Artigo do colunista Samuel Ebel Braga Ramos e Carolina de Souza Lopes no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Diante das dificuldades apresentadas no momento de inquirir o infanto-juvenil, fora instituído o projeto Depoimento Especial como método inovador, onde restringe o ambiente frio e constrangedor de uma sala de audiência tradicional. Desse modo o projeto de oitiva especial tem o intuito de uma escuta humanizada, com mais profissionais participando do ato, bem como os psicólogos. Conta ainda com sala totalmente adequada para receber uma criança ou adolescente. Sendo assim, o ponto principal dessa modalidade é evitar uma possível revitimização, tendo em vista a vulnerabilidade do indivíduo. Para tanto, o deslinde resultará em um depoimento mais tranquilo, haja vista o ambiente mais receptivo''. Por Samuel Ebel Braga Ramos e Carolina de Souza Lopes A modalidade inovadora de oitiva da vítima no momento da inquirição tem por objetivo central um toque mais humanizado, buscando a redução do dano durante a produção de provas em processos. Portanto, além da proteção integral da criança e da adolescente vítima de abuso sexual, a oitiva especial busca a não revitimização, determinando quando possível, a escuta do depoimento da vítima uma única vez, evitando assim novos danos psíquicos e a potencialização do trauma. Deste modo, o estudo do depoimento especial é um método inovador no que tange a oitiva de vítimas nos casos de abuso sexual contra criança e adolescente.
Um exemplo foi o magistrado José Antônio Daltoé Cezar, idealizador do projeto “Depoimento Sem Dano”, e partir das atribuições necessárias para o exame de vários delitos previstos no ordenamento jurídico nacional, o magistrado notou que havia dificuldades no momento de inquirir as vítimas em juízo ante a inadequação dos meios físicos e humanos utilizados pela justiça criminal, uma vez que as informações prestadas na fase policial não se confirmavam em Juízo. Sendo assim, a situação descrita ocasionava constrangimento para todos que participavam do ato solene, principalmente para as crianças e adolescentes apontados como abusados. Desde então, procurou o magistrado o auxílio nos conhecimentos de psicologia e psicanálise, pois estava ciente dos problemas existentes e, dessa maneira, visualizou a possibilidade de incluir outros profissionais no momento da inquirição de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. O objetivo do projeto se concentrou em tirar as vítimas de abuso sexual infantil do ambiente formal da sala de audiências e transferi-los para uma sala especialmente projetada, devidamente equipada com vídeo e áudio, ao local onde se encontram o Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, réu e serventuários da justiça. Desse modo os depoimentos seriam realizados de forma mais tranquila e profissional, tendo em vista o ambiente mais receptivo com a intervenção de técnicos previamente preparados, evitando perguntas inapropriadas e agressivas (CEZAR, 2007). Após o depoimento, o qual é gravado na íntegra, esse é copiado a um disco e juntado na contracapa do processo, possibilitando as partes e ao magistrado de rever o depoimento e afastar eventuais dúvidas, até mesmo em sede recursal, para que os julgadores consigam ter acesso as emoções nas declarações as quais jamais seriam passiveis de serem transferidas para um papel. Portanto, os procedimentos acima narrados, alcançam três princípios fundamentais do projeto, tais quais, a redução de dano durante a produção de provas, a garantia integral dos direitos da criança e adolescente e por fim a melhoria na produção de prova produzida. A oitiva gravada possibilita rever quantas vezes for necessário o depoimento, sem que a vítima seja intimada a ir em juízo novamente (CEZAR, 2007). A primeira audiência especial do depoimento sem dano ocorreu no dia 06 de maio de 2003, em processo por ato infracional que tramitou perante a 2° Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre. Na ocasião se percebeu de imediato tamanha tranquilidade da vítima – antes, durante e após o depoimento – e também a forma conveniente de realizar a inquirição. É importante salientar que desde abril de 2003 até dezembro de 2005, quando o projeto completou trinta e dois meses de funcionamento, foram realizados na 2° Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, 398 inquirições, sendo 55 no ano de 2003, 138 no ano de 2004, e 205 no ano de 2005. Os números elencados demonstram que o projeto desde o início surtia o efeito almejado. Nesse sentido, Cezar (2007, p. 67) afirma que é de grande importância que o técnico entrevistador, assistente social, psicólogo, facilite o depoimento da criança e tenha habilidade em ouvir, paciência, empatia e disposição para acolhimento. Desse modo para que o depoimento seja realizado com sucesso, tanto para o bem-estar da vítima e qualidade da prova produzida, o técnico tenha experiência em perícias, pensamento hábil e articulado que permita a fácil interação de todos que estão a participar da audiência (CEZAR, 2007). Nesse ínterim a dinâmica do depoimento sem dano busca a redução do dano durante a produção de provas em processos, onde a vítima ou testemunha seja criança ou adolescente. Sendo assim, faz-se necessário a valoração de sua palavra, respeitando a condição de pessoa em desenvolvimento. Portanto, o acolhimento inicial deve ter duração de aproximadamente quinze a trinta minutos, quando se inicia a etapa com intimação do responsável pela criança ou adolescente para o comparecimento em audiência, com antecedência de trinta minutos ao seu início, e serão acolhidas por psicólogo. Tal medida visa evitar o encontro da vítima com o réu, ainda que rapidamente, pois dessa maneira serão reduzidas as chances de um abalo psicológico antes da oitiva (CEZAR, 2007). Posteriormente o técnico presta esclarecimentos à criança e ao responsável sobre os papeis a serem desempenhados em audiência, pelo magistrado, promotor de justiça, advogado e técnico depoente. Ainda, nesse primeiro momento o técnico tem a oportunidade de conhecer a linguagem expressiva da criança (CEZAR, 2007). Em virtude dos fatos mencionados, existem alguns aspectos práticos para o depoimento sem dano, dentre eles que todos os técnicos devem compreender a dinâmica do abuso sexual, pois durante o procedimento se deve passar para a criança a ideia de que a responsabilidade do fato é do adulto. Estar atento ao desconforto que a vítima sente no momento da inquirição; procurar saber sobre o perfil familiar em que a criança ou adolescente estão inseridos, familiarização com as normas legais dentre elas o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal; observar o tempo decorrido entre o fato abusivo e o momento da oitiva por questões de memória; adequar o vocabulário para ouvir a criança; estudar previamente o processo; verificar indicadores de que a vítima estaria sob coerção ou coação para o depoimento; estabelecer um protocolo mínimo com a criança e adolescente e, por fim, compreender o estágio de desenvolvimento da criança e adolescente no aspecto emocional, social e físico (CEZAR, 2007). As perguntas a serem feitas durante o depoimento sem dano devem ser seguidas por perguntas abertas. Nas palavras de Cezar (2007, p. 75): As perguntas abertas, como ‘’O que aconteceu quando você ficou com seu tio no dia em que seus pais viajaram?’’, são aquelas que preferencialmente devem ser utilizadas durante o depoimento da criança/adolescente, eis que permitem que o relato seja apresentado segundo a visão que a vitima possui sobre o fato investigativo, afastando, de antemão, qualquer possibilidade de haver indução a uma resposta pré-elaborada. Posteriormente se realizam perguntas fechadas conforme assevera o autor (CEZAR, 2007, p.75): As perguntas fechadas – como ‘’Seu tio a beijou na boca quando ficou sozinho com você?’’; embora também sejam admitidas no decorrer da instrução, devem, sempre que possível, ser evitadas eis que sugerem claramente a prática de uma ação proibida e condenada, abuso sexual, que só podem ser respondidas pela confirmação ou negação, ‘’sim’’ e ‘’não’’. Logo, no acolhimento final da prática do depoimento sem dano, diferente de uma audiência tradicional que ao final da inquirição a vítima é dispensada e não mantém mais qualquer contato com o sistema judiciário, o técnico permanece trinta minutos pós-audiência com a criança ou adolescente e sua família, realizando a devolução do depoimento. Ainda, o técnico realiza intervenções tais como encaminhamento para atendimento junto à rede de proteção, podendo realizar conversa a respeito dos sentimentos de tristeza, raiva, culpa, vergonha, e identificar através desses aspectos como a família está lidando com os conflitos familiares (CEZAR, 2007). Todo esse procedimento final tem o intuito de mostrar para a vítima que ela não foi somente um objeto fim para o processo judicial, mas que ela tem grande importância e rede de apoio disponível (CEZAR, 2007). Após essa iniciativa inovadora e humanizada no poder judiciário, o projeto do “Depoimento Sem Dano” passou a ser obrigatório em todas as comarcas do país, e atualmente institucionalizado de acordo com a Lei 13.431/2017, com autoria da Deputada Maria do Rosário. Tal iniciativa que teve origem na Vara Criminal de Porto Alegre, desde então tem base legal para aplicabilidade. Sendo assim, em consonância, o Artigo 11° Lei 13.431/2017 resguarda a intimidade da vítima, determinando que a oitiva seja realizada uma única vez nos casos possíveis, vejamos: Art. 11. O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado. § 1º O depoimento especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova:
Ademais, a Lei 13.431/2017 em seu Artigo 14° caput, determina a total segurança e acessibilidade a vítima, segue: Art. 14. As políticas implementadas nos sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde deverão adotar ações articuladas, coordenadas e efetivas voltadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência. Por fim, Cezar (2007, p. 113) afirma que o Processo Penal está se modificando, principalmente na função da interdisciplinaridade, tratando-se de uma obrigação dos operadores do Direito em adaptarem técnicas jurídicas relacionadas às necessidades sociais. Sendo assim, se faz necessária as diferentes visões para se chegar a um resultado inovador e efetivo. Portanto, resta evidente que a Lei 13.431/2017 teve uma contribuição brilhante do projeto elaborado pelo magistrado José Antônio Daltoé Cezar, o qual teve uma visão ímpar acerca das necessidades apresentadas pelas vítimas de abuso sexual infantil. O depoimento especial na Vara de Infrações Penais contra crianças, adolescentes e idosos, infância e juventude na Comarca de Curitiba – Paraná: Para exemplificar a funcionalidade do depoimento especial, o presente texto irá centralizar a pesquisa na Vara de Infrações Penais Contra Crianças, Adolescentes e Idosos e Infância e Juventude, localizada na cidade de Curitiba-PR. Este juízo tem utilizado a modalidade de Depoimento Especial de forma efetiva. Por esse motivo, o magistrado Osvaldo Canela Junior, Juiz de Direito deste juízo, no uso de suas atribuições legais, e por meio da Portaria de número 03/2017, sem prejuízo da observância do contido no Código de Processo Penal e no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça, e se atentando as disposições contidas na Lei n° 13.431, de 4 de abril de 2017, em especial o seu art. 11, estabeleceu um Protocolo de Depoimento Especial, o qual é seguido fidedignamente em todas as audiências que versam sobre o crime de abuso sexual. Tal protocolo regula todos os atos praticados para a coleta das declarações de crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de infrações penais. Desse modo, o protocolo visa a redução de potenciais danos decorrentes da produção do meio probatório, resguardando os direitos fundamentais de criança e adolescentes, conforme Artigo 1°, §1° da portaria de número 3/2017. Desse modo, o rol de princípios, localizados no Artigo 2°, inciso VIII, da portaria número 3/2017 resguardar a não-revitimização. Nesse sentido, o Artigo 5° da portaria número 3/2017, exige que a criança, adolescente, vítima ou testemunha, seus genitores ou representantes legais e os advogados, inclusive a assistência da acusação, serão recepcionados por servidor devidamente capacitado para tal ato. Porquanto, como já fora relatado, a vítima de um abuso sexual está predominantemente vulnerável, sendo assim, o magistrado de forma impecável, no Artigo 6° da portaria, constituiu atos de recepção, e no inciso I, determinou que a vítima tenha atendimento imediato, e seja encaminhada ao Setor de Psicologia diretamente. Vejamos: Artigo 6°. Constituem atos de recepção:
Já no Setor de Psicologia os profissionais altamente capacitados tomam providências necessárias para que a vítima ou testemunha, seja apresentada ao Magistrado, Ministério Público, ao Defensor Público, aos Advogados e aos servidores responsáveis por acompanharem os atos da audiência de instrução e julgamento. No parágrafo primeiro do artigo mencionado, o setor de psicologia prestará esclarecimentos a vítima ou testemunha sobre a natureza do Depoimento Especial, seu objetivo, procedimento, e ainda resolverá eventuais dúvidas. Tais informações prestadas acalentam a vítima, que posteriormente terá que relatar e memorar o crime ocorrido. A atuação dos psicólogos nesse momento é tão considerável que no Artigo 8° da portaria número 3/2017, fica autorizado ao profissional, realizar pelo período que julgar necessário, apreciações do procedimento a ser adotado, considerando alguns elementos, bem como, predisposição da vítima se manifestar espontaneamente; condições psicológicas para manifestação; adequação a um dos procedimentos; a existência de relatórios de avaliação ou laudos periciais já realizados na fase inquisitorial ou perante outros juízos, principalmente pelas Varas de Família e Infância e Juventude. Realizada as apreciações, o setor de psicologia indicará, por parecer, alguns procedimentos, tais quais, Depoimento Especial com abordagem direta; Depoimento Especial com abordagem mediada; Depoimento Especial isolado e monitorado; Depoimento Especial isolado e não monitorado; Avaliação Psicológica. E se nesse ínterim concluírem que houve inadequação de qualquer procedimento, o setor emitirá parecer no sentido de não-intervenção e justificará o posicionamento. Importante salientar que os procedimentos escolhidos para realização do Depoimento Especial são indicados segundo a situação individual de cada vítima, levando em consideração a vulnerabilidade, e se compatíveis com as condições apreciadas pelo setor de psicologia. Outro fato existente na portaria, é que o Depoimento Especial com abordagem direta consiste na escuta qualificada da vítima em Sala de Depoimento Especial ou Sala de Audiências na presença do Magistrado, do representante do Ministério Público, do Defensor Público, dos Advogados, inclusive Assistente de Acusação. O psicólogo presente à audiência poderá, caso conclua que a questão formulada pelos presentes possa causar dano psicológico à vítima ou à testemunha, pedir a palavra ao Magistrado para recomendar o indeferimento da questão, sugerir alteração da abordagem que intervenha diretamente no questionamento à vítima ou à testemunha, a fim de esclarecer o fato indagado. Ao final do Depoimento Especial o Magistrado questionará o Psicólogo, na ausência da vítima ou testemunha, sobre eventuais considerações finais, facultando às partes e à assistência da acusação a palavra para esclarecimentos, os quais serão sanados imediatamente, de forma oral e armazenados pelo sistema audiovisual, sem incursão sobre os fatos declinados na denúncia ou acerca do juízo de veracidade da manifestação da vítima ou testemunha, conforme Artigo 12 e parágrafos. No caso do Depoimento Especial com abordagem mediada, conforme Artigo 13°e parágrafos seguintes, consiste em escuta qualificada, na Sala de Depoimento Especial ou Sala de Audiências, com a formulação dos questionamentos à criança ou ao adolescente, vítima ou testemunha, diretamente pelo Psicólogo, seguindo-se de eventuais questionamentos pelo Ministério Público, pela Assistência da Acusação, pela Defesa e pelo Magistrado. Essa modalidade é indicada nas hipóteses em que o setor de psicologia, a vítima ou a testemunha, embora tenha condições de se manifestar em audiência sem maiores danos, possuam mobilizações a desaconselharem o Depoimento Especial com abordagem direta. Caso o Psicólogo conclua que a continuidade de audiência possa causar prejuízo psicológico a vítima ou a testemunha, recomendara o imediato encerramento do ato e proporá, fundamentadamente, outro procedimento a ser adotado, nos termos do artigo. 