Adriano Bretas e Claudio Dalledone Jr no sala de aula criminal, vale a leitura! "O Processo Penal não se confunde com a plataforma. É a ferramenta que está a serviço do Processo, não o contrário. A virtualidade digital não pode sobrepujar a realidade da vida. As partes não são Avatares processuais". Por Adriano Bretas e Claudio Dalledone Jr “Debateremos sobre o processo eletrônico, que hoje enseja 45 diferentes sistemas nos Tribunais, numa verdadeira babel eletrônica contrária à genialidade de Steve Jobs, que pregava ser a simplicidade a máxima sofisticação. O processo eletrônico será útil, mas não está amadurecido. Não pode ser implantado de forma açodada (...). A transição entre os dois sistemas deveria permitir a coexistência do processo tradicional e do processo virtual por tempo maior até a perfeita adaptação, para evitar os prejuízos que já se notam a quem busca o caminho da justiça. Sofrem juntos advogados, magistrados, partes e serventuários”.
José Lúcio Glomb, Discurso proferido pelo presidente da OAB Paraná, na abertura da XXI Conferência Nacional dos Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil. Tempos sombrios, estes. Tem razão o Dr. José Lúcio Glomb, quando anunciava, já há uma década os prejuízos aos que buscam o caminho da justiça. A pandemia da ignorância tem disseminado o vírus da arbitrariedade em larga escala entre operadores do direito. Comorbidades como, por exemplo, inexperiência profissional e de vida, baixo teor de cultura jurídica e laivos de petulância, colocam operadores do direito no grupo de risco dos que estão mais vulneráveis a se contaminar pela onda do totalitarismo. A infecção atropela garantias individuais, solapa direitos fundamentais e tripudia sobre a Constituição da República. O sistema democrático do Estado de Direito está colapsado. Profissionais garantistas que se colocam na linha de frente de combate à pandemia do arbítrio correm sérios riscos de sucumbirem à tirania. Para combater essa moléstia que se espraia terrivelmente, entidades buscam encontrar a vacina dos princípios gerais do direito. Enquanto isso, tem-se recomendado uma quarentena de leitura dos clássicos e distanciamento social de tabloides sensacionalistas que inoculam discursos de ódio e propagam a intolerância. A par disso, como medida preventiva, os especialistas orientam uma dose diária de ampla defesa e contraditório, bem como o uso constante do devido processo legal. Nesta quadra histórica, um dos principais problemas é a obtusidade dos que confundem plataformas eletrônicas de veiculação digital do processo com o processo em si. Não se pode confundir o processo com a ferramenta. O processo é um conceito abstrato muito mais amplo que abarca não somente o que vai na plataforma digital, mas também atos materiais e imateriais que não podem ser compatibilizados à veiculação eletrônica. A ferramenta (PROJUDI, E-Proc, PJ-e, etc.) constitui apenas e tão somente um portal de aporte e registro de movimentações processuais, que não se confunde com “o” processo em si. Aqui, três exemplos. Primeiro: interceptações telefônicas. Quando ocorrem interceptações telefônicas, normalmente, as gravações brutas ficam acauteladas em cartório. Por vezes, ocorre de a autoridade policial transcrever os trechos que reputa mais relevantes ou mesmo de aportar à plataforma digital a gravação de áudios pinçados. Mas, pergunta-se: os diálogos gravados que estão acautelados no cartório, mas que a autoridade policial não aportou à plataforma digital, antes do incidente de inutilização (claro), fazem parte do processo? Claro que sim! Suponha-se que, entre esses diálogos acautelados no cartório, mas não aportados à ferramenta digital, haja uma conversa de interesse à defesa. Poderá a defesa valer-se desse diálogo interceptado e acautelado em cartório para demonstrar a inocência de seu cliente? Claro que sim! Segundo exemplo: o QR-Code. Ultimamente, o Instituto de Criminalística tem adotado uma praxe bastante interessante na confecção de seus laudos. Em vez de aportar à plataforma digital, o laudo propriamente dito, o Instituto de Criminalística tem aportado apenas uma folha de rosto contendo um QR-Code e uma explicação suscinta das conclusões da perícia. Para que as partes possam acessar o conteúdo integral da perícia, é necessário scannear o QR-Code como atalho, para, aí, sim, conectar-se ao laudo em si. A questão é saber: o conteúdo acessado mediante o scanneamento do QR-Code faz parte do processo? Claro que sim! Terceiro exemplo: mutatis mutandis, quando os autos do processo ainda eram físicos, em papel, a situação não era diferente: elementos probatórios que o papel não suportava veicular por suas características físicas óbvias, tais como vídeos (fitas VHS), objetos materiais, ficavam apreendidos e acautelados em cartório, compondo o arcabouço do processo, para utilização na instrução e no julgamento. A mesma lógica vale para materiais apreendidos, uma faca, um revólver, um vestido. Não é possível inserir na plataforma “a” faca, “o” revólver, “o” vestido. Pode-se, quando muito, aportar à ferramenta uma foto desses objetos, mas não os objetos em si. Apesar de não ter sido aportado o objeto em si, mas tão somente uma foto dele, pergunta-se novamente: ele faz parte do processo? Responde-se novamente: claro que sim! De tanto operacionalizar o instrumento, a tecnocracia tem invertidos os papeis. A PROJUDIZAÇÃO do Processo Penal vem no mesmo embalo da Facebookzação da vida real, da Instagramização do cotidiano. O Processo Penal não se confunde com a plataforma. É a ferramenta que está a serviço do Processo, não o contrário. A virtualidade digital não pode sobrepujar a realidade da vida. As partes não são Avatares processuais. O mundo não é um ambiente virtual. A visão tacanha e canhestra que reduz a complexidade do conceito de Processo Penal à plataforma digital que o veicula parece decorrer da cultura de uma geração que cresceu empunhando joysticks em frente a videogames. Isso precisa ser combatido. É lamentável que uma questão tão óbvia, tão comezinha, tão primária esteja despertando tanta celeuma ultimamente. Esperamos que a vacina da legalidade imunize os operadores do direito em combate à pandemia da ignorância. Adriano Bretas Advogado criminal e Professor de processo penal. Claudio Dalledone Jr Advogado criminal e presidente do Instituto Dalledone
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