Em fevereiro do ano de 2016 o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de 7 votos a 4, no julgamento do habeas corpus nº 126.292, pela possibilidade de início do cumprimento da pena quando da manutenção da condenação em segundo grau.
Ante o referido julgamento pelo STF, duas ADC’s foram propostas, pelo PEN (Partido Ecológico Nacional – ADC 43), e pelo Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil – ADC 44), as quais tiveram suas cautelares julgadas em outubro de 2016, sendo que, por maioria de 6 votos a 5, foram negadas, mantendo-se a decisão tomada anteriormente pela Suprema Corte. Este artigo busca abordar algumas questões práticas decorrentes de tal posicionamento do Pretório Excelso, tais como o direito do réu de ter reparado o dano moral sofrido em decorrência do cumprimento de uma sentença penal condenatória que posteriormente vem a ser reformada e esse réu inocentado, ou seja, a reparação pelo cumprimento de uma pena por um inocente, bem como o dever de o Estado pleitear a devida ação de regresso em face do magistrado que determinou o início do cumprimento daquela pena antes do trânsito em julgado. Dispõe a Constituição Federal de 1988, considerada como a constituição cidadã, em seu art. 5º, inciso LXVI, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, sendo que deste texto constitucional advém o Princípio constitucional da Presunção de Inocência. Segundo a disciplina de PUCCINELLI JÚNIOR acerca do supracitado princípio constitucional:
Apesar do texto constitucional, com sua clareza indiscutível, tem-se ainda o texto infraconstitucional disposto no art. 283 do Código de Processo Penal, o qual disciplina que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. (grifo nosso) Ora, é evidente que o legislador infraconstitucional, com o intuito de dar maior efetividade à presunção de inocência, fez questão de incluir o requisito do trânsito em julgado para a prisão – aqui entendida como o início do cumprimento da pena –, sendo que as demais formas de prisão (cautelares) não dizem respeito ao mérito do processo, ao contrário do que entendeu o Pretório Excelso no supracitado entendimento, e que, ao nosso entender, data venia, desrespeita por completo o texto constitucional. Doravante, deixando-se de lado o mérito do referido entendimento do STF, analisemos, pois, as implicâncias práticas da aplicação do novel entendimento pelos tribunais de segunda instância. Imaginemos um acusado condenado em primeiro grau por determinado crime, condenação esta da qual recorre ao tribunal competente. O tribunal, então, aplicando o entendimento exarado pelo STF, ao manter a condenação, determina o imediato cumprimento da pena. O réu é preso. Todavia, não se conforma e interpõe recursos aos tribunais superiores, os quais, em apurada análise do caso, meses após o início do cumprimento da pena por parte do réu, reconhecem que tal condenação fora ilegal. Ora, neste caso o Estado errou. Errou na medida em que levou um cidadão a cumprir uma pena que não merecia, tal como mais tarde reconhecido pelo próprio Poder Judiciário. Todavia, ainda que tal acusado seja imediatamente posto em liberdade, e tendo como reconhecida a sua inocência, o tempo que ficou preso cumprindo aquela condenação ilegal jamais lhe será recomposto. Mas, deste reconhecimento judicial do erro por parte do Estado, nasce para este acusado o direito de ter reparado o dano sofrido decorrente daquele erro judicial. E, na mesma medida, nasce o dever de reparação por parte do Estado. A responsabilidade civil do Estado é de caráter objetivo, segundo a teoria do risco administrativo. E, acerca da responsabilidade objetiva do Estado, assim conceitua MELLO:
Importa, outrossim, salientar que, nos dizeres de GASPARINI, não se trata de responsabilidade civil da administração pública, tal como preferem alguns autores, mas sim “responsabilidade civil do Estado, posto que o dano pode advir de atos legislativos ou judiciais, e não só de atos administrativos, como essa expressão pode induzir”.[3] Nesta toada, denota-se que, em se tratando de responsabilidade civil objetiva por parte do Estado, a conduta que gerou o dano ao então acusado, qual seja, a determinação de execução da condenação antes do trânsito em julgado, independe de culpa ou dolo de quem a praticou, ainda que, nesses casos, haja a culpa por parte do magistrado – isto que será analisado nos requisitos da ação de regresso –. Assim sendo, mero fato de o réu iniciar o cumprimento da pena imposta pela decisão de segundo grau, e posterior reversão do julgado nas ulteriores instâncias gera, per si, o direito de ter reparado tal dano por parte do Estado. Reparação esta que se dará pecuniariamente, na medida em que o tempo que o acusado ficou preso, bem como seu abalo psicológico decorrente disto, jamais retornará ao status quo ante. A responsabilidade civil do Estado frente aos particulares encontra fundamento no §6º, do art. 37, da Constituição Federal, o qual assim dispõe:
E deste mesmo dispositivo também se extrai o dever de o Estado regressar em face do agente que gerou tal dano e consequente prejuízo aos cofres públicos. Vale dizer que o a ação de indenização por parte do particular frente à Administração Pública é faculdade, na medida em que é um direito seu ingressar ou não para ter seu dano reparado. Todavia, uma vez indenizado pelo Estado, este tem o dever de buscar restaurar seu patrimônio, o que o faz frente ao causador daquele dano, quando este agiu com culpa ou dolo para causar o dano. E acerca do dever da Administração regressar contra o causador do dano para reaver seu patrimônio, assim disciplina GASPARINI:
Denota-se, outrossim, que o requisito fundamental para que o Estado possa regressar contra o agente que deu origem ao dano indenizado ao particular, deve-se provar o dolo ou culpa por parte daquele agente, sendo esta prova conditio sine qua non para a ação de regresso. Deste mesmo modo disciplina o supracitado autor, ao dizer que “a ação regressiva é medida judicial de rito ordinário, que propicia ao Estado reaver o que desembolsou à custa do patrimônio do agente no desempenho de suas funções. Essa ação não cabe se o agente público não agiu com dolo ou culpa”.[5] Desta feita, por mais que haja este óbice para a ação de regresso, qual seja, a prova do dolo ou culpa por parte do agente público causador do dano indenizado ao particular, entendemos que, nos casos aqui tratados, há a indubitável presença da culpa no agir dos magistrados ao determinar o início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado daquela decisão condenatória, na medida em que têm ciência de que tal decisão pode ser revertida em sede de recursos aos tribunais superiores. Certamente que o Estado, no exercício do ius puniendi, não pode retirar os direitos legais, e muito menos os constitucionais dos acusados, sob pena de se abrir espaço para moldar o texto constitucional ao bel prazer, ou mais adequado ao momento político vigente. Os direitos e garantias constitucionais não podem ser retirados e/ou alterados para se dar efetividade aos anseios estatais. Diante de tal reflexão, entendemos que, a partir do momento em que um acusado é forçado a cumprir uma pena antes de ter sua culpa definitivamente provada, sua presunção de inocência é indubitavelmente violada. E, a partir do momento em que este acusado obtém uma confirmação judicial de sua inocência, este tem o direito de ser reparado objetivamente por parte do Estado, o qual não garantiu seus direitos frente àquele processo que lhe gerou o dano. Mas não somente isto. O Estado, ao se deparar com o dever de reparar pecuniariamente o particular por conta da conduta eivada de culpa por parte do magistrado que decretou o início do cumprimento da pena após o julgamento em segundo grau, tem o dever de regressar frente àquele agente, para ter o patrimônio público restaurado, bem como, ousamos dizer, servir como uma sanção pedagógica àquele que age em nome do Estado no exercício do ius puniendi, função tão nobre e dotada de imensurável responsabilidade. Gydeon Pereira França Acadêmico de Direito das faculdades Opet Referências: [1]PUCCINELLI JÚNIOR, André. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 300. [2]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. p. 1.022. [3]GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1.041. [4]Ibidem, p. 1.052. [5]Ibidem, p. 1.055. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |