Artigo de Jordane Costa Oliveira, sobre o encarceramento em massa e a guerra às drogas. Vale a leitura! ''Para o ser humano que está preso “a lei é real como o aço e rígida como o tijolo. Não é uma teoria, nem uma ideia. É uma cruel realidade. E enquanto nós falamos de neutralidade da lei, em discursos que ressaltam a igualdade, o dia a dia da vida atrás das grades revela justamente o contrário” (ABU-JAMAL, 2009). Estamos inseridos numa falsa empatia, o que é lamentável quando se vive em um Estado Democrático de Direito que tem fundamento pautado na Dignidade da Pessoa Humana''. Por Jordane Costa Oliveira O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking dos países com a maior população encarcerada do mundo, com cerca de 773 mil pessoas em cárcere. Esse número assusta e proporciona uma reflexão sobre buscar a solução para essa irracionalidade, uma vez que as prisões, no Brasil, não comportam tamanha superlotação.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu que as prisões brasileiras são ilegais e violam o fundamento do Estado Democrático de Direito – a Dignidade da Pessoa Humana. Apesar da decisão do STF reconhecer a inconstitucionalidade das prisões, ficou subentendido que ainda assim seria possível que as pessoas ficassem encarceradas, o que confirma algo ilógico. Temos um sistema prisional que encarcera, que seleciona minorias, que frustra sonhos e desfaz a condição humana. Infelizmente a realidade das penitenciárias é deplorável. O que seria direito dos presos é tratado como benefício, ora, os termos “direito” e “benefício” são diferentes. Não se pode tratar um direito como benefício. Para alguns é difícil de aceitar, mas, os presos têm direitos, e tratá-los como benefício é um grande equívoco, pois fortalece a ideia de que seus direitos são meras concessões ao invés de possíveis exigências, bem como constrói uma ideia de fraqueza dos direitos do preso. Nas palavras de Valois, “os direitos dos presos transformam-se em permissão, na linguagem do direito, nos livros e em julgamentos, como um obstáculo a mais para a sua concessão. Além do que, a situação precária do sistema prisional reforça o caráter de benefício de cada direito, já que sua efetivação se dá, quando se dá, a duras custas, e normalmente com atraso” (VALOIS, 2019). As prisões brasileiras estão superlotadas de jovens pretos e pardos, em grande parte pobres e vulneráveis. Eis o grande problema do direito penal: temos um direito penal segregacionista, que reflete uma sociedade racista e hipócrita, com um discurso medíocre sobre a ressocialização. Como um ser humano pode ressocializar-se em condições desumanas? A prisão é onde o presidiário tenta sobreviver, uma vez que há bastante violência e desrespeito, é onde não há alimentação descente, é onde falta higiene e saúde. Logo, o argumento ressocializador serve apenas para confortar inúmeras consciências pesadas, uma vez que o cárcere humilha e viola a dignidade humana. Para o ser humano que está preso “a lei é real como o aço e rígida como o tijolo. Não é uma teoria, nem uma ideia. É uma cruel realidade. E enquanto nós falamos de neutralidade da lei, em discursos que ressaltam a igualdade, o dia a dia da vida atrás das grades revela justamente o contrário” (ABU-JAMAL, 2009). Estamos inseridos numa falsa empatia, o que é lamentável quando se vive em um Estado Democrático de Direito que tem fundamento pautado na Dignidade da Pessoa Humana. Os crimes relacionados às drogas são responsáveis por uma grande quantidade de pessoas encarceradas. Esse é um grave problema que infelizmente a população ignora ou, quando não ignora, julga, pois a demonização das drogas é uma realidade em alguns países e o Brasil é um deles. É absurdamente irracional encarcerar um ser humano por causa de uma planta, e mais, é completamente absurda atuação da polícia no que tange às drogas, uma vez que a mesma se torna acusação e testemunha, e subitamente o direito de defesa do indiciado é dissolvido. As drogas estão presentes na sociedade desde sempre, embora haja a política do proibicionismo. É possível afirmar que, no Brasil, elas estão liberadas, entretanto, não estão regulamentadas. Existe a proibição. Existe a punição. Entretanto, o tráfico de drogas é uma realidade no Brasil. É uma realidade devastadora, onde a polícia de drogas caça obcecadamente os usuários e se torna presente nas ruas aterrorizando a população com a justificativa do combate ao tráfico e comércio de drogas, porém, a realidade é que houve uma demonização dessas plantas, o que acarretou em um estado de guerra às drogas, por outro lado, a polícia que, em teoria afirma guerrear contra um produto, uma planta, na prática faz uma guerra contra determinadas pessoas. Nunca foi sobre um crime, sempre foi sobre uma cor. É assustadora a quantidade de pessoas pretas que estão em cárcere por crimes relacionados às drogas. Nas palavras de Valois “a naturalização da guerra às drogas tornou normais condutas por parte da polícia que ela mesma não se preocupa mais em esconder, sendo interessante observar o que é dito e praticado para a apreensão dessas substâncias tidas arbitrariamente como ilícitas e encarcerar pessoas envolvidas e o seu comércio” (VALOIS, 2019). Em território brasileiro não é novidade ter conhecimento de que o comportamento da polícia frente a guerra às drogas é um distúrbio, uma vez que a polícia ingressa nas localidades vulneráveis, lugares mais pobres, coloca os indivíduos na parede, moradores suspeitos são revistados com o intuito de achar alguma substância. O mais insensato ocorre quando a polícia, sem qualquer procedimento prévio, invade o domicílio dessas pessoas, apenas com o juízo de valor baseado nos seus preconceitos, e é deturpada qualquer ideia sobre presunção de inocência. O artigo 5º, XI, da Constituição Federal estabelece que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”, entretanto inúmeros domicílios são violados com a justificativa do flagrante, porém, tal justificativa não é razoável nos casos de tráfico de drogas, pois o sensato é que a autoridade policial requeira um mandado de busca e apreensão, e assim, posteriormente prosseguir com a entrada no domicílio da pessoa suspeita. Nas palavras de Alexandre Morais da Rosa: Assim é que a atuação policial será abusiva e inconstitucional por violação do domicílio do agente quando promovida pelo imaginário. Embora seja uma prática rotineira a violação da casa de pessoas pobres, porque a polícia não entra assim em moradores das classes ditas altas, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e os policiais não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém (CPP, art. 293) – pobre ou rico - sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia anônima. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. (ROSA, 2013). Sem a mínima investigação muitos domicílios são invadidos por meio da denúncia anônima, o que configura mais uma irracionalidade do sistema. A guerra às drogas mata, encarcera, deturpa sonhos, viola as garantias processuais e a dignidade da pessoa humana, trazendo inúmeros malefícios à sociedade, que pouco, ou nada sabe sobre as drogas. JORDANE COSTA OLIVEIRA Graduanda em Direito, 7º semestre, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais - GEPDC, Estagiária do TJCE. REFERÊNCIAS ABU-JAMAL, Mumia. Prisioners defending prisioners v. The USA. São Francisco, EUA: City Lights Books, 2009. ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. VALOIS, Luís Carlos. O Direito Penal da Guerra às Drogas. São Paulo: D’Plácido, 2020. _______. Processo de Execução Penal e o estado de coisas inconstitucional. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019.
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