9°. Ao final, como no procedimento anterior, será oportunizado ao psicólogo que faça considerações finais, facultando às partes e à assistência da acusação a palavra para esclarecimentos, os quais serão sanados imediatamente e de forma oral. Por fim, o procedimento de Depoimento Especial isolado e não monitorado será realizado nas hipóteses em que critério do Setor de Psicologia, e os procedimentos previstos no artigo 9. °, incisos I, II e 111, mostrarem-se invasivos, quando iniciados, a continuidade se revelar inviável, segundo as condições psicológicas da vítima, será aconselhado a coleta de relato da vítima ou testemunha, em abordagem reservada. Esse método não é monitorado e poderá ser realizado durante o transcurso da audiência de instrução e julgamento, na sala do Setor de Psicologia, com apresentação imediata do relato ao término do ato, de forma oral ou escrita, quando, então, poderão as partes solicitar esclarecimentos. Caso não seja possível a produção do Depoimento Especial isolado e não monitorado durante o transcurso da audiência de instrução e julgamento, a vítima ou testemunha, seus genitores ou responsáveis legais, as partes e a assistência da acusação serão intimadas da data designada para a sua realização, conforme Artigo° 15 e parágrafos seguintes. Além disso, quando o setor de psicologia verificar que a vítima ou testemunha possa desenvolver graves danos psicológicos, produzidos até mesmo na fase inquisitorial, será necessária emissão de não-intervenção. Sendo assim, as partes e a Assistência de Acusação poderão formular questionamentos ao Psicólogo, que tem por obrigação responder de imediato, de forma oral, armazenado ainda o incidente no sistema audiovisual, conforme está explícito no Artigo 17°: Artigo 17. Quando o Setor de Psicologia reputar que a escuta da vítima outestemunha possa resultar em graves danos psicológicos, ou seja dispensável diante de outros relatórios psicológicos fidedignos, produzidos,inclusive, na fase inquisitorial, emitirá parecer de não-intervenção.Parágrafo único: As partes e a Assistência de Acusação poderão formularquestionamentos ao Psicólogo, que os responderá de imediato, de forma oral, armazenando-se o incidente no sistema audiovisual. (Portaria, n° 3/2017, fl. 14). Levando-se em conta o que foi observado o Artigo 21° e 22° da portaria, esclarecem que o setor de psicologia tomará as providências necessárias para o tratamento e a recuperação de crianças adolescentes vítimas ou testemunhas de infrações penais, propondo a formação de convênios ou de protocolo de intenções. Logo, o acompanhamento terapêutico a essas vítimas é de extrema importância, haja vista que essa tem a necessidade de cuidados específicos e tratamento continuo para amenizar as dores desse trauma desencadeado. Ao longo dos artigos da portaria mencionados anteriormente, é possível verificar que é apontado diversas vezes o uso do manual de Orientações para o Depoimento Especial. O exposto manual consiste em uma orientação para os profissionais que atuam na Vara de Infrações Penais Contra Crianças, Adolescentes e Idosos e Infância e Juventude, localizada na cidade de Curitiba-PR. Tal orientação é baseada na necessidade especial das vítimas, as quais por se encontrarem em situação de desenvolvimento devem ser destinatárias da proteção integral e resguardas de toda forma de violência institucional, pois gozam de direitos específicos à sua condição de vítima ou testemunha. O procedimento da Oitiva das Vítimas segue o dito no Protocolo. A vítima será intimada a comparecer na presente Vara com 30 (trinta) minutos que antecedem a audiência para a sua devida preparação. Já o réu será intimado a comparecer com 15 (quinze) minutos antes do horário agendado para audiência, sendo assim é função do advogado do réu em orientá-lo para que respeite o horário estipulado, com intuito de evitar o encontro com a vítima, familiares e testemunhas. As medidas necessárias durante a audiência, conforme Manual de Conduta estipula que as primeiras perguntas devem versar sobre assuntos neutros. Todos os presentes no ato devem demonstrar interesse pelo que a criança e/ou adolescente está falando, sempre motivando com palavras chaves, bem como ‘’me conte tudo sobre isso’’. Buscar não interromper, respeitando o ritmo da criança e/ou adolescente, o tempo para falar e principalmente os momentos de silêncio. É necessário suportá-los de maneira a não pressionar a vítima em seu discurso, para que ela possa reconstruir as circunstâncias do evento mentalmente, pois tal processo demanda grande empenho cognitivo de