Por definição, o Dicionário de Psicologia (VANDENBOS, 2010), descreve o Exame do Estado Mental como um “exame abrangente de um paciente, baseado em entrevistas, testes e outras fontes de informação, incluindo detalhes do estado mental, características de personalidade, diagnóstico, prognóstico e opções de tratamento”. Sabendo disso, fica claro que o exame, em sua globalidade, compreende diversos aspectos de um indivíduo e deve ser realizado e verificado por um profissional apto para compreensão desta área do saber.
Cordioli et. al. (2004), ainda reforçam considerando como uma pesquisa sistemática de sintomas de alterações no funcionamento mental, decorrentes de dados alcançados não apenas na entrevista em si, mas na aparência do paciente, na anamnese, em relatos de familiares, entre outros. Em especial, irá trazer um parecer sobre possíveis transtornos mentais, oferecendo indícios para desvios neurológicos ou metabólicos, intoxicações e uso/abuso de substâncias psicoativas. A caráter de informação, os autores dividem os fatores analisados a partir das seguintes categorias:
É interessante ressaltar também que, por mais completo que um exame possa ser, ele trará as impressões sobre o sujeito no momento em que o processo se deu. Assim, o resultado aplica-se a um período específico, visto que o estado mental pode ser alterado rapidamente, por estímulos tanto internos quanto externos (FIORELLI e MANGINI, 2009). Mesmo assim, não se pode tirar a validade das percepções captadas, até mesmo pelo fato de que são resultantes de manifestações do próprio indivíduo examinado, portanto, tudo o que pode ser visto está passível de consideração e análise. Pela amplitude do que pode ser identificado, o Exame do Estado Mental é um processo que pode auxiliar diversas áreas e casos, não somente àqueles que se referem exclusivamente à clínica psicológica. Vemos um uso bastante acentuado no ambiente hospitalar, por exemplo, ou até mesmo em pesquisas que procuram mostrar aspectos cognitivos em determinadas parcelas da população, visando um melhor entendimento desta faixa da sociedade. Dessa forma, podemos imaginar que seu uso possa ser de grande valia em diversos casos que adentram o âmbito jurídico, pois acaba por proporcionar uma visão geral do comportamento de um indivíduo, para que fique demonstrada a influência que ele recebe de possíveis transtornos psiquiátricos aos quais possa estar subjugado, o que auxilia o estabelecimento de uma base para decisões importantes a respeito do réu, como a existência da interferência de substâncias psicoativas, deficiência mental ou desenvolvimento mental incompleto, capacidade de compreensão de comportamentos ilícitos, entre outros (FIORELLI e MANGINI, 2009). Para uma aplicação eficaz, Barros (2005) informa que, em sua forma clássica, um laudo pericial é dividido em preâmbulo, quesitos, histórico, descrição, discussão, conclusões e respostas aos quesitos, sendo que a exposição do exame de estado mental constará na sessão referente à descrição de todos os procedimentos realizados. No documento, visando a confiabilidade dos resultados, evidencia-se também a imparcialidade, que não deve ser esquecida (BARROS, 2005). Neste âmbito, pode ser usado, principalmente, como uma forma de auxílio para decisões tomadas pelo juiz em diversos casos como homicídios, roubos, violência familiar e doméstica e demais outros em que, por um motivo ou outro, viu-se a necessidade de serem requisitados. Além disso, por um outro viés, o exame pode ser de utilidade mesmo após a pena já ter sido definida e uma pessoa já estar encarcerada. Recentemente, ouviu-se a notícia de um preso que, por conta de sinais de insanidade, lhe foi concedida a regressão para prisão domiciliar. Após demonstração de comportamentos fora do padrão, o juiz da 1ª Vara Criminal de Colinas do Tocantins (TO) optou pela decisão e, mesmo destacando na sentença que não existe uma previsão legal ou precedente jurídico, justifica que não há nenhum estabelecimento próprio para receber o apenado (GRILLO, 2017). Neste acontecimento, fica muito clara a necessidade de uma profunda investigação em relação ao estado mental do indivíduo em questão. Na descrição do caso, informa-se que, em uma cela para 16 pessoas, o apenado dividia o local com mais outras 100 pessoas. Por si só, já é um fato que poderia desencadear uma série de sintomas que poderiam vir a resultar em um surto. Mesmo assim, dentre os 100 encarcerados, em apenas um foram percebidos sintomas suficientes. O exame seria de extrema importância para deliberação do futuro deste indivíduo, que, por sua vez, interfere no de diversas outras pessoas ao seu redor e à comunidade. Infelizmente, não houve nenhum procedimento técnico de avaliação. O que parece ser um fato suspeito acaba por denunciar uma triste realidade que ainda persiste no Brasil. O juiz responsável critica a situação, visto que a lei determina que pessoas que se encontrem neste tipo de situação sejam transferidas para estabelecimentos específicos, médico-prisionais, que simplesmente não existem e nem tem previsão de existirem; além disso, não há profissionais à disposição para realização de exames de sanidade, pois existe uma fila de espera de mais de 12 meses para a realização de perícias de interditandos (GRILLO, 2017). O resultado de um EEM é de grande relevância para o sujeito e para a sociedade, pois representa uma diferença no encaminhamento de um réu para a prisão comum ou um manicômio judicial, além também de proporcionar a oportunidade de atividades terapêuticas (FIORELLI e MANGINI, 2009); mas de nada adianta a realização de procedimentos ou o investimento neles se o resultado será ignorado pela simples falta de estrutura. Mesmo assim, um espaço só será conquistado através da comprovação da necessidade de se considerar os aspectos que estão além daquilo que é aparente. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS BARROS, Daniel M. (org.) Psiquiatria Forense: interfaces jurídicas, éticas e clínicas. Rio de Janeiro, Elsevier, 2005. CORDIOLI, Aristides V.; ZIMMERMANN, Heloisa H.; KESSLER, Félix. Rotina de Avaliação do Estado Mental. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/psiquiatria/psiq/Avaliação%20%20do%20Estado%20Mental.pdf> Acesso em 06 mar. 2018. GRILLO, Brenno. Na falta de estabelecimento médico, preso com sinais de insanidade vai para domiciliar. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2017-abr-17/falta-manicomio-preso-insanidade-domiciliar>. Acesso em 07 mar. 2018. VANDENBOS, Gary R. (org.). Dicionário de Psicologia da APA. Porto Alegre: Artmed, 2010. Comments are closed.
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