Victor Hugo escreveu uma obra fenomenal que é referência na literatura mundial. “Os Miseráveis”, uma volumosa obra que assusta apenas os não habituados à leitura, tece diversas críticas de cunho social. Para além do excelente enredo que permeia o livro, o autor dá verdadeiras aulas de história, bem como explana de modo pormenorizado notórios acontecimentos (quando, por exemplo, descreve minuciosamente a batalha de Waterloo), construindo ainda, através do brilhante e robusto romance, as mencionadas críticas. Em “Os Miseráveis” podemos ver a ilustração literária do amor de uma mãe por meio de Fantine, a qual enfrenta diversas adversidades no decorrer de sua jornada para poupar a filha dos sofrimentos da vida. Observamos também o romantismo clássico presente na relação amorosa que se instaura entre Cosette e Marius. Já para o fim da presente exposição, busca-se fazer um comparativo do romance com a estigmatização conferida pelo direito penal que ainda se faz presente, tendo Victor Hugo construído tal problemática na obra através do personagem principal: Jean Valjean. Jean Valjean foi condenado por roubar um pão, tendo sido posto em liberdade após cumprir dezenove anos de prisão, cuja condenação se deu por meio de serviços forçados, exclusão do convívio social e tratamento desumano conferido pelo Estado.Quando liberto, Jean Valjean passa a vagar sem rumo definido, ansiando apenas por uma nova chance. Inicialmente recebe o auxílio do Bispo Myriel, que lhe acolhe de braços abertos, ofertando-lhe alimentos e repouso. O encontro de Jean Valjean com Myriel é o ponto central na vida do protagonista o que faz com que sua percepção de mundo mude. Após uma nova transgressão de Jean Valjean, Bispo Myriel mantém seu espírito acolhedor e amoroso para com o ex-condenado, conferindo-lhe uma nova chance de vida. A partir de então, Jean Valjean estabelece um novo rumo em sua vida, cujo direcionamento que fora apontado naquele ligeiro contato que teve com o bispo é pautado num senso de humanismo, amor e esperança. No entanto, por mais que se esforce, Jean Valjean é assombrado pelo passado. O sistema o pegou, o amarrou, o carimbou e somente então o “libertou”, não sem lhe deixar com uma marca de Caim. A estigmatização cumpriu o seu trabalho, de modo que Jean Valjean passou a ser atormentado por um período remoto em que viveu sendo “ressocializado”. Saiu das galés como um mero número, e assim, como um corpo disforme, sem voz, sem concretude no mundo, continuou o sendo perante a sociedade. Jean Valjean teve de mudar de identidade para que pudesse ter uma nova e efetiva chance no mundo. Mesmo assim o implacável inspetor Javert não desistiu, perseguindo o estigmatizado pelo direito penal Jean Valjean do início ao fim da história. A literatura não diverge tanto da realidade, e isso pode ser muito bem observado nesta grandiosa obra de Victor Hugo. Os Jeans Valjeans estão por aí, perambulando pelas ruas em busca de uma nova chance. A maioria deles passa por nós despercebida em decorrência do nosso intragável ato de virar os olhos quando em defronte de um ex-recluso. Os antecedentes, mesmo quando apontam a pena como cumprida em definitivo (logo, quites com a sociedade), entoam o passado pesaroso, cegando-nos daquilo que de fato deveria ser observado. Atiramos todas as pedras sem nos darmos conta de que possuímos telhado de vidro. Esquecemos que o cidadão de bem é uma falácia. “Abre o olho”. “Quem já fez, faz de novo”. “Você confiaria em alguém assim para ficar na sua empresa?”. Diversos são os nefastos brocardos que corroboram para com a estigmatização. Falamos em segunda chance, mas não damos nem a nós mesmos tal oportunidade. Repensemos. Superemos. Avancemos. Lembremo-nos de Jean Valjean e os males que pairam sobre os estigmatizados. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia
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