Artigo do Colunista Iverson Kech sobre as mazelas do poder de exclusão institucionalizado. Vale a leitura! ''A partir desse ponto o poder de exclusão é exclusivamente institucionalizado e aceito por um Estado fraco; carente de células de proteção e acolhimento dos mais necessitados e carentes que perambulam entre a marginalidade e o total desaparecimento no corpo social'' Por Iverson Kech Émile DURKHEIM definiu as sociedades em orgânicas e mecânicas e as diferenças entre elas, constituindo também o conceito de anomia. Tal termo restou evidenciado nas obras Da divisão do trabalho social de 1893 e O suicídio, de 1897. E é a partir de um crescente enfraquecimento dos vínculos sociais, seguida da fluidez das relações sociais diversas, que a anomia ganha força. Indispensável para essas reflexões os diversos ciclos atravessados pelo corpo social, dentro da história humana, entre elas a exasperação do diferente e do outro, causado pelo medo.
As pesquisas realizadas demonstram que essa liquidez, ou falta de uma argamassa social que antes nos unia, ganhou força com o poderio de exclusão determinado por instituições do próprio Estado como a prisão e a busca de uma lei e ordem custe o que custar. Diante disso, as engrenagens que antes serviam para a união da comunidade orgânica, hoje preparam aqueles que serão conhecidos como dissemelhantes. Nesse sentido, a reflexão dos conceitos durkheimianos servem de estrutura para a interpretação do enguiço anômico que perpassa as sociedades diversas, com intuito da fragmentação coletiva. Por consequência, as análises de BAUMAN e Manuel CASTELLS acerca das mudanças destes ciclos que atravessam a sociedade, perfazem uma importância ímpar, ao impactar toda a evolução social que segue em direção de um distanciamento de seus indivíduos. Nesse ponto, os estudos realizados por Erwing GOFFMAN relativos às interações entre indivíduos sociais, e como essas são representadas, acusam o caminho a ser percorrido quando a observação do coletivo se foca em comunicação e diálogos, que podem ser representados a partir das influências diversas que o indivíduo recebe da sociedade que agora se aparta. Automodulante e extremamente adaptável, o novo homem vive em uma sociedade de rede (Manuel Castells) que não é segmentada, muito menos pré-moderna, vivendo de suas próprias contradições, reciclando-as e isolando-se cada vez mais. Assim, há a fragilidade de todas as formas de comunhão e a falta de integração determinada. Essa sensação de deslocamento constante e ausência de pertencimento, mesclados às inúmeras conexões que trazem uma falsa percepção de segurança, partem de estudos de LUHMANN a respeito das relações humanas dos dias atuais. A relação tanto do homem com seus semelhantes e grupos, quanto com o Estado, gerou um conformismo com as situações políticas e com a vida ao redor, causando uma instabilidade cotidiana. O Estado é incapaz de fazer com que o cidadão alienado decida e entenda o que é bem comum, ainda mais, numa ampla globalização e um forte predomínio das leis do mercado, o que causa ainda mais individualização. Em busca da política de Bauman (2000), traz o enfoque destas mudanças sofridas pelo Estado, em prol de grandes conglomerados econômicos, e fez transformar a sociedade. A partir desse ponto o poder de exclusão é exclusivamente institucionalizado e aceito por um Estado fraco; carente de células de proteção e acolhimento dos mais necessitados e carentes que perambulam entre a marginalidade e o total desaparecimento no corpo social. Na contramão dos inúmeros ensinamentos dos pesquisadores já citados logo acima, há a esteira para a marcação e estereotipagem, cujos atos são coniventes pelo Estado e desenvolvidos pela sua força de proteção penal. Dentre diversos métodos utilizados na história para a segregação, o existente atualmente difere de seus antecessores por características solidificadas em engrenagens muito bem elaboradas. A pobreza, a mendicância, a miséria e a necessidade demonstram hoje e estabelecidos por seus parcos (...ou nenhum) limites econômicos o exército de descartáveis. E o sistema aumenta sua repressão a partir de seus poderes de polícia e de guerra, contrários a uma fração numerosa da população, que tende a crescer em número de natividade da mesma forma que preenche as frias prateleiras dos Institutos Médicos Legais, espalhados Brasil afora. A violência do Estado resta escancarada nas páginas dos jornais e nas pesquisas de jornalistas comprometidos, nas dores dos familiares, na rebeldia de poucos e nas estatísticas policiais conhecidas por nós como autos de resistência. Nesse sentido, o outro, o causador do medo alheio ou o diferente e “débil social” servem para a segregação e a morte, preconcebidas por um sistema que estima valores bem diferentes da promoção humana e da própria vida em si. Iverson Kech Ferreira Mestre em Direito, Teoria e História da Jurisdição, no Centro Universitário Internacional Uninter, Pós graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal, possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional. É professor universitário e pesquisador desenvolvendo trabalhos acerca de estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Crítica e Política criminal. Advogado especializado em Direito Penal e Processual Penal, associado aos quadros da OAB/PR. Autor de livros de direito e sociologia penal, professor de direito penal, processo penal e criminologia. Referências Sobre os autos de resistência ver: ZACCONE, Orlando. Indignos de vida. Rio de Janeiro. Revan, 2016. Sobre anomia ver: Da Divisão do Trabalho Social - Biblioteca do Pensamento Moderno - 4ª Ed. 201, e DURKHEIM, Emile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. A respeito do Estado fraco, conglomerados econômicos e globalização ver: BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo – a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, Medo Líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2006 e Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. Sobre a interação entre os indivíduos e aceitação ver: GOFFMAN, Erwing. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4° Ed., Rio de Janeiro: LTC, 2008. Sobre a comunicação e sua serventia na manifestação e estabelecimento dos sistemas sociais diversos ver: LUHMANN, Niklas.. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.
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