Artigo da colunista Paula Yurie Abiko sobre o princípio numerus clausus na execução penal, vale a leitura. '' O princípio do numerus clausus na execução penal é demasiado importante para reduzir a lotação carcerária. Basicamente, o princípio aduz que para cada apenado que ingressar no sistema penitenciário, outro apenado deverá ser colocado em liberdade, no limite proporcional de presos e vagas, mantendo assim uma estabilidade no sistema prisional e proporcionando uma estrutura organizacional mais adequada[1]''. Por Paula Yurie Abiko O princípio do numerus clausus na execução penal é demasiado importante para reduzir a lotação carcerária. Basicamente, o princípio aduz que para cada apenado que ingressar no sistema penitenciário, outro apenado deverá ser colocado em liberdade, no limite proporcional de presos e vagas, mantendo assim uma estabilidade no sistema prisional e proporcionando uma estrutura organizacional mais adequada[1]. Analisando os atuais dados do INFOPEN (2019) e banco nacional de monitoramento de dados do Conselho Nacional de Justiça, observa-se que ultrapassaram-se 800.000 mil presos no sistema carcerário brasileiro[2]. Utilizando precedentes de outros países como a França, o autor (ROIG, 2014, p. 105) demonstra como outros países aplicaram o princípio do numerus clausus nos sistemas penitenciários locais, como a proposta de Gilbert Bonnemaison, Deputado francês que encaminhou ao Ministro da Justiça um relatório de modernização do sistema penal, no qual consistia em pleitear que apenas houvessem indivíduos presos para o número exato de vagas disponíveis, de modo a evitar o hiperencarceramento[3]. O princípio é fundamental de ser seguido no Brasil, mas tem sido reiteradamente violado. A lei de execução penal dispõe no artigo 88, alíneas a e b, in verbis: ‘’ Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados)’’[4]. Ocorre que na prática, os apenados permanecem juntos em celas superlotadas, expostos a vários tipos de doenças e comorbidades, doenças de pele e alergia causados pela má ventilação e falta de higiene pessoal, um problema ainda mais preocupante neste momento de pandemia global do COVID 19. Portanto, ressalta (ROIG, 2014, p. 109) que o princípio do numerus clausus preconiza a redução da população carcerária, e não a criação de novas vagas[5], partindo da premissa de que ninguém deve ingressar no sistema prisional se não há vagas ou local apropriado para essas pessoas permanecerem. Nesse sentido, a adoção do princípio do numerus clausus no âmbito da execução penal coaduna-se com os direitos fundamentais e individuais basilares de um Estado Democrático de Direito, conforme preconiza a Carta Magna em suas cláusulas pétreas, artigo 60, §4º, inciso IV. É um princípio tecnicamente possível, basta que as autoridades tenham atenção para o caótico cenário do sistema penal, com o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional declarado pelo Supremo Tribunal Federal, na ADPF 347. Na prática, sabe-se que a questão não é tão simples pelas reiteradas violações aos direitos e garantias individuais dos apenados no sistema prisional, somado a isso, a falta de preocupação das autoridades e poder público em reduzir a população carcerária ou garantir um local digno de convivência. Algumas alterações recentes pela Lei nº 13.964/2019 foram severas no âmbito da execução penal, primordialmente no tocante a progressão de regime, no qual prevê a atual legislação: “Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional’’. Anteriormente, a progressão de regime ocorria observado o cumprimento de 1/6 da pena para delitos comuns, 2/5 em delitos hediondos ou equiparados e 3/5 para reincidentes nos delitos hediondos, apenas para delitos hediondos cometidos antes de 2007 era possível a progressão de regime após o cumprimento de 1/6 da pena, eis que a previsão legislativa ocorreu após o ano de 2007, sendo aplicada a fração nas ações penais transitadas em julgado posteriormente. Há a vedação de livramento condicional para delitos hediondos com resultado morte, tanto para apenados primários quanto reincidentes nos termos da lei, além de vedação a saída temporária nesses casos. Ainda, foram incluídos no rol de delitos hediondos o roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima, nos termos do artigo 152, §2°, V, o roubo com emprego de arma de fogo, conforme artigo 152, §2° A, inciso I, ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito, bem como fora incluído no rol dos crimes hediondos o furto qualificado com a utilização de explosivos ou de artefato análogo que cause perigo comum, nos termos do artigo 155, §4° – A. Ressaltando (LEBRE, 2020, p. 99) nesse sentido: ‘’o rol de crimes hediondos foi significativamente ampliado com o advento do Pacote Anticrime, o qual, por certo, figura como novatio legis in pejus neste tocante’’. Portanto, a atual legislação só poderá ser aplicada em ações penais transitadas em julgado em 2020, eis que mais severa aos apenados. Analisando os dados do banco nacional de monitoramento de dados do Conselho Nacional de Justiça[6], observa-se que apenas os tipos penais de furto, roubo e tráfico de drogas somam mais de 50% dos presos do sistema penal, e o impacto de inclusão de mais delitos patrimoniais no rol de delitos hediondos terá um impacto severo no âmbito da execução penal, tendo em vista as mudanças na progressão de regime e livramento condicional expostas com a redação da nova lei. Deve-se salientar um dado fundamental para a aplicação do princípio do numerus clausus no âmbito da execução penal, posto que mais de 40% dos indivíduos privados de liberdade no país são provisórios, sem condenação definitiva. Em decorrência disso, o princípio do numerus clausus na execução penal denota a importância na aplicabilidade prática, em que pese saibamos que a consolidação efetiva desse princípio dependa da atenção das autoridades em tutelar os direitos dos apenados, no qual no cenário atual tem seus direitos e dignidade reiteradamente violados.
É fundamental lutar para que a Constituição da República seja cumprida, os direitos dos apenados no âmbito da execução penal, bem como para o cumprimento dos tratados internacionais nos quais o Brasil é signatário, ressaltando (BEIRAS, 2019, p. 74) nesse sentido: ‘’ Em primeiro lugar cabe afirmar, em atenção ao desenvolvimento de uma política em matéria penal que seja respeitosa da legalidade e da proteção dos direitos fundamentais, que sua implementação deve necessariamente se comprometer a cumprir com os ditames dos organismos internacionais de direitos humanos que emanam dos tratados dos quais o país é signatário’’. Diante dos fatos expostos e com as severas alterações trazidas na Lei nº 13.964/2019, bem como no número expressivo de presos provisórios, é fundamental trazer ao debate no âmbito da execução penal esse importante princípio, eis que coaduna-se com o disposto na Constituição da República e no que prevê expressamente a lei de execuções penais. Paula Yurie Abiko Pós graduanda em direito penal e processual penal - ABDCONST. Pós graduanda em Direito Digital (CERS). Graduada em direito - Centro Universitário Franciscano do Paraná (FAE). Membro do Grupo de Pesquisa: Modernas Tendências do Sistema Criminal. Membro do grupo de pesquisas: Trial By Jury e Literatura Shakesperiana. Membro do GEA - grupo de estudos avançados - teoria do delito, (IBCCRIM). Membro do Neurolaw (grupo de pesquisas de Direito Penal e Neurociências – Cnpq). Integrante da comissão de criminologia crítica do canal ciências criminais. Integrante da comissão de Direito & literatura do Canal ciências criminais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEIRAS, Iñaki Rivera, Desencarceramento por uma política de redução da prisão a partir de um garantismo radical [livro eletrônico]. tradução Bruno Rotta Almeida, Maria Palma Wolff, 1ª edição, Florianópolis, Tirant Lo Blanch, 2019. LEBRE, Marcelo. Pacote Anticrime: anotações sobre os impactos penais e processuais. Curitiba: Editora Aprovare, 2020. NOTAS: [1] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Um princípio para a execução penal: numerus clausus. Revista Liberdades, nº 15, janeiro/abril de 2014, Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, p. 104. [2] <https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/bnmp-2-0/>, acesso em 23 de julho de 2020. [3] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Um princípio para a execução penal: numerus clausus. Revista Liberdades, nº 15, janeiro/abril de 2014, Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, p. 105. [4] BRASIL, Lei de Execução Penal nº 7.2010, de 11 de julho de 1984. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>, acesso em 23 de julho de 2020. [5] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Um princípio para a execução penal: numerus clausus. Revista Liberdades, nº 15, janeiro/abril de 2014, Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, p. 109. [6] BANCO NACIONAL DE MONITORAMENTO DE PRISÕES, CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA <https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/cadastro-nacional-de-presos-bnmp-2-0/>, acesso em 26 de julho de 2020.
2 Comments
Rodrigo Ramos
7/27/2020 07:51:02 pm
Excelente análise acerca do princípio Paula. Parabéns. O princípio é algo pincelado muito superficialmente na academia, é ignorado deliberadamente pelo legislativo que se preocupa em ampliar cada vez mais o rol de tipos penais sem a devida cautela!
Reply
Ezequiel Pinheiro
8/4/2020 12:56:46 am
Seja aprovado na OAB com os melhores mapas mentais!!
Reply
Leave a Reply. |
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |