Artigo do colunista Paulo Silas Filho no sala de aula criminal, vale a leitura! ''No campo do Direito há diferentes formas de se responsabilizar alguém juridicamente em razão da inobservância de uma proibição legal. O direito penal é apenas uma dessas formas – a mais grave delas. O Estado pode se valer também do Direito Civil ou do Direito Administrativo para buscar coibir condutas. Quando alguém fura o sinal vermelho, por exemplo, pratica com esse ato uma ilicitude, posto que existe proibição legal de agir nesse sentido. A consequência contra o motorista que não respeita o semáforo, porém, é atribuída pelo Direito no campo administrativo, repercutindo na imposição de multa e pontos na carteira. Assim, há diversas proibições que são tratadas no âmbito do Direito Administrativo, como também há diversas proibições que são tratadas no âmbito do Direito Penal''. Por Paulo Silas Filho Nos últimos dias a sociedade brasileira tem comentado com maior ou menor ênfase a questão que foi recentemente decidida pelo Supremo Tribunal Federal acerca da definição de um critério objetivo para distinguir o usuário do traficante de drogas. Se por um lado se tem o aspecto positivo desse fenômeno em que a comunidade dialoga e debate acerca de uma decisão judicial que acarreta em implicações de ordem prática em todo o âmbito nacional, por outro há o grande problema da disseminação de informações falsas que resultam de incompreensões sobre aquilo que de fato foi decidido pelo STF no final de junho desse ano.
No próprio meio jurídico há aqueles que não compreenderam o que de fato se decidiu no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 635.659, exigindo-se assim um estudo mais acurado da questão, evitando-se que discursos destoantes sobre o julgado em comento sejam propagados indevidamente. A análise nesse sentido exige parcimônia, atenção e tempo, suspendendo-se juízos críticos prévios que atrapalhem a compreensão daquele que busca entender minimamente o que ficou decidido pelo STF sobre o tema. Dados os limites de espaço nos quais o presente texto está situado, aponta-se para algumas questões de base que precisam ser consideradas e resolvidas como um primeiro passo na busca pela compreensão daquilo que vem sendo anunciado como a decisão que descriminalizou o porte de drogas para consumo próprio. Em primeiro lugar, não houve legalização de qualquer droga. O tráfico permanece sendo um crime com sanção penal considerável (conforme prevê o artigo 33 da Lei n.º 11.343/06), assim como não houve qualquer tipo de liberação para o uso de drogas consideradas ilícitas. Não há que se falar em liberação, portanto. Em linhas gerais, o que o STF decidiu sobre a questão foi o afastamento da natureza penal da conduta de portar droga para consumo próprio. A ilicitude permanece sendo considerada enquanto tal, mas não no campo penal, o que significa dizer que aquele que tem consigo droga ilícita para consumo próprio não incorre em prática criminosa, mas ao mesmo tempo continua esse ato sendo um ilícito. No campo do Direito há diferentes formas de se responsabilizar alguém juridicamente em razão da inobservância de uma proibição legal. O direito penal é apenas uma dessas formas – a mais grave delas. O Estado pode se valer também do Direito Civil ou do Direito Administrativo para buscar coibir condutas. Quando alguém fura o sinal vermelho, por exemplo, pratica com esse ato uma ilicitude, posto que existe proibição legal de agir nesse sentido. A consequência contra o motorista que não respeita o semáforo, porém, é atribuída pelo Direito no campo administrativo, repercutindo na imposição de multa e pontos na carteira. Assim, há diversas proibições que são tratadas no âmbito do Direito Administrativo, como também há diversas proibições que são tratadas no âmbito do Direito Penal. Por mais que há anos já existisse uma controvérsia no meio jurídico sobre em que sentido se dava a infração do porte de drogas para consumo próprio, sempre prevaleceu o entendimento de que a natureza dessa infração era penal, o que significa dizer que, por mais que as penalidades previstas em lei para o usuário de drogas não acarretem em prisão, portar drogas para a própria pessoa consumir era considerado um crime com todas as consequências inerentes da prática de um ilícito penal. Dito isso, a decisão do STF acerca do tema implicou no sentido de continuar considerando o porte de droga para consumo próprio uma infração jurídica, mas não mais de caráter penal, de modo que a inconstitucionalidade (sem redução de texto) declarada pela Corte para com relação ao artigo 28 da Lei n.º 11.343/06 assim foi julgada a fim de que fosse afastada qualquer efeito de natureza penal do dispositivo, mantendo-se, porém, as medidas previstas no texto legal até que o Congresso Nacional legisle especificamente sobre a matéria. Em segundo lugar, a decisão do STF fala em maconha (cannabis sativa) enquanto droga ilícita a que diz respeito o julgado, pelo que é com relação a essa substância que a decisão produz os seus efeitos. Em terceiro lugar, por permanecer sendo um ilícito jurídico, não passou a existir qualquer permissão expressa para portar maconha para consumo ou até mesmo consumi-la. A decisão foi bastante clara na tese firmada ao preceituar que a autoridade policial deve apreender a substância ilícita e notificar o usuário para comparecer em juízo, afastando-se apenas, como já pontuado, o efeito penal da reprimenda cabível. Por fim, mas longe de encerrar a discussão sobre o tema que merece uma abordagem muito mais ampla, o fator que talvez mais tenha chamado a atenção na decisão foi a adoção do critério das 40g para distinguir o traficante do usuário de drogas. O STF assim decidiu para estabelecer um critério objetivo para o enquadramento de pessoas abordadas portando maconha enquanto usuárias ou traficantes, o que não existia até então. É aqui que se teve a efetiva novidade, mas que ainda assim não resolve em definitivo a problemática que paira sobre a questão. Ao fixar o critério das 40g, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu uma presunção jurídica de que o porte de maconha dentro desse limite de peso é destinado para o consumo pessoal, de modo que a pessoa deverá ser considerada e enquadrada como usuária. Entretanto, a tese fixada pela Corte também declara que essa presunção é relativa, sendo possível a prisão da pessoa que portar droga mesmo abaixo dos 40g ao se enquadrá-la como traficante, ou seja, atribuindo-se o caráter penal à conduta tendo em vista poder estar a se tratar do delito de tráfico de drogas previsto no artigo 33 da Lei n.º 11.343/06, de modo que a autoridade policial pode avaliar as circunstâncias do fato para avaliar se há indícios de comercialização da substância, afastando-se por conseguinte e presunção de que a pequena quantidade é destinada para consumo próprio de quem porta as poucas gramas de maconha. Observa-se assim, mesmo que em uma exposição inicial mínima e concisa sobre o julgado em comento, que o que o STF decidiu acerca do tema é bem diferente do que está a se propagar erroneamente no senso comum. Há muito o que ainda se avançar, analisar detidamente e dialogar criticamente sobre a política de drogas no Brasil. O primeiro passo, porém, é se ver livre de incompreensões e interpretações equivocadas sobre o que se tem decidido atualmente sobre o tema pelo Poder Judiciário. Somente assim o debate pode ser proveitoso e salutar. Paulo Silas Filho Mestre em Direito; Especialista em Ciências Penais; Especialista em Direito Processual Penal; Especialista em Filosofia; Especialista em Teoria Psicanalítica; Bacharelando em Letras (Português); Professor de Processo Penal e Direito Penal (UNINTER e UnC); Advogado.
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