É curioso pensar em quanto os crimes em geral chamam a atenção, não apenas das pessoas que trabalham neste meio, mas do restante da população também. Particularmente, lembro que a pergunta do porquê escolher Psicologia Jurídica me era frequentemente realizada. Ao pensar um pouco, respondia que esse assunto me instigava.
Para além da parte científica, de pesquisas e da real prática dentro do âmbito jurídico, não é difícil perceber que o assunto instiga muitas outras pessoas tanto quanto quem estuda na área, diferenciando talvez pela ótica em que são visualizadas determinadas questões e pelo fato, lógico, de que a atuação, principalmente no Brasil, é bem distante da teoria. Mas, qual será o motivo dos crimes, principalmente os que envolvem situações mais bizarras e hediondas interessarem tanto? Thrillers psicológicos, livros policiais e demais tipos de artes vendem muito bem nesse setor, assim como programas que retratam casos reais e os próprios veículos midiáticos que noticiam essas ocorrências que estão cheios de seguidores. De acordo com Nassif e Campos (2005), ao explicarem o conceito de “interesse” de Claparède, eles determinam que, no que diz respeito à ação, seria o equivalente aquilo que importa. Indo mais a fundo, significaria um fato intermediário entre as necessidades do organismo e o meio; ou seja, entre o indivíduo e o objeto. Dessa forma, a ação, ou atividade, “é sempre resultado do interesse, o qual é visto como o aspecto psicológico da necessidade e responsável pelo restabelecimento do equilíbrio orgânico, mental ou espiritual.” Consequentemente, vê-se aí que a necessidade supre a demanda não apenas do aspecto biológico, mas também de outras esferas de um sujeito, já que pode-se entender o ser humano como um ser biopsicossocial e espiritual. No âmbito que é pretendido, criminal, supriria uma necessidade puramente psicológica ou ainda inclusive um pouco social, talvez. O fato é que instiga. Aquilo que é estranho, errado, que faz pensar o porquê e como aconteceu traz um sentimento de inquietude, mesmo que acompanhado de um “nunca irá acontecer comigo”. Todos esses “detetives e juízes de redes sociais” servem de exemplo para alertar o quanto um crime coberto pela mídia (pois são aqueles que mais chamam a atenção) pode instabilizar o cotidiano e o pensamento das pessoas. É prudente acompanhar aquilo que nos cerca e refletir sobre determinados assuntos. Quem estuda a área da criminologia precisa atualizar-se constantemente, visto que a sociedade muda e, por consequência, novas informações devem ser introduzidas no saber jurídico e psicológico. Não obstante, as obras ficcionais ou não, tais presentes no cinema e na literatura, agregam valor ao tomar a área também como entretenimento (além de despertar a população para certos questionamentos), e fazem com que as pessoas possam vivenciar como agem e pensam Hannibal Lecters e Clarices, sem um real risco. Entretanto, há diversos fatores que podem estar envolvidos que contribuem para que as coisas saiam de seus devidos lugares e tomem proporções não imaginadas. O que antes era um interesse pode virar algo mais complexo que desenvolve outras características dos seres humanos que nem sempre são saudáveis. A forma de experimentação e descobertas, atualmente, pende para o lado virtual, o que traz tantos pontos positivos quanto negativos. Nisso, pode-se encontrar um outro aspecto contemporâneo em que o acesso à informação é extremamente facilitado pelos dispositivos móveis e a rápida comunicação entre os usuários. Um assassinato que ocorreu do outro lado do mundo já pode ter comentários e opiniões formadas em cinco minutos, ou, pior, através de uma rede social que mostra um retrato falado, moradores de uma cidade espancarem até a morte uma vizinha que julgavam parecida com a pessoa da imagem divulgada. Não somente a mídia “formal”, regularizada, como a mídia que é feita por pessoas comuns que “simplesmente” compartilham informações, tem uma grande influência nos assuntos em voga. Nascimento (2015) dispõe dessa questão quando fala no quanto as notícias sensacionalistas exercem poder sobre a opinião pública, de maneira a manipular e até mesmo instigar o clamor do povo para que se prevaleça o desejo pela vingança e não pela justiça. Essa propagação desenfreada de informações, nesse complexo telefone sem fio em que a notícia final nunca será igual à original, juntamente com a sociedade do espetáculo em que vivemos hoje em dia, faz com que, de fato, haja uma movimentação quase que natural direcionando o interesse para crimes de grande repercussão e também para aqueles menores, como os que são apresentados por aquela conta do Twitter de notícias do seu bairro. Aparentemente, corpos achados em rios instigam muito mais dentre outras manchetes e a “sede” por mais informações sobre os casos é mantida. De onde vem essa vontade de saber, investigar e “participar” de crimes, tanto de sua resolução quanto de sua punição? Será que estamos tão carentes de real justiça que não facilitamos a organização das instituições devidas ou já perdemos o consenso do que é justiça? Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS NASCIMENTO, L. A. F. dos S. CRIMES MIDIÁTICOS: a influência da mídia nos crimes de grande repercussão nos últimos 20 anos no Brasil. Disponível em: <http://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/bitstream/handle/set/1292/TCC%20Ludmilla%20Aialla%20Fernandes%20dos%20Santos%20Nascimento.pdf?sequence=1>. Acesso em: 26 set. 2017. NASSIF, L. E. & CAMPOS, R.H.F. Édouard Claparède (1873-1940): interesse, afetividade e inteligência na concepção da psicologia funcional. Memorandum, 9, 91-104, 2005. Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a09/nassifcampos01.htm>. Acesso em: 26 set. 2017. Comments are closed.
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