, LIV, LV). No caso da presunção de inocência ela tem impacto profundo sobre o processo penal. Ela define o modelo acusatório, que precisa ser sustentado pelo direito penal pátrio após a promulgação da constituição de 1988 (em que pese nosso ordenamento penal ser melhor definido como misto ou inquisitório garantista como DENUNCIAM Jacinto Miranda Coutinho e Guilherme de S. Nucci, entre outros). Analisemos brevemente o que isso significativa para a pena privativa de liberdade: A prisão só será admitida quando o Estado tiver logrado superar a presunção de inocência, tendo desincumbido o ônus de provar a autoria e materialidade da conduta típica, antijurídica e culpável. Para tanto é necessário o trânsito em julgado (Art. 5º, LVII e Art 283 CPP). Sem cabimento as tentativas de importar ao Direito Penal os limites do Processo Civil - Art. 502 CPC/2015 sobre a revisão da decisão “de mérito” - acerca do tema remeto o leitor ao texto de Lenio Streck e Bruno Torrrano, disponível no site CONJUR (http://www.conjur.com.br/…/juizos-morais-stj-stf-fazem-retr…). No caso das prisões cautelares, tanto mais necessária a observância do devido processo legal, uma vez que não terá o Estado, em regra, no momento da sua decretação, desempenhado a incumbência de superar a presunção de inocência. Neste caso a decisão judicial que decretar a prisão (preventiva ou temporária) precisará ser FUNDAMENTADA (CF/88 art. 5º, LXI). Do contrário, deverá ser imediatamente relaxada (CF/88 Art. 5º LXV), ou concedida liberdade provisória nos termos do Art. 310 CPP. Porém, aqui estamos nos afastando do tema principal. Quero concluir esta breve consideração tendo (espero) sumariamente demonstrado que a superação da presunção de inocência precisa ser alcançada dentro dos ditames constitucionais. Antes de alcançada esta superação qualquer limitação à liberdade só poderá ocorrer em casos excepcionais e por prazo limitado, obedecidos os princípios da proporcionalidade, adequação e estrita legalidade. Qualquer argumento de natureza “útil (prática)” que queira limitar o que foi exposto acima, alegando a “protelação” dos processos penais através dos recursos cabíveis, a “impunidade” ou algo que o valha, precisa ser revista à luz da seguinte indagação: qual o preço que estamos dispostos a pagar pela democracia? Porque sem dúvida ele tem os seus custos. Tem também suas vicissitudes. Porém, ainda é o modelo escolhido pela população de organização política do Estado. Somos um Estado Democrático de Direito. Não podemos sê-lo apenas no papel. Não podemos nos transformar aos poucos numa espécie de ditadura do poder judiciário. As experiências em que qualquer dos poderes tem a possibilidade de ultrapassar os limites da lei, interpretada de modo hermeneuticamente responsável, se configuram como uma forma de ditadura. Como diz o Prof. Lenio Streck: se dizer nos faz ser “positivistas” não é, de forma alguma, insulto. Presumo que os pontos alistados sirvam de alguma forma ao debate iniciado pelo HC 126.292/SP e que, espero sinceramente, seja encerrado em favor dos direitos humanos, da Constituição e da manutenção do Estado DEMOCRÁTICO de DIREITO! Paulo Incott Acadêmico de Direito - Faculdades OPET Bacharel em Contabilidade pela Universidade Federal do Paraná Comments are closed.
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