E já dizia o velho ditado: “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Sabendo que, a cada hora, 503 mulheres brasileiras sofrem algum tipo de violência (SANTOS, 2017), já é tempo de mudar esse pensamento. Muitos podem achar exagero ou pensar que a sociedade, em termos de violência contra a mulher, não está tão ruim assim. Mas isso só comprova o quanto o ditado acima está enraizado na mentalidade das pessoas, pois, há muito mais do que somente aquilo que, durante nossas vidas corridas e cheias de afazeres, conseguimos perceber ou relacionar. Numa das séries policiais de maior sucesso atualmente, Law and Order: Special Victims Unit, apesar de sempre informar que as histórias tratadas são fictícias, é costumeiro associar diversos episódios com situações reais. Na décima sétima temporada, nos deparamos com o caso de uma mulher que é atacada sexualmente ao sair de um bar. Abordada por três homens, é levada até o prédio onde mora e a violência contra ela começa no próprio pátio de sua moradia. Um número considerável de vizinhos testemunhou o ocorrido, não tomando nenhuma atitude para impedir e, como se não bastasse, alegando não ter visto nada de incomum, com o intuito aparente de não se envolverem. O que parece ser típico para um filme ou série, causaria choque se acontecesse na “vida real” – supostamente. Entretanto, é visível a comparação com o fato ocorrido com Catherine Genovese, em 1964. Enquanto caminhava de volta para casa, foi atacada com uma faca por um homem, que também a roubou e estuprou. Ferida, ainda conseguiu gritar por ajuda durante mais de meia hora até que a polícia, finalmente, chegou. Infelizmente, morreu a caminho do hospital. Semelhante ao episódio mencionado, Catherine estava em uma área residencial quando foi violentada. Após investigações, foi descoberto que 38 pessoas viram ou escutaram seus gritos de socorro e ninguém prestou auxílio ou chamou a polícia. Ou seja, quase 40 indivíduos preferiram permanecer omissos enquanto ela perdia a vida. Tal fenômeno, por motivos óbvios, foi chamado de Efeito Espectador. Pensando nisso, é impossível não traçar um paralelo com o que ainda é encontrado hoje. Parece pouco provável que alguém possa ignorar o pedido de socorro de um outro ser humano, mas, ao refletirmos sobre nossas próprias atitudes e as de diversas outras pessoas próximas, podemos ver vários exemplos de omissão. Quem nunca presenciou uma briga entre vizinhos e optou por não se envolver? Ou nunca escutou uma discussão acalorada entre um homem e uma mulher e preferiu virar as costas, simplesmente por achar que seria “encrenca”? Talvez as respostas tenham uma influência direta nas estatísticas alarmantes acerca da violência contra a mulher, enquanto, na prática, nenhuma melhora significativa é vista. Considerando que esse tipo de fenômeno é caracterizado por qualquer ato de violência que cause sofrimento e abuso pela condição de ser mulher (SILVA, PADOIN, VIANNA, 2015), uma análise da sociedade desigual em que ainda nos encontramos deve ser realizada. É certo que, a cada vez mais, estamos tendo menos tempo para nós mesmo e, consequentemente, para os outros também. Mas não parece um tanto quanto incongruente defendermos uma instauração da paz e de uma vida mais segura sendo que não procuramos perceber o próximo e conhecer o que se passa com ele? Sendo que preferimos nos distanciar de tudo o que não nos diz respeito, esquecendo que vivemos todos num mesmo mundo? Estamos tão acostumados a ver determinadas situações que nos parecem corriqueiras, comuns, mas que, na realidade, ferem a segurança das mulheres, que é preciso sempre lembrar de prestar atenção naquilo que não queremos ver. Abrir os olhos e, de fato, enxergar o modo como vivemos e, principalmente, sair da posição de omissão é um dos passos principais. Quantos relacionamentos humanos são deteriorados e acabam tendo um fim muito mais grave pelo fato de não terem tido um auxílio externo? Deixamos passar muitos sinais pelo medo do envolvimento e a violência contra a mulher, que tanto falamos em combater, acaba sendo perpetuada. A cultura que prega essa violência silenciosa não mudará enquanto nós não mudarmos. De acordo com pesquisas, daquelas 503 mulheres que sofrem agressões a cada hora, apenas 11% procuraram a Delegacia da Mulher, 13% recorreram a familiares e 52% simplesmente não fizeram nada (SANTOS, 2017). Há muitos fatores envolvidos nesse silêncio, como emocionais e financeiros. Mas as demais pessoas próximas, qual a desculpa para o silêncio delas? Não é tão difícil identificar essas situações, se tivermos um olhar diferenciado voltado ao outro. Entretanto, muitas pessoas, dentre elas profissionais também, não estão preparadas e acabam não conseguindo ou até mesmo não tendo espaço para ter uma visão global do que acontece. Mas não se pode mais fechar o olho. É necessário deixar de sermos meros espectadores e metermos a colher! Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SANTOS, Bárbara F. Os números da violência contra mulheres no Brasil. Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/os-numeros-da-violencia-contra-mulheres-no-brasil/. Acesso em 14 mai. 2017. SILVA, Ethel B., PADOIN, Stela M. de M., VIANNA, Lucila A. C. Violência contra a mulher e a prática assistencial na percepção dos profissionais da saúde. In. Texto Contexto Enfermagem. Florianópolis, 2015, n° 24. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/714/71438421028/. Acesso em 14 mai. 2017. Comments are closed.
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