Começo o presente artigo com a seguinte frase e já respondendo a indagação que você deve estar se fazendo, caro leitor: Sim! É 1 grama, você não leu errado.
No escrito de hoje, narrarei, em formato de história, um caso verídico, preservando as partes envolvidas no processo e o juízo da causa, limitando-se a descrever tão somente o caso. Pois bem, darei aqui nomes fictícios aos envolvidos com o fito de preservar suas imagens. Em um bar, encontrava-se Escobar aos seus 18 anos de idade, conversando com os amigos e com a sua namorada, que ainda possuía seus 17 anos e meio. Escobar utilizava eventualmente a substância popularmente conhecida como maconha, e naquele dia, possuía consigo a absurda quantidade de 1 GRAMA e 04 DECIGRAMAS, o que totalizavam dois “baseados” (pela metade). Segundo consta, a polícia recebeu várias denúncias anônimas que davam conta de que no referido bar, havia constante comercialização e uso de substâncias entorpecentes pelos frequentadores. De pronto, toda a polícia foi movida até o local, armada até os dentes, na espera de encontrar e prender os perigosos traficantes que ali atuavam. Chegando ao bar, avistaram um rapaz perigoso, o Escobar, que por sua vez ao avistar a polícia, com o fim de corromper uma menor de idade, entregou dois baseados para sua namorada para que ela guardasse dentro do bojo do sutiã, para que assim, se livrasse impunemente da posse daquelas substâncias entorpecentes. Porém, o Capitão Nascimento, membro da tropa da elite, farejando de longe a ilicitude da conduta perpetrada pelo Escobar, conseguiu visualizar perfeitamente a entrega da substância entorpecente já a 2 km de onde eles estavam, o que, segundo ele em audiência, já evidenciava o caráter criminoso do delinquente Escobar. Abordados e ao proceder a revista na menor de idade, foram encontrados os dois baseados, totalizando a absurda quantia de 1 GRAMA e 04 DECIGRAMAS da substância altamente venenosa conhecida popularmente como maconha. De pronto, Escobar se identificou como proprietário da enorme quantidade, e, assim, sua namorada menor de idade (17 anos e seis meses de idade) e ele foram conduzidos para a delegacia. No relatório da autoridade policial, constou: PRESO, maior traficante conhecido, Escobar, o corruptor de menores de idade. O Ministério Público aterrorizado com aquele “marginal” preso em flagrante, requereu de imediato a PRISÃO PREVENTIVA do Escobar, pois era ele um corruptor de menores e um grande traficante, em que pese sua ficha não constar nenhum antecedente ou prisão anterior, mas certamente sua conduta era por demais de danosa para toda a sociedade, o que evidenciava a prisão como garantia da ordem pública, motivo mais que suficiente para trancafiar o perigoso traficante preventivamente. O juízo achou melhor não trancafiar o perigoso traficante (acho que ficou com medo dele disseram), e concedeu a liberdade para este, acreditamos que no corredor do fórum devem ter esbravejado as seguintes frases: IMPUNIDADE, TRAFICANTE RESPONDENDO SOLTO O PROCESSO! INJUSTIÇA! Dentre outros argumentos. O Ministério Público, em sua atribuição de garantidor da lei penal, ofereceu a denúncia, em 03 laudas, descrevendo pormenorizada toda a conduta delituosa do perigoso traficante Escobar, e como havia corrompido uma menor de idade para fazer seu serviço sujo, enquadraram Escobar pelos horrendos crimes previstos no artigo 33 da lei 11.343/06 cumulado com o artigo 244-B, caput, da Lei nº 8.069/90 (corrupção de menores), na forma do artigo 70 do Código Repressor dos Criminosos (Código Penal). O advogado, óbice da concretização da justiça, bradou e bradou na defesa preliminar (só para enrolar ainda mais a condenação), trazendo todos os princípios da Constituição da República (que só servem para impedir que a Justiça seja feita), dizendo que aquele perigoso traficante era na verdade, um usuário de drogas. BALELA! TODOS ALEGAM ISSO, devem ter falado nos corredores do fórum. O juízo movido pela sede de justiça, assim declarou:
Traduzindo em miúdos: Como poderei considerar Escobar um usuário de drogas nesse momento? Ainda, diante da absurda quantidade e a forma como estava a droga encontrada, são motivos suficientes para submeter Escobar ao braço mais forte do Estado, para que este perigoso traficante sofra as consequências de seus atos e pague o preço! E se há alguma dúvida de que ele seja traficante ou usuário, essa dúvida deve ser pesada em favor da sociedade (ou seja, o perigoso traficante pode prejudicar muito a sociedade em caso de ficar IMPUNE). Escobar, então, foi retirar uma certidão criminal para apresentar no trabalho, e lá constou sua extrema periculosidade, TRAFICANTE E CORRUPTOR DE MENORES! Óbvio que este sujeito não merece o emprego, imagine, um traficante em minha empresa, exclamou o proprietário! E assim, Escobar, o traficante de 1 GRAMA e 04 DECIGRAMAS, vêm respondendo o processo por tráfico de drogas, e tendo em vista que aliciou uma menor de idade para cometer o crime, por corrupção de menores também, lógico. As cenas dos próximos capítulos deste seriado ainda não foram escritas, mas o Capitão Nascimento já foi ouvido em outra comarca, e declarou: “Eu vi o Escobar entregando a droga para a adolescente, o que para mim, já basta para ele ser traficante! ”. Será feita justiça e Escobar preso e condenado por ser um traficante e corruptor de menores ou será que a Justiça vai absolver mais um culpado demonstrando a impunidade? Ainda, em caso de condenação do perigoso traficante, acredito que o óbice da justiça (advogado) irá interpor recurso, e por isso nos corredores do fórum vão dizer: A culpa da demora em se dar uma resposta da justiça, é desses advogados que ficam interpondo recursos infundados e sem razão! Caros leitores, a maior parte dos fatos descritos na história acima são verdadeiros, sendo que, o jovem de 18 anos de idade, em uma abordagem policial, em um ato impensado e motivado pelo medo de ser preso, entregou para sua namorada dois baseados pela metade (1 grama e 04 decigramas) para que ela escondesse, pensando que ela não seria revistada. Ocorre que, uma policial feminina em revista pessoal, encontrou a droga na menina, e, ele assumiu de pronto que a substância era dele. O Ministério Público realmente pediu a prisão preventiva do rapaz, mesmo este não tendo nenhuma ficha criminal ou qualquer antecedente, não satisfeito, ofereceu a denúncia pelo delito de tráfico e corrupção de menores. Imagine todo o custo do judiciário para julgar esta causa, todo o transtorno da justiça, com inúmeras cartas precatórias, o salário dos juízes, servidores, custos de manutenção do fórum, salário dos desembargadores, servidores, assessores, advogados e tudo mais que necessita para mover a máquina repressora do Estado, tudo isso por causa de 01 grama? E não se esqueça, tudo isso sai do seu bolso, caro leitor. E aos mais eufóricos pelo anseio punitivista e sede de justiça, vejam as lições de NUCCI: “Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito e, consequentemente, à ineficiência de seus dispositivos”.[1] Quando se fala que é urgente a necessidade de se reavaliar a diferenciação entre usuário e traficante, é justamente por estes motivos, e não estamos entrando no mérito da ponderação que deveria ser feita pelo Ministério Público ou pelo Juízo, apenas nesta urgente necessidade de adotar critérios mais objetivos para diferenciar um usuário de um traficante, pois relembremos as lições de BECCARIA que ao seu tempo já dizia:
Se permanecermos do jeito que está, poderemos ter alguém preso com 130 kg e ser considerado para consumo, e, para o pobre Escobar, pego com 1 Grama, pediram até a prisão preventiva do rapaz. E imagine o absurdo que isso seria, não é, caro leitor? Associando aos dois últimos artigos escritos para a Coluna de Política de Drogas, foi mencionado acerca do Pacto Social e a Exclusão do indivíduo do pacto, formando as Organizações Criminosas. Vejam, este caso se trata justamente do tratamento conferido àquele que é envolvido com entorpecentes, sendo considerado um inimigo do Estado, e, consequentemente, destituído de seus direitos. Imagine Escobar preso preventivamente, associando aos escritos anteriores, o Estado não estaria fornecendo, ou no mínimo, facilitando a mão de obra para as Organizações Criminosas que estão inserida em nossos presídios? Cabe salientar que, mesmo que ao final do processo, seja reconhecido que Escobar é, na verdade, um usuário de drogas, quem devolverá o tempo, angústias, e demais temores sofridos por ele na perduração de um processo criminal moroso e carregado de prejuízos com relação à sua moral? Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminalista Formado em Direito pela Universidade Positivo Pós-graduado em Direito Contemporâneo - Com Ênfase em Direito Público - Curso Jurídico Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (AbdConst). Mestrando em Direito na Uninter. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECCARIA, Cesare Marchese Di. Dos Delitos e das Penas. Trad. Paulo M. Oliveira. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2011. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 12ª Edição. Rio de Janeiro: Forense. 2016. [1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 12ª Edição. Rio de Janeiro: Forense. 2016. p. 27. [2] BECCARIA, Cesare Marchese Di. Dos Delitos e das Penas. Trad. Paulo M. Oliveira. Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2011. p. 31 e 32. Comments are closed.
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