quem está respondendo. As perguntas devem ser feitas uma de cada vez, com clareza. O manual sugere que sejam feitas primeiramente perguntas abertas e depois as fechadas. A fala é de extrema importância nessa fase de oitiva, pois o silêncio pode ser penoso para a vítima e por meio da fala pode aliviar os sentimentos de ansiedade e tristeza desencadeados pelos fatos vivenciados, conforme ponto 6 (seis) do manual. As perguntas devem ser criteriosas no sentido de não ofender a vítima. O ponto 9 (nove) do Manual é criterioso ao determinar que quando a vítima atingir o ponto onde se indicara o relato da situação de violência tratada no processo, deve-se assegurar a criança ou adolescente a livre narrativa através de perguntas abertas. Portanto, o Protocolo e o Manual do Depoimento Especial, utilizados em sintonia, possibilitam a vítima um tratamento mais humanizado, tendo em vista o impacto do crime ocorrido na sua vida. Pode-se observar que o magistrado foi completamente coerente na criação do Protocolo e Manual. CONSIDERAÇÕES FINAIS Resta claro que a oitiva da vítima ou testemunha de crimes sexuais pode ser bastante traumática, principalmente em se tratando de criança e adolescente, indivíduos os quais estão em plena fase de desenvolvimento, e tão cedo tem seus direitos violados. Dada às vezes, o depoimento é o único meio de prova possível de ser produzido, haja vista que esse tipo de delito ocorre - na sua maioria - em segredo absoluto. Portanto a palavra da possível vítima necessita de maior valoração. De certo modo é tarefa do judiciário buscar alternativas para que esse momento de colheita do depoimento seja menos doloroso para a criança e adolescente. Diante das dificuldades apresentadas no momento de inquirir o infanto-juvenil, fora instituído o projeto Depoimento Especial como método inovador, onde restringe o ambiente frio e constrangedor de uma sala de audiência tradicional. Desse modo o projeto de oitiva especial tem o intuito de uma escuta humanizada, com mais profissionais participando do ato, bem como os psicólogos. Conta ainda com sala totalmente adequada para receber uma criança ou adolescente. Sendo assim, o ponto principal dessa modalidade é evitar uma possível revitimização, tendo em vista a vulnerabilidade do indivíduo. Para tanto, o deslinde resultará em um depoimento mais tranquilo, haja vista o ambiente mais receptivo. Portanto, conclui-se que o depoimento especial cumpre sua finalidade no que tange a produção de provas, sem ferir princípios processuais e constitucionais, para que não haja nenhuma injustiça com o acusado e vítima. Nesse sentido, a redação da Lei 13.431/17, foi específica em prever que em alguns casos é possível realizar única colheita de depoimento, com intuito de preservar a integridade psíquica do indivíduo. Ademais, quando não restar outro meio comprobatório, o depoimento pode ser utilizado como única prova para a constatação do suposto abuso. Importante salientar que os operadores do Direito devem estar em constante atualização, principalmente no que versa a Lei 13.431/17, pois precisam aperfeiçoar as técnicas utilizadas, tendo em vista que as demandas no judiciário têm suas peculiaridades e devem ser tratadas de forma singular. Samuel Ebel Braga Ramos Advogado. Mestre em Direito (2019). Professor de Direito Penal na Faculdade de Educação Superior do Paraná - FESP. Pós Graduado em Direito Tributário (2017). Extensão em Direito Penal e Processual Alemão, Europeu e Internacional pela Georg-August-Universität Göttingen, Alemanha (2016). Presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da ANACRIM/PR. Email: [email protected] Carolina de Souza Lopes Bacharel em Direito pela Faculdade de Educação Superior do Paraná - FESP. Pesquisadora na área da psicologia jurídica com ênfase em delitos sexuais. Referências: ADED, Naura Liane de Oliveira et al. Abuso sexual em crianças e adolescentes: revisão de100 anos de literatura. São Paulo: Psiquiatria Clínica, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 60832006000400006&lng= en&nrm=iso> Acesso em: 10 de agosto de 2019. BERGERET, J. Psicologia patológica. 1ª ed. Lisboa: Climepsi, 1998. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. BONAVIDES, Paulo. 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