Qual a finalidade do processo penal? A que se destina? O que o motiva? Quais são as possibilidades de suas consequências? Sua legitimidade é sempre autopresumível? A forma com a qual é conduzido tem importância? A formalidade é essencial?
Vários são os questionamentos que permeiam as bases do direito processual penal. As respostas são pontuais para aqueles que fazem um estudo sério da coisa, com profundidade, com vasto referencial, pautado em pilares democráticos, de acordo com a Constituição. Processo como mantedor efetivamente das garantias constitucionais. Processo como contenção e limitação de poder do Estado. Processo como o meio necessário para a constatação da eventual “necessidade” de aplicação da pena. Ciente da impossibilidade da obtenção da verdade pelo processo, bem como de não poder se falar em aplicação de justiça com o processo quando resulta em condenação (as bases que definem o termo merecem ser revistas), aquele que se debruça com rigor no estudo da matéria alcança uma compreensão que vai para muito além do senso comum teórico dos juristas (WARAT). A pena do suspeito, do investigado, do indiciado, do acusado, do réu, enfim, do condenado, começa muito antes do início da fase executória da pena. O raciocínio deve se pautar de acordo com um fundamental mandamento constitucional, a saber, o da presunção de inocência, merecendo tal total respeito. Mesmo muito antes de “saber” se o réu é ou não culpado de determinada imputação que lhe é feita num processo, o sofrimento deste já tem início. Não se diz aqui da aplicação de medidas cautelares, da busca e apreensão de bens ou de qualquer outra medida coercitiva contra o acusado. A aflição já amargada pelo réu flui do próprio processo enquanto processo. A condição de se situar na qualidade de réu penal é tamanha aterradora. A imposição de uma punição tem início já no início do processo. Em realidade o suplício já começa na própria fase de investigação – isso quando o investigado tem ciência de que está o sendo. A “intimação” (sem formalidade legal expressa de como deve se dar) do suspeito/investigado/indiciado (eis a primeira celeuma: saber em que situação o indivíduo se encontra) é talvez o primeiro ato de amargor. Do que se trata o inquérito? Em que se baseia a investigação? Qual o suposto fato do qual se desconfia ter como responsável a pessoa intimada para depor? Há um mandado de decreto prisional à espera daquele que será ouvido? O direito ao silêncio será respeitado? A integridade, a dignidade, a honra e o decoro e serão respeitados pelos agentes? O “estado de espírito” do ouvido será o mesmo antes e depois do depoimento? Não obstante a aflição do ato do depoimento do suspeito/investigado/indiciado, tem-se a permanência de tal estado tormentoso enquanto o inquérito não é formalizado. Sabe-se que o Código de Processo Penal estabelece um prazo determinado para a conclusão do inquérito, mas também se sabe que em decorrência de diversos fatores tal prazo pouquíssimas vezes é respeitado. Enquanto isso, o indivíduo sofre com o tempo que (não) se passa. Quando o indivíduo é processado, uma nova fase de angústia se inicia: o malfadado processo. A ânsia corrói as entranhas de quem se vê na condição de réu. O que vai ser? Como vai ser? O que o juiz irá perguntar? O que o promotor irá dizer? Como ocorrerá a audiência? Quanto tempo vai durar? A sentença será prolatada logo após a audiência? Finda a instrução, quanto tempo levará para que o caso finde? Enfim, uma agonia que só pode ser explicada por quem já vivenciou ou, aproximadamente, acompanhou tal condição. O estado tormentoso permanece (e aumenta) quando da necessidade de recurso juntos aos tribunais. Os caminhos tortuosos das possibilidades de respostas ao apelo do recorrente são tamanhas (dada a ausência de uma base sólida de efetivo respeito às garantias processuais e constitucionais) que pode se falar que o indivíduo acaba se vendo num labirinto kafkiano. Para além das amarras do preconceito e para além da máscara da hipocrisia: o processado sofre com a imposição de uma pena muito antes daquela possível a ser aplicada em caso de eventual condenação, a saber, a pena que é o próprio processo penal. Tudo isso com a cautela (medo) do risco de ser decretada no curso do processo determinada medida cautelar, inclusive a pior delas, a prisão preventiva. Na era do protagonismo judicial que atualmente se vive, nunca se sabe ao certo como se dará o trilhar de um processo penal, e quem mais sofre é aquele que se vê no tão temido banco dos réus. A pena antecipada: o processo penal! Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Pós-graduando em Filosofia Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |