DA SÉRIE: "BASEADO EM CASOS SUR(REAIS)!" EPISÓDIO 7 Eu, recém-formado. Ele, o meu primeiro cliente na advocacia criminal. Era, na ocasião, também o único. Felizmente, já que ocupava quase a integralidade do meu tempo. É que o sujeito era uma espécie de consórcio: todo mês, era contemplado – com nova denúncia. Em setembro daquele ano não foi diferente. Já na primeira semana do mês, o cliente foi denunciado. Chegou ao escritório desanimado. Segurava, na mão, a sua sétima denúncia. A sétima acusação que ele insistia em negar. Encaminhei-o à sala de reunião e, já havendo decorado o seu gosto, pedi à secretária que trouxesse um expresso com duas colheres de açúcar. Para mim era claro. O multidenunciado cliente tentava compensar o amargo da vida com o doce do café. - Precisamos arrolar testemunhas. De preferência, testemunhas diversas dos demais processos. - Nesse caso, Doutor, precisarei fazer novos amigos. Já arrolamos minha mãe, meu pai, meus três irmãos, minhas cunhadas, meus vizinhos e meus dois amigos de infância. Quem mais posso arrolar? - Você pretende simplesmente negar a acusação. Creio que, então, baste uma testemunha abonatória. Pense alguém com credibilidade, que conviva com você e possa falar algo bom ao seu respeito. - O Doutor acha interessante arrolar alguém da igreja que eu frequento? Foi assim que conheci a dona Clemência. O cliente parece haver escolhido a testemunha a dedo. A começar pelo nome. Expliquei à simpática e rechonchuda senhora que ela precisaria responder apenas a verdade. Ela respirou aliviada e disse que ele não permitiria que fosse diferente. - Ele quem? O cliente denunciado? - Não, Doutor! Deus. Chegado o dia da audiência, dona Clemência entra na sala. Sorriso no rosto e Bíblia na mão. O juiz me autorizou a palavra e dirigi menos de uma dezena de perguntas à testemunha. De onde e há quanto tempo a Senhora conhece o réu? Com qual frequência o réu aparece na igreja? O réu é pessoa querida e respeitada naquela comunidade? A senhora conhece alguma atividade da igreja com a qual o réu se envolve? Pode menciona-la? Dona Clemência seguiu firme. Olhando nos olhos do juiz. Segura, como todos aqueles que não têm nada a esconder. Cada resposta dela me fazia gostar mais do meu próprio cliente. Caridoso, participativo, bondoso, atencioso. O juiz então abre a palavra ao Ministério Público, que costuma renunciar ao direito de perguntar quando a testemunha é meramente abonatória. Mas não naquele dia. - Sim, Excelência. O Ministério Público tem algumas poucas perguntas. Boa tarde, dona Clemência. A senhora mencionou que encontra o réu com frequência, na sua igreja. Nessas situações, vocês costumam conversar? - Ah sim, Doutor. Conversamos, sim. O réu é pessoa muito atenciosa e querida. - E nessas conversas, que então são frequentes, o réu mencionou a existência dos diversos processos criminais a que responde? - Mencionou, sim. - E o que ele diz para a senhora, sobre esses fatos pelos quais está sendo acusado? - Sobre isso fala pouco, Doutor, mas chora muito. Chora. E só diz que está arrependido dos crimes que cometeu. Foi nesse dia que reconheci. Ao contrário do que dizem muitos advogados criminalistas, o Ministério Público, quando precisa, sabe sim usar de Clemência. Marion Bach Advogada Mestre em Teoria do Estado pela UFPR Professora de Direito Penal da UNICURITIBA e UNIFAE * O protagonista da presente crônica é José Carlos Cal Garcia, Advogado e Professor de Direito Os comentários estão fechados.
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ISSN 2526-0456 |