Diante a invasão do Rio de Janeiro pelas forças militares, em uma tentativa de “combate ao tráfico e ao crime organizado”, iremos nos valer de um trecho específico do livro A Arte da Guerra, de Sun-Tzu, para explanar os motivos que, talvez, tal estratégia de guerra às drogas está fadada ao fracasso desde antes o seu início.
Pois bem, o trecho do livro escolhido é “Planejando as Ofensivas”, já que a Intervenção realizada, se trata de uma ofensiva contra a criminalidade e contra o tráfico de drogas. Inicia-se o presente escrito com a seguinte citação:
A citação é longa e se refere as guerras nos tempos antigos, no combate corpo a corpo dos homens, por isso, transportemos e destrinchemos o que ali foi dito. Pois bem, antes de se iniciar a guerra, salienta-se atacar os planos do inimigo, e, somente assim, atacar suas alianças, o que significa dizer, que deves conhecer seu inimigo antes mesmo de confrontá-lo, saber quem são eles, quais as suas bases, bem como quem são seus aliados. Neste tear, pensemos da seguinte forma, quais são os planos daquela pessoa vista pelas autoridades como um inimigo? Como ele consegue resistir as forças do Estado? Como consegue dinheiro para adquirir o armamento? Como as drogas chegam até eles? Certamente o avião não pousa dentro das favelas (já que a invasão pelas forças repressivas do Estado corriqueiramente ocorre nestes lugares) e ali se faz a distribuição dos entorpecentes, perceba que ingressamos no segundo ponto das táticas ofensivas de guerra de Sun-Tzu, qual seja, quem são seus aliados? Neste ponto, há que se ressaltar que é uma ingenuidade acreditar que àquela pessoa vista como traficante pelas autoridades, recebe a sua carga diretamente, sem, no entanto, contar com apoio de pessoas interessadas financeiramente, com auxílio de autoridades, bem como daqueles que verdadeiramente introduzem a droga dentro do país, ou seja, os que aqui podem denominados “traficantes” do asfalto ou das “coberturas dos condomínios de luxo”. Ingressando no terceiro ponto, frise-se, após cumprir as duas primeiras etapas, eliminar os planos do “inimigo”, e, após, neutralizar[2] suas alianças, atacar seu exército, relembrando que atacar, não necessariamente deve ser compreendido como o combate através da força da bala, mas também pode ser definido como um combate sem a luta física, mas sim estratégica eliminando as suas forças de resistência, neste ponto retomo a seguinte passagem da obra A Arte da Guerra: “Deve lutar sob o Céu com o propósito primordial da ‘preservação’. Desse modo, suas armas não se embotarão, e os ganhos poderão ser preservados. Essa é a estratégia para planejar ofensivas.”[3] Ou seja, antes do combate, deve ser pensado a estratégia do combate sem que as espadas se cruzem, ou seja por um combate com redução de danos. Assim, atingindo o ponto nevrálgico do presente escrito, questiona-se, tais estratégias foram adotadas antes mesmo da declaração de guerra contra às drogas? Perceba neste ponto, que em nenhum momento foi levantado pelas autoridades de que forma, e, com o apoio de quem as substâncias entorpecentes chegam nas mãos dos “traficantes”. Perceba que a estratégia adotada pelo Estado, contra o tráfico de drogas, é uma estratégia apressada, impaciente, a qual envia seus homens (policiais, militares e outras forças do Estado) para se empilharem nos muros das cidades fortificadas, e, consequentemente, conforme trazido no último trecho da citação, há uma grande perda de oficiais e homens, havendo baixas de ambos os lados, contudo, a cidade fortificada “zona de tráfico” não é tomada, sendo, como menciona Sun-Tzu: “(...) o desastre que resulta do ataque a cidades fortificadas”.[4] Ademais, adotando como primeira opção o combate armado contra o tráfico, perceba que se está deixando de lado a preservação ou a aqui chamada redução de danos, sendo que todos os que estiverem dentro da cidade fortificada, sendo aliados ou não do dito “inimigo” do Estado, irão sofrer as consequências, que invariavelmente será a morte. Outro pilar que alicerça o fracasso da Política de Combate às Drogas é o fato de que se desconhece quem é o “inimigo” a ser combatido, e, ignora-se as suas forças de resistência, sendo que o Estado manda suas forças para morrer nos muros das cidades fortificadas. Neste ponto, cabe salientar o que menciona Sun-Tzu:
A primeira premissa é que para entrar em combate com o inimigo, deves conhecer a força daquele que se quer combater, e, em caso de desvantagem, evitá-lo, e tentar reduzir suas forças por outros meios, caso contrário, estará fadado a perder esta guerra. Assim, transportando para a realidade no que tange a Política de Drogas, cabe o questionamento, o Estado conhece o poderio de seu “inimigo”? Veja que o Estado tenta coibir o inimigo através da força repressiva bélica, sem, contudo, saber qual é o tamanho da força deste que ele tenta combater, assim, como poderá pensar em uma estratégia que se desconhece, como procedê-la, e o que se esperar de reação? Retornamos aqui, ao ponto que já mencionamos, envia-se os soldados para morrer nos muros, sem atingir o tráfico de modo efetivo. Perceba, inclusive, que o Estado está até mesmo confuso de qual é seu verdadeiro inimigo, uma vez que, em uma hipótese remota, consiga tirar determinados “chefes” de circulação das favelas, o tráfico deixará de ocorrer? Relembre-se que a droga chega de algum lugar, e o avião não pousa na favela. Neste ponto, caminhando para o final, justamente sobre conhecer seu inimigo, cabe a citação de mais um trecho da obra:
Esse último trecho revela-se de suma importância, e, com uma correlação perfeita ao fracasso da Política de Guerras às drogas. O poderio econômico em torno do tráfico de drogas é algo inegável até mesmo pelas autoridades do Estado. Percebam neste ponto, que as forças repressivas do Estado, muitas das vezes, recebem muito pouco para arriscar suas vidas todos os dias nas ruas. Assim, a fórmula mágica da corrupção está aberta. Não se quer dizer que todos que representam a força do Estado sejam corruptos, mas assim como existem advogados, juízes, promotores, vendedores, políticos ruins e corruptos, existem pessoas que representam a força repressiva do Estado que são corruptos. Há que se considerar, inclusive, que muitas vezes o poderio econômico e bélico dos narcotraficantes ultrapassa e muito os que o Estado dispõe, sendo que o Estado está em total desvantagem nestes pontos. Assim, com a corrupção dentro do próprio cerne do sistema repressivo, o Estado não possui conhecimento de suas forças, tornando-as quase nulas, e, consequentemente, aliando ao raciocínio que o Estado desconhece até mesmo seu inimigo, copiando os dizeres de Sun-Tzu: “será invariavelmente derrotado em todos os conflitos.”[7] Desta forma, em caso de adotar tal Política Repressiva em torno das Drogas, adotando o combate militarizado como primeira opção, sem, no entanto, haver passos e planejamentos prévios, o Estado sempre estará fadado a enviar seus homens para se empilharem e morrerem nos muros das cidades fortificadas, bem como acabará por dizimar inocentes nas regiões de conflitos, que, em verdade, são os mais atingidos na fadada ao fracasso Guerra às Drogas. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminalista Formado em Direito pela Universidade Positivo Pós-graduado em Direito Contemporâneo com Ênfase em Direito Público pelo Curso Jurídico Especialista em Direito Penal e Processo Penal Pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Mestrando em Direito pela Uninter Referências Bibliográficas: Sun-Tzu, Sun-Pin. A Arte da Guerra. Trad. Ana Aguar Cotrim. 3ª Ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes. 2017. [1] Sun-Tzu, Sun-Pin. A Arte da Guerra. Trad. Ana Aguar Cotrim. 3ª Ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes. 2017. P. 62. [2] Neste ponto, deve ser compreendido a palavra neutralizar como tirar de circulação ou suas forças, e não a eliminação do sujeito [3] Sun-Tzu, Sun-Pin. A Arte da Guerra. Trad. Ana Aguar Cotrim. 3ª Ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes. 2017. P. 62 e 63 [4] Sun-Tzu, Sun-Pin. A Arte da Guerra. Trad. Ana Aguar Cotrim. 3ª Ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes. 2017. P. 62. [5] Sun-Tzu, Sun-Pin. A Arte da Guerra. Trad. Ana Aguar Cotrim. 3ª Ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes. 2017. P. 63. [6] Sun-Tzu, Sun-Pin. A Arte da Guerra. Trad. Ana Aguar Cotrim. 3ª Ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes. 2017. P. 64. [7] Sun-Tzu, Sun-Pin. A Arte da Guerra. Trad. Ana Aguar Cotrim. 3ª Ed. 4ª Tiragem. São Paulo: Martins Fontes. 2017. P. 64. Comments are closed.
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