Calma. Antes é importante estabelecer que o presente artigo não tem intenção de abordar questões políticas referente ao cenário das eleições do próximo ano.
A Ação Penal do ex-presidente Lula é uma excelente oportunidade para entender como funciona a chamada “prisão após o julgamento do recurso de Apelação”. Portanto, o artigo vai tratar da questão proposta com a mais absoluta normalidade, ou seja, o Lula é apenas um réu, e o caso do tríplex é tão somente mais uma Ação Penal. Em suma, a intensão é explicar se o ex-presidente pode ser preso após o julgamento da Apelação e não se ele deve/merece ser preso. VAMOS AO CASO. Está marcado para o dia 24 de janeiro de 2.018 o julgamento dos Recursos de Apelação interpostos pela defesa do ex-presidente Lula e pelo Ministério Público, pela 8ª Turma do TRF4, referente à sentença preferida pelo Juiz Federal Sérgio Moro, no julgamento da Ação Penal do “caso do tríplex”. Ao final da Ação Penal, Lula foi condenado a pena de 09 anos e 06 meses pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a ser cumprida, inicialmente, em regime fechado. De acordo com a sentença[1] que segue em anexo, pelo crime de corrupção, previsto no Art. 317 do Código Penal, Lula foi condenado a pena de 06 anos de reclusão, enquanto pelo crime de lavagem de dinheiro, previsto no Art. 1º, caput, inciso V da Lei 9.613/98 a pena de 03 anos e 06 meses (não iremos abordar a pena de multa, pois a intenção é saber a possibilidade de prisão). Assim, a questão a ser enfrentada é: caso a condenação seja mantida no julgamento da Apelação Lula poderá ser preso? Com certeza a dúvida surgiu em razão do novo posicionamento de parte dos Ministros do STF, que no julgamento do HC 126.292[2] (na época o resultado do julgamento foi sete votos a favor[3] e quatro votos contra[4] - recentemente o Ministro Gilmar Mendes[5] mudou de posição), que passou a admitir a execução provisória da pena. MAS O QUE É A TAL “EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA”? Por não estar prevista em Lei, é difícil classificar a execução provisória da pena, mas quase um ano após o julgamento do HC 126.292 pelo STF, por se tratar de uma prisão decorrente de uma condenação no julgamento de uma Apelação, deve(ria) ser entendida como uma medida própria do processo de execução da pena. Por mais que seja uma prisão antes do trânsito em julgado, em razão de estar vinculada a uma condenação e não em elementos provenientes da fase de investigação ou da instrução processual, o correto seria vincular a sua incidência com base na Lei de Execução Penal. Diferente do que ocorre nas prisões em flagrante, preventiva e temporária, na prisão para início da execução provisória da pena, todos os direitos previstos na Lei 7.210/84 poderão ser aplicados, razão pela qual o Juízo competente deve ser o da Vara de Execuções Penais. Agora que sabemos o que é a execução provisória da pena, falta analisar duas questões importantes, são elas: a) quando pode ser determinada e; b) quem pode determinar a execução provisória da pena. No que diz respeito a momento processual – (quando) – a ideia de que seria uma medida a ser aplicada (imediatamente!) após uma condenação em segundo grau pode levar a alguns equívocos. Por mais que possa parecer, a questão não tão simples como é retratada todos os dias, em especial nos veículos de comunicação. VAMOS POR PARTES. Se um recurso de Apelação for julgado hoje, para que possa operar efeitos, o acórdão deve ser publicado. Portanto, ainda que no acórdão exista uma determinação de expedição de mandado de prisão para início da execução da pena, tal comando não poderia ser cumprido antes da sua publicação. E LOGO APÓS A PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO SERIA POSSÍVEL? A resposta é não. Por mais que existam diversos casos em que a execução provisória tenha sido determinada no acórdão e cumprida antes ou com a sua publicação, a jurisprudência, em especial do STJ[6]e[7] vem rechaçando essa “antecipação” da antecipação da execução da pena. O caso do Goleiro Edinho[8] é um bom exemplo de que a execução provisória não pode cumprida antes da confirmação do acórdão[9]. E POR QUAL MOTIVO? Logo após a publicação de um acórdão, surge a possibilidade da defesa opor Embargos de Declaração[10], que em razão da sua natureza, pode operar efeitos modificativos a condenação imposta. Portanto, antes do vencimento do prazo dos Embargos de Declaração não seria possível cumprir a execução provisória da pena. Além dos Embargos de Declaração, após a publicação do acórdão, pode surgir a possibilidade de Embargos Infringentes[11], caso exista um voto divergente favorável a alguma tese apresentada pela defesa. Por fim, também após a publicação do acórdão, há a possibilidade de interposição de Recurso Especial e Extraordinário, que apesar de em matéria criminal não serem dotados de feito suspensivo, na prática acaba por ser relevante a resposta de quem poderia determinar a execução provisória. Com relação a quem pode determinar a execução provisória, neste ponto reside uma peculiaridade, pois por se tratar de uma execução “provisória” da pena, mesmo antes do trânsito em julgado, para tal “modalidade” de prisão (ainda que não prevista), devem ser aplicados todos os institutos decorrentes da Lei de Execução Penal. Portanto, a execução provisória deve(ria) ser determinada e fiscalizada pelo Juízo de Execução Penal, da mesma forma como ocorre nos casos de condenação definitiva – com o trânsito em julgado. Para simplificar, por mais que o acórdão venha com algum comando referente a determinar a execução provisória, por se tratar a execução provisória da pena uma forma de executar a pena de forma antecipada (perdão pela repetição), o seu cumprimento deverá ser determinado pelo Juízo de Execução Penal, e não pelo Tribunal. Enfim, antes da confirmação da condenação da Apelação, que somente ocorre com o escoamento dos prazos recursais dos Embargos de Declaração e Infringentes, não seria possível determinar e efetuar a prisão para início da execução provisória. Finalmente, ainda não seria correto o Tribunal decretar e efetuar o cumprimento da prisão, pois por se tratar de uma prisão decorrente de uma condenação, e não vinculada a um fato ocorrido durante o Inquérito, ou durante a instrução, o Juízo competente seria o de Execuções Penais. Ou seja, como o Juízo competente para dar início à execução provisória é o Juízo de Execuções Penais, após a condenação em 2º grau, o Tribunal deverá remeter os autos ao Juízo de 1º grau, o que somente pode ocorrer após a análise do conhecimento dos Recursos Especial e Extraordinário. CONFUSO? Vamos voltar ao caso tríplex. Se a condenação for mantida no julgamento da Apelação, após o escoamento do prazo referente aos Embargos de Declaração, dos Embargos Infringentes (caso tenha algum voto divergente) e encerrada a análise da admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário, os autos poderão ser baixados para a 1ª instância, para que lá seja iniciada a execução provisória pelo Juízo de Execução Penal. Não há como o Tribunal determinar a remessa dos autos para o 1º grau antes de analisar admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário. Por todos esses motivos, não seria correto efetuar uma prisão para início da execução provisória da pena logo (imediatamente!) após o julgamento da Apelação. MAS ONDE ESTÁ ESCRITO QUE ESSA É A FORMA CORRETA? Aqui está o problema, pois em nenhum lugar está determinado o procedimento a ser adotado no caso da execução provisória da pena. Como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região passou a padronizar a questão, no sentido de determinar a remessa dos autos ao 1º grau, após o término dos prazos recursais, tudo indica que mesmo caso a sentença condenatória do caso tríplex seja mantida, a prisão para início da execução provisória, somente seria possível após a remessa dos autos a Vara de Execuções Penais. Em caso de uma prisão antes da remessa dos autos ao Juízo da Vara de Execuções Penais, possivelmente a defesa impetrará habeas corpus no STJ com boas chances de êxito de obter a liberdade (ainda que por pouco tempo – eis que bastaria os autos chegarem a Vara de Execuções penais para poder dar início à execução provisória da pena). Thiago Luiz Pontarolli Advogado [1] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2017/07/LULA-CONDENADO.pdf [2] STF - CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado[2] [3] Ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso e Edson Fachin [4] Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowsk. [5] STF – HC 146.818, Gilmar Mendes, 2ª Tª, DJ 18.09.17. [6] STJ – 397.907, Rogério Schietti Cruz, 6ª Tª, DJ 03.08.17 – “Na hipótese em que foi permitido ao réu recorrer em liberdade, soa desarrazoado que a expedição de mandado de prisão ocorra deforma automática, tão logo seja prolatado ou confirmado o acórdão condenatório, ainda passível de ntegração pelo Tribunal de Justiça. 5. Ordem concedida”. [7] STJ – 413.714, Ribeiro Dantas, 5ª Tª, DJ 28.11.17 – “4. Contudo, no caso dos autos, verifica-se que foram opostos embargos de declaração perante o Tribunal de origem, já julgados, porém pendente de intimação das partes. Assim, ante a não definitividade da condenação no âmbito da jurisdição ordinária, a expedição de mandado de prisão para início de cumprimento da pena caracteriza constrangimento ilegal”. [8] http://www.salacriminal.com/home/foi-correta-a-decisao-liminar-que-colocou-o-goleiro-edinho-em-liberdade. [9] STJ – HC 389.732 - Antônio Saldanha Palheiro, 6ª Tª, decisão liminar publicada em 03.03.17. [10] Art. 619 CPP - Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação, câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de dois dias contados da sua publicação, quando houver na sentença ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. [11] Art. 609 CPP - Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |