O medo vende e é um produto fácil de ser divulgado, apenas há a necessidade de um ouvinte atento e de um divulgador que aja conforme o pavor que manifesta; da mesma forma que aliena seu produto em prol da segurança também se sente inseguro e molda a vulnerabilidade ao redor de todos. Esse, entretanto, é apenas um vendedor. O mercado possui a facilidade de renovação, a estrutura capitalista consegue, de toda forma, surgir como a fênix de suas cinzas e criar o novo estimulo para sua próxima vida, em caso de oscilação da anterior. (Marx) De toda forma o medo é apenas a combustão de um material volátil que explode a qualquer situação de exposição de insegurança. Aos primeiros acordes de uma influenza tida como apelido nome pejorativo e extremamente insinuante como a gripe suína, o produto álcool gel seria a salvação e redenção que a princípio imunizaria o medo, e isso já bastava. Da mesma forma bastou para que as indústrias farmacêuticas tivessem uma repentina queda em seus estoques e fossem atrás de uma produção recorde do gel. Jornais noticiavam que o uso do produto seria de um valor incomensurável para a saúde da população, bem como as máscaras cirúrgicas. Nada como um pavor para inserir novamente nos trilhos a máquina do mercado. Algumas vezes esse mecanismo cai em desuso ou em limites perigosos, mas o medo parece ser a salvação. O medo da multa e da perda de pontos na habilitação para quem não tivesse extintores em seus veículos, obrigatório desde o começo da década fez com que o mercado do produto ressurgisse e colocasse um pé no sucesso de vendas daqueles anos. Hoje, apesar das discussões acerca do extintor em carros de passeios, o produto deixou de ser obrigatório em setembro de 2015. Mas o medo vendeu. A metáfora do medo vende e é libertadora quando se tem aquilo que transforma o pavor em simples anedota, a segurança é a principal arma contra o terror que tentam incutir em nossas vidas. Dessa maneira, o mercado de segurança é o que mais cresce num mundo dependente e sensibilizado pelo medo e pavor do outro, que pode ser qualquer um. Condomínios com mega sistemas de proteção que trazem a infalibilidade de seus recursos para manter estranhos afastados são o ápice no mercado de habitação. A casa própria não é mais agora aquela com varanda aberta e janelas dispostas à rua: deve ser a mais segura possível, enclausurada em medos e desejando fazer transparecer que esse medo existe e que está pronto para rechaçar qualquer ameaça advinda de fora de seus muros. (Bauman) As residências estão mais fechadas em sua arquitetura, que demonstram paredes altas e janelas que não se abrem, portas magnéticas e engendradas por mecanismos caríssimos de proteção. Empresas que prestam serviço ao governo para a segurança de seus assistentes hoje são as mais concorridas no mercado. Essas mesmas empresas ululam de alegria quando o medo é estampado pelos metódicos apresentadores de jornais sensacionalistas da hora do almoço e se instalam nos corações de todos quando os noticiários tidos como mais confiáveis travam uma batalha contra o mal no horário dojantar. Quando em 2007 o menino João Hélio foi arrastado em um veículo por assaltantes que roubaram o carro de sua família e não tiveram tempo de retirar o pequeno, vindo a falecer, a elite do Rio de Janeiro passou a comprar carros blindados fazendo com que o Brasil, naquele período de final de década se tornasse o país que mais fabricava e vendia carros blindados no mundo. Empresas que apenas se dedicavam a essa atividade tiveram um lucro absurdo, em prol da segurança e do medo instilado nas pessoas. O medo é a propaganda que precisa ser renovada por uma fábrica producente de acessórios que não podem ser menosprezados: o imaginário e a reação das pessoas. Armas de fogo começaram a ser compradas, mesmo pelo mercado negro de armas, na cidade do Rio de Janeiro após a presença maciça dos moradores de favelas nas praias da cidade, onde antes apenas uma classe frequentava. De toda forma, andar armado na praia não é opção, mas o temor reverencial faz com que se pense que ter uma arma em casa é a salvação contra o inimigo que desce o morro, ao invés de lá permanecer. A guerra muda de figura quando nomeada pelo medo e pela insatisfação da convivência com o outro, com o estranho ou com aquele que representa o bandido. É dessa forma que o inimigo é produzido, tanto no imaginário coletivo quanto para o direito penal e poder de polícia, pois querendo ou não, fazem parte dessa mesma rede e recebem as mesmas informações. Não há como conseguir que diferente seja, quando inserido no objeto de pesquisa e no universo social espalhado mundo afora, pois todos fazem parte da mesma sociedade e possuem, vez ou outra, os mesmos medos, desde policiais, juízes, o ministério público etc. (Popper e Bachelard). Nesse interim, o medo produz os inimigos que devem ser combatidos pela exclusão, que tem sua propulsão pela “guetização e divisão das classes”(Wacquant) e das espécies (Agamben). O medo é incutido nas matrizes estruturais formadoras da ideologia geral numa forma de ser assertivo, assegurando aos difusores de pânico e pavor seu sucesso vigoroso. É dessa forma que o medo passa então a ser institucionalizado pelo poder do Estado em manter descartáveis e selecionáveis determinados locais e pessoas que possuem o estigma de diferente e assim, participante do direito penal e da exclusão nos cárceres (Batista). Esseexcluir muitas vezes é realizado de forma preventiva, sem qualquer tipo de receio ou de hesitação. A tolerância zero de Rudolph Giuliani (“quem rouba um ovo rouba um boi”) significa o medo sendo institucionalizado da forma mais propedêutica possível: o erro deve ser corrigido de toda forma, não importando qual seja esse erro. O pavor cria e engendra seus monstros que devem ser combatidos, de qualquer maneira, não importando princípios ou direitos garantidores da dignidade da pessoa. O medo vende e o seu marketing é a raiz da sociedade: a televisão e seus programas sensacionais tanto escravizam quanto incutem um pavor acentuado, o que se pode notar nos exemplos trazidos acima. Claro que se vive em uma sociedade complexa e por certo há insegurança. Todavia, o crescente pavor e temor dos outros tomou consequências drásticas e lamentáveis, como a falta de interação social, de convivência e da simples reunião tradicional entre os amigos moradores num mesmo local. A palavra comunidade alterou-se para “pontos de segurança”, onde os vizinhos estão de olho em tudo e em todos e tocam seus alarmes quando o diferente se aproxima; muitas vezes ele somente chega perto das cercas para colocar na caixa de correio o panfleto do mercado local. Iverson Kech Ferreira Advogado especializado em Direito Penal Mestrando em Direito pela Uninter Pós-graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional É pesquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |