A primeira dificuldade enfrentada por todos os que se aventuram a estudar ou escrever sobre o Direito Penal Econômico, é como se deve delimitar o tema. De nada adianta ao jurista conhecer o fundamento, o método e o fim a ser alcançado pelo direito se o objeto da lei escapa, isto é, se nada sabemos sobre a matéria da qual há regulação. Em face da globalização, a economia desenvolveu estruturas poderosas de intervenção na vida social, impondo, que o homem contemporâneo seja totalmente dominado por preceitos econômicos. [1] Foi no final do século XIX e início do século XX que essa intervenção estatal assumiu maiores proporções e colocou em cheque o papel do laissez-faire de Adam Smith. Isso ficou claramente demonstrado com o crack da bolsa de Nova York em 24 de outubro de 1929, e a crise geral que assolou o país nos anos seguintes fez com que o Estado acrescentasse medidas de intervenção às funções tradicionais, como por exemplo a de oferta de bens públicos: eletricidade, saneamento, portos, etc.[2] Nem a tradição liberal ficou imune ao abalo provocado pela crise, seus seguidores passaram a admitir um determinado grau de intervenção do Estado para corrigir algumas deficiências ou imperfeições do mercado, fenômenos característicos nas economias periféricas.[3] A escola mais famosa, ao tratar de intervenção Estatal, é a escola Keynesiana, fundada pelo economista John Maynard Keynes, defende que em uma organização político-econômica o Estado exerce um papel de agente indispensável no controle da economia, uma vez que o sistema capitalista, consolidado pelo animal spirit dos empresários, é incapaz de empregar todas as pessoas que querem trabalhar, por isso o Estado deve intervir.[4] Segundo Niell Fergusson, quanto maior a intervenção do Estado, oferecendo mais proteção aos investidores e garantias às empresas, melhor vai ser o desenvolvimento financeiro do país, entretanto, quanto mais "pesada" for a mão do Estado, mais impactos adversos sobre o mercado e a economia vão ser gerados, aumento da corrupção, economia informal, desemprego, etc.[5] Até mesmo Adam Smith, considerado por muitos como o pai do liberalismo, em sua obra “A Riqueza das Nações”, defendia que o Estado deveria intervir na economia – em menor proporção –, mesmo quando a iniciativa privada não tivesse interesse em desenvolver a sua atividade, ou, quando impossível a prestação do serviço em regime concorrencial.[6] Há consenso de que o Estado deve interferir na Economia, não só controlando e corrigindo os excessos praticados pela iniciativa privada, como também redistribuindo a riqueza, através de uma política fiscal que lhe permita ainda adquirir seu próprio patrimônio destinado à realização de atividades caracterizadas mais por sua rentabilidade social, do que econômica – transporte, saúde, etc.[7] Observa-se, portanto, que o papel intervencionista do Estado vem desde o fim do século XIX, no mercantilismo e na colonização europeia, e, seu grau de intervenção varia com o passar do tempo, buscando sempre aumentar a intensidade de sua intervenção.[8] Surge então nesse cenário (séc. XX), o Direito Penal Econômico, como um conjunto de normas que tem como escopo basilar, sancionar com as penas que lhe são próprias, as condutas, que no âmbito das relações econômicas ofendam ou ponham em perigo bens ou interesses juridicamente relevantes. [9] É dizer, o Direito Penal Econômico é empregado para reprimir manifestações contrárias à gestão estatal da economia como prima ratio legis, tutelando a preservação da ordem econômica e compondo um novo campo de criminalidade voltado: i) à garantia do sucesso das atividades interventoras realizadas na economia; e ii) à preservação dos modelos econômicos desenhados para os ciclos produtivos e distributivos de bens e serviços.[10] A existência de um Direito Penal Econômico na ordem jurídica moderna, ao tratar dos white-collar and corporate crimes, vê a necessidade de aprofundar seus estudos e teorias cada vez mais, pois muito além do bem jurídico transindividual tutelado pela norma penal – “ordem econômica” –, há, nessa espécie de delito, mais do que em qualquer outro tipo de crime, a ofensa à confiança da sociedade como um todo. Com essa "nova" criminalidade global, transnacional, é natural se falar em um "novo" espaço do direito penal econômico, pois, há uma grande preocupação pelo fato do princípio da territorialidade não ser suficiente para abarcar a fenomenologia da criminalidade econômica.[11] Nos dizeres de José Faria da Costa, “o tipo de criminalidade com o qual devemos enfrentar tem a qualidade ou a característica de não ter locus delicti, pelo menos através da interpretação clássica que a dogmática dá de local do crime”.[12] Cada vez mais, percebe-se que muitas das categorias da dogmática penal tradicional são imprestáveis quando aplicadas fora dos seus quadros habituais, a necessidade de uma reformulação/adaptação dogmática e normativa desses institutos para o campo do direito penal econômico é imperiosa. Pergunta-se, se o princípio nullum crimen sine lege deve valer também no domínio do direito penal econômico. A resposta evidentemente é afirmativa, pois, em um Estado de Direito, este princípio, mais do que garantia política da comunidade formalmente derivada da concepção orgânica do Estado, conforma um concreto direito fundamental de todas as pessoas, e portanto, também dos destinatários dos juízos legislativos em matéria de direito penal econômico.[13] Seria um contrassenso não reconhecer que o direito penal econômico é por excelência, um campo onde operam conceitos normativos, cláusulas gerais e fórmulas de valor. Ainda que não se possa delinear claramente as orientações do direito penal tradicional como uma máxima geral no campo do direito penal econômico, deve, o intérprete, limitar e nortear o alcance desses preceitos basilares. Na realidade, o legislador, recorreu com frequência ao recurso das chamadas técnicas de reenvio, colocando inclusive em cheque o próprio princípio da legalidade com o excessivo recurso à tipificação por meio destas e o uso frequente de elementos normativos para composição dos tipos objetivos.[14] Portanto, fica evidente que as técnicas de reenvio são um signo de aproximação entre o direito administrativo-sacionador e o direito penal. Com a onda neoliberal, no início dos anos 90, as atividades respectivas de setores estratégicos da vida econômico-social, como telefonia, transportes e ferrovias mudam de mãos e mostram um evidente enfraquecimento do aparelho Estatal enquanto agente de poder; mas com o incremento da utilização do direito penal como braço de apoio ao direito administrativo, a própria norma penal iria em direção a um modelo de norma administrativa. Fernando Martins Maria Sobrinho Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade Positivo. Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Bacharel em Direito pela Universidade Positivo. Advogado. Membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/PR. Professor de Direito Penal do Curso Jurídico. Referências: [1] OPUSZKA, Paulo Ricardo. Elementos da teoria keynesiana para uma reflexão sobre a intervenção jurídica estatal. Rev. Direito Econ. Socioambiental, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 465, jul/dez. 2012. [2] GREMAUD, Amaru Patrick. Manual de economia. Org. Diva Benevidas Pinho, Marco Antonio S. de Vasconcellos e Rudinei Toneto Jr. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 571. [3] GENNARI, Adilson Marques. História do pensamento econômico. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 53. [4] KEYNES, John Maynard. General theory of employment, interest and money. United Kingdom: Palgrave Macmillian, 1936. p.45 [5] FERGUSON, NIALL. The Great Degeneration: How Institutions Decay and Economies Die. London: Penguin Press, 2013. p. 65-80 [6] SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Trad. Alexandre Amaral Rodrigues e Eunice Ostrensky, São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 50-68 [7] MUÑOZ CONDE, Francisco. Principios político-criminales que inspiran el tratamento de los delitos contra el orden socioeconómico en el proyecto de código penal espanhol de 1994. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 11, jul/set. 1995. p 7-20. [8] GENNARI, Adilson Marques. História do pensamento econômico. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 354. [9] PIMENTEL, Manuel Pedro. Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 10. [10] GUARAGNI, Fábio André. A origem do Direito Penal Econômico: razões históricas In: CÂMARA, Luiz Antonio. (Coord) Crimes contra a ordem econômica e tutela de direitos fundamentais. Curitiba: Juruá, 2009. p. 139. [11] COSTA ANDRADE, João da. O erro sobre a proibição e a problemática da legitimação em direito penal – elemento diferenciador entre o direito penal económico e o direito penal de justiça. In: FARIA COSTA, José de. (Coord.) Temas de Direito Penal Econômico. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 27. [12] FARIA COSTA, José de. O fenómeno da globalização e o Direito Penal Económico. In: ALMEIDA, Aníbal; CORREIA, Fernando Alves; VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar de. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares. Coimbra: Coimbra, 2008. p. 536. [13] COSTA ANDRADE, João da. O erro sobre a proibição e a problemática da legitimação em direito penal – elemento diferenciador entre o direito penal económico e o direito penal de justiça. In: FARIA COSTA, José de. (Coord.) Temas de Direito Penal Econômico. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 54. [14] GUARAGNI, Fábio André. As razões históricas do Surgimento do Direito Penal Econômico. EOS – Revista Jurídica da Faculdade de Direito / Faculdade Dom Bosco. Núcleo de Pesquisa do Curso de Direito. v. 2, n. 1, jul./dez, 2007. Curitiba: Dom Bosco, 2007. p. 4. Comments are closed.
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