Recordo-me como se fosse hoje. Corria o ano de 1988. Nessa época, mantinha o meu Escritório de Advocacia em Assis Chateaubriand, denominada por Adizio Figueiredo dos Santos,meu pai espiritual, de Cidade Morena o mesmo cognome de Campo Grande, Capital de Mato Grosso do Sul. Nesse histórico ano de 1988, em 05 de outubro, o saudoso Ulysses Guimarães, por ocasião da promulgação da Constituição Federal, na condição de Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, bradava a plenos pulmões: "[...] A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério [...]". O que se está procurando destacar é que a Constituição, ainda nas palavras do imortal Ulysses Guimarães, é "[...] caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de fábrica [...]". Complementaria eu, ousando dizer: a Constituição é a Bíblia Sagrada da Nação. Qualquer afronta à mesma é uma heresia, um ultraje, uma blasfêmia, uma violência, um constrangimento a se equiparar ao do crime de estupro. Na lição supra transcrita, podemos discordar da Constituição. Podemos da Constituição, divergir. Contudo, não podemos descumpri-La e, jamais, afrontá-La. Segundo o legado de Ulysses Guimarães, se descumprirmos a Constituição seremos seus traidores e, nessa condição de traidores da Constituição, seremos alçados à condição de traidores da Pátria. Recentemente, Ives Gandra da Silva Martins, Advogado e Professor Emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, em excelente artigo publicado na página A3 da Folha de S.Paulo de 12 de julho deste corrente ano de 2016, sem destoar dos registros contidos no histórico pronunciamento de Ulysses Guimarães acima pautados, referindo-se ao Supremo Tribunal Federal, com proficiência observou: "[...] sempre foi uma corte de legisladores negativos, ou seja, voltada a não dar curso às leis inconstitucionais, respeitando os Poderes políticos em sua função legislativa. De resto foi o que ficou definido no artigo 103 da Lei Suprema —tanto que, nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, quando o Congresso omite-se inconstitucionalmente, não pode a suprema corte legislar, mas apenas solicitar ao Poder Legislativo que produza a norma. A rápida mudança, todavia, de sua composição e a introdução da TV Justiça, que permitiu o acesso de círculos não jurídicos às discussões nos tribunais, tornaram o STF um protagonista além de suas próprias fronteiras, passando de legislador negativo para positivo. Assim, legislou sobre fidelidade partidária, eleição de candidatos derrotados para substituir governadores afastados, alargamento de hipóteses de união estável para pessoas do mesmo sexo, instituição da impunidade para o aborto eugênico, culpabilidade sem trânsito em julgado, com encarceramento nas ações penais antes da decisão final, assunção de funções exclusivas do Legislativo para afastamento de parlamentares e definição de regimentos internos do Legislativo, quando seu próprio regimento interno é intocável, além de outras intervenções normativas de menor impacto. (...) Creio que esse protagonismo crescente resulta em insegurança jurídica e, ao invés de ser, como era no passado, uma corte que garantia a estabilidade das instituições, por mais que sua intenção seja essa, termina por trazer um nível de instabilidade maior, visto que contra a lei inconstitucional pode-se recorrer ao Judiciário, mas contra a invasão de competências não há a quem recorrer. (...) Para mim o Supremo não é um 'legislador constituinte', mas, pelo artigo 102, exclusivamente um guardião da Carta da República. [...]". Como bem ensinou Ives Gandra da Silva Martins, cláusula pétrea como, por exemplo, a do artigo 5º, inciso LVII da Constituição que expressamente estatui: "[...] ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória [...]" não poderia ser alterada por uma decisão do STF que o faz avançar "[...] além de suas próprias fronteiras [...]", até porque, tal qual frisou o sóbrio Ministro Marco Aurélio Mello, conforme reportagem na Revista Veja, edição 2.483, ano 49, nº 25, de 22/06/2016, página 60: "[...] O preceito não permite interpretações [...]". Cá entre nós, deixar o STF, a missão de guardião da Carta da República, optando pela de "legislador constituinte", gerando, como asseverou Ives Gandra da Silva Martins,insegurança jurídica que, por sua vez, compromete a estabilidade do Estado Democrático de Direito, é por na chocadeira O OVO DA SERPENTE. * Artigo publicado originalmente na Revista "Em Ordem" da Subseção de Cascavel da OAB Paraná. José Bolivar Bretas Advogado Criminal Professor de Direito Penal e Processo Penal da UNIPAR Membro da Associação Internacional de Direito Penal
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