Gestos são muito significativos. Nosso corpo fala de muitas maneiras e saber "ler" as variadas mensagens que seu interlocutor está passando é fundamental. Os olhos, em especial, tem um poder de comunicação que não deve ser subestimado.
Com base nessa premissa, pensemos nas diversas fotos de pessoas vestindo uniformes oficiais e que tiram suas selfie com o olhar carrancudo, fechado, apontado o dedo indicador para a câmera. Tudo muito simbólico. Vale a pena refletir um pouco nisso. Os comentários abaixo não significam uma crítica a nenhuma agência de repressão, pelo contrário, significam uma genuína preocupação com o que se está fazendo com seres humanos que, muitas vezes, estão dispostos a sacrifícios significativos em prol de outros. Como regra a tarefa de uma agência de controle exige uma postura que reflita certa austeridade. Isso é "natural". Porém, como sabemos, o poder é inebriante; quem sabe mais do que qualquer substância, natural ou confeccionada em laboratório. Assim, o que se lê nas selfie tirada com as características mencionadas acima? Há a intenção de ameaça, tanto no olhar quanto no gesto com o dedo indicador - que simboliza a arma apontada, qualquer que seja. Vislumbra-se o desejo de reduzir o interlocutor a uma posição de receio, medo, paralisando-o e colocando-o numa posição servil, submissa. Note-se que tudo isso numa foto a ser colocada em seu perfil público. Não estamos falando de uma foto representativa de uma entidade. Ela é tirada pela própria pessoa para servir como sua identidade visual pública nas mais diversas redes de comunicação. O que se conclui? Se alguém deseja ser conhecido como ameaçador, perigoso, autoritário, a razão primordial disso é o desejo de ocupar um lugar de poder (imaginário, diga-se de passagem). Um dos problemas que isso gera no caso de agências oficiais de controle é que o efeito causado no interlocutor nem sempre será o de submissão. Muitas vezes o "desafio" comunicado será aceito. Combate iniciado. O que se segue? Uma profusão de atos violentos espalhafatosamente filmados e exibidos, numa demonstração retroalimentada de contra-poder. Outro problema é que os agentes de repressão acabam, com essa postura introjetada de incorporação pessoal de função, afastando os que deveriam deles se aproximar, ou seja, a quem estes estão prestando serviço - de modo direto - a grande maioria da população (existem outros motivos para este afastamento que precisariam ser enunciados, inclusive a estigmatização rotuladora relacionada com agentes corruptos, a qual repudio veementemente). Enfim, numa sociedade em que os agentes de controle olham para si mesmos como uma ameaça viva, sentindo um orgulho mórbido disso e que a população os vê com suspeita ou ódio declarado, quem dirá que não vivemos em guerra? A questão de base quem sabe seja justamente: onde ela começa? Paulo Incott Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal Pós-graduando em Criminologia Referências: FIORELLI, José Omir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2015 FREUD, Sigmund. Psicologia das Massas. São Paulo: Cia. das Letras, 2016. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |