O crime e suas possíveis motivações. Costuma se dizer que todo crime possui um motivo para o seu cometimento. Ninguém pratica uma conduta tida como criminosa sem que tenha razão para tanto, diz-se. Pode ser que a razão seja injustificada em qualquer nível, ou ainda que a questão tenha razão de o ser apenas na mente do dito criminoso. Mesmo assim, haverá uma motivação para a prática daquele ato contra o qual a lei, o direito, a sociedade, a comunidade, insurge-se.
Dentre os crimes em que a motivação é mais visível, por mais que muitas vezes gere controvérsias o entendimento acerca do motivo apontado, tem-se o homicídio. Matar alguém, o crime mais emblemático existente. O que leva alguém a tirar a vida de outrem? A que custo? Qual o fator ensejador da conduta daquele homicida? Em que circunstâncias o delito ocorreu? Qual o meio empregado para tanto? A motivação foi legítima? Se foi, segundo qual critério? Segundo a própria lei? Segundo algum entendimento moral? Segundo algum consentimento no sentido de que tal atitude extrema era a única possível em determinada ocasião? É um crime que choca. Mesmo naquelas ocasiões em que o Direito possibilita tal prática (na figura da legítima defesa, por exemplo), o mal-estar se faz presente. É o suspiro que não mais será. É o sangue que deixa que correr. É a existência que deixa de o ser. É o concreto que passa a figurar no abstrato. É o que foi e não mais é. Também é justamente diante de se tratar de um crime peculiar, dada toda a sua complexidade, que é por assim ser que se trata de um dos fundamentos que fazem com que esse tipo de crime, aqui no Brasil, seja julgado pelo Tribunal do Júri. Aos setes jurados responsáveis pelo destino do acusado é conferida a tarefa de analisar o ocorrido de uma maneira única. As razões, o passado dos envolvidos, as histórias envoltas na situação, os ânimos aflorados, as emoções, as formas e os modos em que o caso se deu, o antes, o durante e depois – tudo isso, e ainda mais, acaba sendo transmitido aos jurados e sendo levado em conta por estes, a fim de que tenham um contato mais íntimo, menos formal, com esse crime que mais gera angústias e perplexidades. Considerando essa breve exposição, podemos ter que são encontrados os mais diversos e variados motivos que ensejam na prática do homicídio. Vingança é um desses motivos. Na literatura, temos um interessante exemplo desse tipo de crime praticado de maneira deliberada em Edgar Allan Poe. No conto “Hop-Frog ou Os oito orangotangos acorrentados”, Poe narra a história de um rei que possuía um peculiar senso de humor. O soberano vivia para rir, procurando sempre ver graça em tudo. Dada essa sua graça (sem trocadilho), seu humor se tornara cada vez mais exigente, resultando também num temperamento um tanto quanto inadequado – para não dizer agressivo. Mas era rei, e sendo rei, não era questionado. Como todo rei digno de um personagem literário, este possuía o seu bobo da corte. Hop-Frog, como era conhecido, exercia a função de bobo do rei. Suas características físicas (era anão e aleijado) resultavam numa maior satisfação do rei, vez que o humor do soberano já havia se transformado num sarcasmo repugnante. Em determinada ocasião, o rei chamou Hop-Frog a fim de entretê-lo com algo novo. Deveria ser algo ousado e inovador, pois o rei, já bêbado e de muito mau humor, queria dar umas boas risadas junto com os seus convidados. Hop-Frog levou um certo tempo para pensar em algo, o que resultou numa maior irritação do rei. Percebendo a explosão iminente do monarca, Trippetta, que estava presente e possuía afeto por Hop-Frog, lançou-se aos pés do rei e suplicou para que nada de ruim fosse procedido contra o anão. Tal atitude de Trippetta irritou profundamente o rei:
Tal atitude do rei acarretou numa tremenda amargura em Hop-Frog. Ira, indignação e um desejo de vingança assolou o espírito de Hop-Frog. Aquilo havia sido o estopim. Não podendo transparecer seu estado de raiva contra o monarca, Hop-Frog propôs uma “diversão extraordinária” ao rei. Tratava-se de um tipo de jogo chamado “os oito orangotangos”. A ideia consistia em vestir o rei e os seus conselheiros em trajes de bestas, a saber, disfarçando-os de orangotangos. O fator determinante que convenceu o rei a participar do jogo, foi quando Hop-Frog mencionou que “a beleza da brincadeira é que causa muito medo entre as mulheres”, ou seja, justamente o tipo de diversão que agradaria o senso de humor do monarca. Fantasiados, deveriam o rei e seus conselheiros entrarem num grande salão onde estaria acontecendo um baile, munidos todos de correntes e que gritassem o máximo possível enquanto aterrorizassem todos os presentes, a fim de passar a ideia de que se tratavam de bestas que haviam fugido. Como dito, o rei aceitou e assim procedeu. Sequer imaginou que estava caindo numa armadilha mortal criada por Hop-Frog a fim de satisfazer a sua vingança. Feita a brincadeira, quando, de fato, para o deleite do rei, todos os presentes no baile ficaram aterrorizados, em certo momento, quando os oito orangotangos se reuniram no meio do salão, Hop-Frog os içou com uma corrente que descia do teto. Neste momento, Hop-Frog anunciou aos presentes que revelaria quem eram os orangotangos. Foi então que praticou o seu crime: pegou um archote e ateou fogo em todos os orangotangos que se encontravam presos, acorrentados. Antes de fugir, Hop-Frog entoou um discurso onde revelava a motivação daquele crime:
Eis a motivação do crime de Hop-Frog, a vingança: um dos motivos se observa com frequência como fator dado como explicativo para a prática de homicídio. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Mestrando em Direito pela UNINTER Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR Referência: POE, Edgar Allan. Assassinatos na Rua Morgue e Outras Histórias. Porto Alegre: L&PM, 2016 Comments are closed.
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