Ane Caroline dos Santos Silva, Izabele Vitoria Santos e Stéfanie Prosdócimo no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Em análise, tem-se que a garantia constitucional traz heranças históricas de um sistema inquisitivo, onde para que obtivesse a confissão, determinadas atitudes eram empregadas, como a tortura, até que a resposta do acusado o incriminasse. O silêncio garante que o acusado não se auto incrimine, pois do contrário, podem levar a situações que não condizem com a realidade''. Por Ane Caroline dos Santos Silva, Izabele Vitoria Santos e Stéfanie Prosdócimo Os princípios marcam a ciência jurídica e constituem-se em premissas éticas extraídas do material legislativo, sendo alguns constituídos por doutrina e jurisprudência, dispondo ou não sobre garantia constitucional, direcionando na interpretação e análise da lei e na expansão lógica do direito.[1]
Aury Lopes Jr. define o princípio nemu tenetur se detegere, previsto no processo penal brasileiro, “segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório”.[2] O referido princípio ganhou força ao longo da história e foi inserido em constituições e diplomas internacionais de Direitos Humanos, garantindo ao interrogado o direito de não produzir prova contra si mesmo.[3] No Brasil, este princípio foi reconhecido como direito fundamental de 1ª geração (liberdade), e encontra previsão legal no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal de 1988.[4] Insta consignar que, deste princípio deriva o direito ao silêncio. Este, por sua vez, está expressamente previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal de 1988, in verbis: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Em análise, tem-se que a garantia constitucional traz heranças históricas de um sistema inquisitivo, onde para que obtivesse a confissão, determinadas atitudes eram empregadas, como a tortura, até que a resposta do acusado o incriminasse. O silêncio garante que o acusado não se auto incrimine, pois do contrário, podem levar a situações que não condizem com a realidade. Menciona-se que o referido direito também possui aplicabilidade no Tribunal do Júri, por força do disposto no artigo 478, inciso II, do Código Processo Penal, transcrito a seguir: Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: II - ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. Desse modo, o legislador deixou de maneira clara e expressa a nulidade na hipótese em que o acusado, em sessão de Plenário no Tribunal do Júri, invoque seu direito ao silêncio e este seja interpretado em seu desfavor. Para reforçar essa ideia, o Promotor de Justiça Márcio Schlee Gomes, do Estado do Rio Grande do Sul, explicou que o uso do direito ao silêncio no Júri poderia configurar-se em confissão operada pelo réu, utilizando-se das máximas que “inocente não cala” ou “quem cala consente”.[5] Em outras palavras, no Júri, os jurados decidem sem fundamentar se o acusado é culpado ou inocente. Mas, questiona-se se os jurados levam ou não em conta o direito do acusado de permanecer em silêncio. À vista disso, o legislador vedou o uso do silêncio como argumento em plenário, em razão da influência negativa que recairia sobre os jurados quanto à responsabilidade penal do réu.[6] É relevante destacar que, o Código de Processo Penal previa, em 1941, época de ditadura, em seu artigo 186, que “Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.” (grifo nosso) Assim, caso o acusado optasse pelo silêncio, tal postura lhe seria prejudicial na ação penal. Após modificação legislativa, tem-se a nova redação do artigo: Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003) Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Destarte, o dispositivo legal fortalece o direito constitucional do acusado de permanecer calado. Logo, se calar é um direito, cujo deve ser anunciado do alcance de suas garantias, passando haver o dever do órgão estatal a que assim o informe, incorrendo na pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional.[7] A título exemplificativo, cita-se um caso concreto em que ocorreu a violação do direito ora estudado. A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina impetrou o Habeas Corpus sob o nº 330.559, em face da condenação do réu pelo delito de tráfico de drogas, por entender que houve violação ao silêncio constitucional. A Sexta Turma concedeu parcialmente com o fim de anular o processo. Ressalta-se trecho do referido julgado:[8] Uma dessas limitações, de feição ética, ao poder-dever de investigar a verdade dos fatos é, precisamente, a impossibilidade de obrigar ou induzir o réu a colaborar com sua própria condenação, por meio de declarações ou fornecimento de provas que contribuam para comprovar a acusação que pesa em seu desfavor. Daí por que a Constituição assegura ao preso o "direito de permanecer calado" (art. 5º, LXIII), cuja leitura meramente literal poderia levar à conclusão de que somente o acusado, e mais ainda o preso, é titular do direito a não produzir prova contra si. Na verdade, qualquer pessoa, ao confrontar-se com o Estado em sua atividade persecutória, deve ter a proteção jurídica contra eventual tentativa de induzir-lhe a produção de prova favorável ao interesse punitivo estatal, especialmente se do silêncio puder decorrer responsabilização penal do próprio depoente. Posto isto, entende-se que o direito ao silêncio envolve o direito de não se auto incriminar, refletindo ao princípio da presunção de inocência, podendo ser invocado em qualquer fase da persecução penal. A proteção se justifica pelo fato de se evitar que o acusado cause agressão ao seu status de liberdade, de escolha, de expressão e de manifestação.[9] Com efeito, este é o entendimento da Suprema Corte:[10] o privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito ao silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável” (STF, HC n. 83.096, relatora Ministra Ellen Gracie, DJU de 12.12.2003). Por fim, conclui-se que pela importância do direito ao silêncio e, portanto, a não autoincriminação do acusado, sendo um direito fundamental, previsto constitucionalmente, de observância obrigatória, presente em documentos importantes, tais como a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como em constituições democráticas. ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA Graduada em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2008). Graduada em Direito pelo Centro Universitário Internacional UNINTER (2022). Membro do Grupo de Pesquisa Não Somos Invisíveis. E-mail: [email protected] IZABELE VITORIA SANTOS Graduanda em Direito, 5º período, Centro Universitário Internacional UNINTER. Estagiária no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. E-mail: [email protected] STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduada em Direito pelo Centro Universitário Internacional UNINTER (2022). Estagiou em Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná de 2018 a 2020. Estagiou no Ministério Público do Estado do Paraná de 2021 a 2022. E-mail: [email protected] NOTAS: [1] PINTO, Alexandre Guimarães Gavião. Os mais importantes princípios que regem o processo penal brasileiro. Revista da EMERJ, volume 9, nº 35, 2006. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista35/revista35_221.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2023. [2] Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. – 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. P. 116 e 117. [3] DA SILVA, Gabriela Fileto. O limite do princípio nemo tenetur se detegere e sua aplicabilidade. Revista de Iniciação Científica e Extensão da Faculdade de Direito de Franca, volume 4, nº 1, 2019. Página 252. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/341225522_O_LIMITE_DO_PRINCIPIO_NEMO_TENETUR_SE_DETEGERE_E_SUA_APLICABILIDADE/fulltext/5eb4b8e2299bf1287f75193c/O-LIMITE-DO-PRINCIPIO-NEMO-TENETUR-SE-DETEGERE-E-SUA-APLICABILIDADE.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2023. [4] Ibidem. [5] GOMES, Márcio Schelle. Debates no júri: a taxatividade do artigo 478 do CPP. Página 7. Disponível em: <https://www.mpma.mp.br/arquivos/COCOM/arquivos/centros_de_apoio/caop_crim/MATERIAL_DE_APOIO/1_4933996217043517561.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2023. [6] Ibidem. [7] LOPES JR., op. cit. p. 42. [8] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus nº 330.559. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz. Autuação: 21 jul. 2015. Órgão julgador: Sexta Turma. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/HC330559.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2023. [9] NARDELLI, M. A. M. O direito à prova e à não autoincriminação em uma perspectiva comparada entre os processos civil e penal. Revista de Processo, v. 246, agosto 2015. [10] HC N. 83.096-RJ. RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE. Disponível em: < https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo333.htm>. Acesso em: 06 jan. 2023.
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