O crime de desacato numa visão constitucional e convencional: STJ, STF e STM, quem tem razão?1/26/2018
Se existe uma infração que o militar adora imputar ao civil, é o crime de desacato. Quantas vezes não ouvimos falar de algum fato em que um civil, um pouco mais exaltado na hora de uma abordagem policial militar, foi preso por este crime? Também, de algum militar das forças armadas, em operação de garantia da lei e da ordem (GLO), que se sentiu ameaçado, e logo deu voz de prisão pela infração em questão?
Pois bem, estamos aqui para provocar o debate. Não colocarei como verdade absoluta o tema, mas quero instigar a análise convencional da infração penal de desacato. O crime de desacato está previsto no Código Penal Brasileiro, precisamente no artigo 331[1]. O legislador nos indica que ao se desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela, pode-se sofrer uma sanção de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos de detenção ou multa. Logo, observamos que esta pessoa responderá pela referida conduta nos juizados especiais criminais, por estarmos diante de uma infração de menor potencial ofensivo. Tem-se a mesma infração penal, prevista no artigo 341[2] do Código Penal Militar (CPM), apontando que desacatar autoridade judiciária militar no exercício da função ou em razão dela, pode levar a uma sanção com pena de reclusão de até 04 (quatro) anos. Ressalta-se que o códex repressivo militar traz a indicação de que, quando as penas são de reclusão, o mínimo genérico será de 01 (um) ano e o máximo será de 30 (trinta) anos[3]. Importante lembrar que no CPM, o desacato ainda tem três modalidades: o desacato a superior[4], a militar[5] e a assemelhado ou funcionário[6]. Mas o que é a conduta de desacatar? Delmanto[7] nos diz que “o núcleo desacatar traz o sentido de ofender, menosprezar, humilhar, menoscabar”. Diante disso, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no Recurso Especial 1.640.084/SP, em 15 de dezembro de 2016, que o crime de desacato à autoridade não pode ser considerado crime, porque vai de encontro às leis internacionais de direitos humanos. A referida tipificação é totalmente incompatível com o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica), que garante a qualquer pessoa o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Segue a ementa do referido julgamento:
Para aquela Turma do Superior Tribunal de Justiça, a condenação por desacato, baseada em lei federal, vai de encontro ao tratado do qual o Brasil é signatário. A decisão em sede de Recurso Especial, descriminalizando a conduta típica de desacato foi analisada num caso concreto, com efeitos inter partes, tornando-se, desta forma, um precedente daquela Corte. Porém, o STJ, no julgamento do Habeas Corpus nº 379.269/MS, realizado pela 3ª Seção, entendeu e decidiu que a conduta da infração de desacato continua sendo crime. Acompanhando o mesmo entendimento, o Superior Tribunal Militar. Assim, a pergunta que fazemos para o debate é: os tribunais não querem entender ou não entenderam ainda a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 466.343/SP? É cristalino o entendimento do nosso tribunal constitucional de que os tratados de direitos humanos, ratificados pelo país, têm força supralegal, "o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade”, conforme prescrito pelo Ministro Luiz Fux, na relatoria do Recurso Extraordinário apontado acima. Será que todo agente público, inclusive os militares, deve ter essa blindagem contra eventuais abusos praticados? O militar, seja ele das forças armadas ou estadual, deve se pautar pela responsabilidade de seus atos, principalmente por ser agente público? Sabemos que, por vezes, civis abusam também de seus direitos, destratando e menosprezando aquele agente, mas o Estado precisa limitar os abusos. Vê-se, pois, que essas questões suscitam o debate, que deve partir de um controle constitucional e convencional. Raimundo Albuquerque Referências 1. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, Brasília, DF, out 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm>. Acesso em: 23 jan. 2018. 2. BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. CÓDIGO PENAL, Brasília, DF, dez 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 23 jan. 2018. 3. DELMANTO, Celso., DELMANTO, Roberto., DELMANTO JÚNIOR, Roberto., DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Código Penal Comentado. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010. 4. STJ - REsp 1640084/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 01/02/2017. 5. STJ - HABEAS CORPUS Nº 379.269 - MS (2016/0303542-3). Terceira Seção. [1] Desacato Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. [2] Desacato Art. 341. Desacatar autoridade judiciária militar no exercício da função ou em razão dela: Pena - reclusão, até quatro anos. [3] Art. 58. O mínimo da pena de reclusão é de um ano, e o máximo de trinta anos; o mínimo da pena de detenção é de trinta dias, e o máximo de dez anos. [4] Desacato a superior Art. 298. Desacatar superior, ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro, ou procurando deprimir-lhe a autoridade: Pena - reclusão, até quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave. Agravação de pena Parágrafo único. A pena é agravada, se o superior é oficial general ou comandante da unidade a que pertence o agente. [5] Desacato a militar Art. 299. Desacatar militar no exercício de função de natureza militar ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro crime. [6] Desacato a assemelhado ou funcionário Art. 300. Desacatar assemelhado ou funcionário civil no exercício de função ou em razão dela, em lugar sujeito à administração militar: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro crime. [7] DELMANTO, Celso., DELMANTO, Roberto., DELMANTO JÚNIOR, Roberto., DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Código Penal Comentado. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 946 Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |