![]() Artigo do Colunista Iverson Kech Ferreira, analisando a relação do direito com a história, e todas as implicações sociais. Vale a leitura! "Através da ação do direito perante a sociedade é que se pode ter consciência dos atos por ele realizados e a partir desse ponto, criar e evolucionar a crítica, sempre em benefício do equilíbrio quando palpável, ou até mesmo, do desequilíbrio quando necessário." Por Iverson Kech Ferreira O direito se perfectibiliza em suas próprias experiências. Mas o que é o direito senão a matéria que ele mesmo, em sua plena aplicação, produz? Será que há realmente alguma condição de consciência apriorística para a construção daquilo que o direito traduz, quando revelado ativamente?
Paolo Grossi traz uma lição influente nesse aspecto. Para o jurista italiano, “o ponto de referência necessário do direito é somente a sociedade”. Significa que, em toda a sua construção social é capaz de originar o direito. Mas o pensador italiano não fica por aí apenas. Ele nos instrui enfatizando que as realidades das sociedades diversas possuem articulações complexas e essas características obscuras são capazes de produzir o direito. Realidades, pois essas se consubstanciam, se vinculam; da mesma forma a qual se dividem e se separam, no interior de um ambiente complexo. É aqui que determinadas verdades, fundadas pela existência plural e social transformam uma norma de conduta em norma jurídica. E tudo isso no interior da mesma complexidade. O conceito de sociedade complexa reveste-se de grande tecnicismo em virtude da obra de LUHMANN, que o encara sob o ponto de vista da teoria dos sistemas. Destarte, quanto maior a quantidade de interações e mais variadas as respectivas formas de expressão, entre os indivíduos dos grupos e subgrupos, bem como entre estes e o ambiente em que se localizam, mais complexo é o sistema social formado por tais estruturas. Complexidade é, portanto, um conceito relacional, inerente ao luhmanniano de sistema social, e em seu interior revelam-se todas as suas categorias e formas, como o direito em si. Ocorre que toda a criação do direito parte de uma escalada não tão complexa assim. E é de Grossi também a afirmação que para o cidadão comum o direito não passa de normas que devem ser seguidas, pois uma vez estabelecidas por um poder soberano, sanções e coerções revelam a realidade hostil do próprio direito. A partir disso, as efêmeras linhas que unem direito e sociedade são redesenhadas, distanciando-os cada vez mais. A ideia do dura lex sed lex impregna na impossibilidade de qualquer interpretação da própria lei. Essa não deve jamais, a partir dos mandamentos supremos do ente maior, ser interpretada, mas sim, cumprida. E é aqui que o direito deixa de estar ligado à sua sociedade; mas passa a ser relacionado aos órgãos de controle, numa desestruturação de seu caráter social, privando-se de sua essência inicial que era a própria coletividade. Interesses diversos no Estado fraco passam a ter importância plena, a globalização econômica e a cobiça de enormes conglomerados empresariais particulares, que buscam o lucro acima de tudo, são as inclinações primordiais daqueles que ditam o direito. O distanciamento entre Estado e sociedade reconstrói um velho direito, que preza os privilégios do soberano. Na complexidade da sociedade atual o soberano é o mercado. E como Grossi afirmou, essa complexa coreografia do poder também forma e transforma o direito. Essa mudança também faz parte dos processos interpretativos da lei, pois analisar os textos legais significa ir além do próprio mandamento jurídico, constitui em considerar a sociedade em que se vive, as suas intensas relações sociais e entender o direito como parte construtiva do próprio corpo social em estudo. Uma maneira interessante para esse tipo de análise pode ser concebida pela Teoria Crítica do Direito, uma incessante busca pela constante humanização da matéria. Mas se o direito coaduna-se antes de tudo à sociedade como formação a priori, e nada há como o direito senão ele próprio, que pode ser analisado quando aplicado e revelado de forma ativa, como dar voz a uma teoria que tem por escopo examinar a complexa relação direito/sociedade? Para isso, essencial entender que o direito não é apenas a aplicação ou a promulgação de leis, mas sim, realidade histórica que deve ser tratada como ampla formadora das questões mais influentes de uma sociedade, e isso só pode se dar através de uma retida investigação da evolução social. O direito então como uma extensão histórica e cultural de um povo; deve ser enxergado além de sua qualidade legal, mas também por sua habilidade de adaptar valores e costumes em sua malha interpretativa. Se há algo que a árdua realidade social, com seus enormes abismos sociais e distância entre uns e outros nos demonstrou, foi que não há mais espaço para o dura lex, tampouco é tempo de concordância com o seu sed lex. Através da ação do direito perante a sociedade é que se pode ter consciência dos atos por ele realizados e a partir desse ponto, criar e evolucionar a crítica, sempre em benefício do equilíbrio quando palpável, ou até mesmo, do desequilíbrio quando necessário. Referência bibliográfica: GROSSI, Paolo. Primeira lição sobre direito. Ed. Forense, São Paulo, 2006. Iverson Kech Ferreira Mestre em Direito (UNINTER), Especialista em Direito Penal e Processual Penal (ABDCONST), Professor de Direito Penal, Criminologia e História do Direito. Advogado Criminalista. Autor de livros e artigos jurídicos.
1 Comment
Leomar Rippel
5/10/2020 11:33:02 pm
Ótima analise. Parabéns ao autor
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