Já foi dito, alhures, que o processo penal é uma garantia do acusado. E isso não se nega: o processo é um instrumento formal e necessário a se chegar a uma pena. Portanto, o Estado detém todo um processo para provar o alegado na peça acusatória, respeitando, sempre, todas as garantias constantes da Magna Carta: são as regras do jogo. Feitas essas considerações prefaciais, impende trazer à baila que o art. 5º, inciso LVII, da Constituição, estabelece, expressamente, o princípio reitor do processo penal: o princípio da presunção de inocência[1]. Em verdade, é necessário raciocinar que, se o processo penal é o único caminho a se materializar o Direito Penal, não seria imprescindível sequer constar isso em texto. CARVALHO[2], certa vez, vaticinou:
Isso não é impunidade: isso é pressuposto da própria condição humana. Talvez alguns leitores me inquiram: o tema não é batido? Pode até ser, mas vivenciamos tempos difíceis: a crise no processo penal é gigantesca. Reclames da sociedade para que cesse a impunidade (qual?), promotores que acusam sem justa causa, juízes que vilipendiam a presunção de inocência e (pasmem!) advogados que pedem a condenação de seu próprio cliente. Cada vez mais sofrido é fazer valer o princípio mor de nossa Magna Carta. Parece-me simples: a carga probatória está nas mãos de quem acusa, que dispõe de todo um processo para provar que a denúncia é apta a condenar o acusado. A partir daí, temos algumas situações:
Ora, na primeira situação está claro definir: o réu deve ser absolvido por ausência de provas. Alguns magistrados chegam a aclamar, aqui, quando é fácil, o princípio da inocência (falam em nome até da Constituição: são lobos em pele de cordeiro!). Na última situação também não temos problemas: o acusado deve ser condenado. A celeuma se instala quando temos a segunda situação: a acusação traz provas, mas que são insuficientes para ter a plena certeza da culpabilidade do acusado, enquanto, de outro lado, o acusado traz, por sua vez, provas que contribuem para o caso. Pronto: a dúvida resta patente. E reside aqui o grande problema: toda a instrumentalidade do processo penal como garantia do acusado frente o (ab)uso do aparato Estatal cai por terra. Juízes que detêm sorrateiramente poderes instrutórios e que não se conformam com a dúvida. É a malsinada busca desenfreada pela “verdade real”. Tive um caso prático no escritório que me causou essa inquietude: o réu estava sendo acusado de um roubo. Na delegacia, reconhecido por foto por duas vítimas. Em juízo, presente o acusado na sala de audiência, reconhecido somente por uma vítima (a outra não o reconheceu). Só. Por sua vez, o acusado junta uma declaração de que estava, no dia dos fatos, num Hospital, aproximadamente uma hora e trinta minutas depois do suposto assalto. Teria que se atentar, ainda, ao fato de que o Hospital ficava em município vizinho ao do local do crime (ou seja, não era próximo) e público (até ser atendido, por óbvio, a demora na prestação do atendimento médico teria que ser levada em consideração). Ou seja, se as provas apresentadas pelo acusado não traziam a certeza de sua inocência, traziam à tona a dúvida quanto sua culpabilidade! Caso típico em que se instaura, dentro do processo penal, a dúvida! Autos preparados para a sentença. Resultado? Suposições e todo um engodo argumentativo frágil para fundamentar o quê? Na dúvida... A condenação[3]! O princípio da presunção da inocência vilipendiado. In dubio pro reo? Cada vez mais raro. Ou seria in dubio pau no reo? Isso sem se falar no problemático, inadequado e inconstitucional in dubio pro societate na fase de pronúncia no rito do Tribunal do Júri. Enfim, a certeza é de que está em extinção, em tempos que se vivencia uma crise de um processo penal constitucionalizado, o sacrossanto princípio do in dubio pro reo e da presunção da inocência. É preciso coragem, combatividade e resistência. Avante, caros leitores! Edson Luiz Facchi Jr Advogado Especialista em Ciências Criminais Membro da Comissão de Advogados Iniciantes da OAB/PR [1]Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [2] CARVALHO, Amilton Bueno de. Lei, para que(m)? In: Escritos de Direito e Processo Penal, p. 51. [3]O caso está em sede de apelação criminal. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |