Esse texto, tem por objetivo apontar para o significado de ordem pública, aquela inserida no artigo 312, do Código de Processo Penal, ou seja, faz-se necessário a compreensão do termo ordem pública, e como o mesmo é visto pelo direito processual penal, para depois discutir-se se o mesmo fere o Estado Democrático de Direito.
Fala-se em Ordem pública com significados completamente diferentes e dificilmente conciliáveis com um sistema orgânico de conceitos. (BOBBIO, 1998). No direito penal e processual penal, a Ordem pública é tida como sinônimo de convivência ordenada, e tal significado também é inerente ao ordenamento político e estatal, ou seja, a Ordem Pública aplicada em termos processuais penais, precisamente como condição de encarceramento cautelar, é a mesma aplicada na legislação policial. Nesse sentido, tem-se que o legislador, em que pese não ter conceituado a ordem pública posta no artigo 312, do Código de Processo Penal, intrinsicamente, adota o conceito de convivência ordenada, segura, pacífica e equilibrada, conceito esse que aparece no Dicionário de Política, quanto a definição do termo. Nessa hipótese, Ordem pública constitui objeto de regulamentação pública para fins de tutela preventiva, contextual e sucessiva ou repressiva (BOBBIO, 1998). Extrai-se do Dicionário de Política, que a Ordem Pública se consubstancia como objeto de disciplina normativa, ou seja, todo sistema de normas a tem como objeto, nada obstante, seu significado e significante variam de ordenamento para ordenamento. Tal variação deve ser embasada com os princípios orientadores da matéria, no caso em comento, deve-se observar os princípios constitucionais, constitucionais penais e processuais penais, inerentes a prisão e a pena. A Ordem pública é usualmente invocada como limite ao exercício de direitos e na esfera penal e processual penal, como limite ao exercício da liberdade, direito esse de caráter geral e assegurado pela Constituição da República. Sob esse contexto, a Ordem pública assume especial papel já que está atrelada aos direitos de liberdade de todo e qualquer cidadão assegurados pela constituição: “neste caso se indica que não é possível questionar um limite de caráter geral ligado a chamada Ordem pública constitucional – que parece fazer coincidir com o conjunto dos princípios fundamentais de um ordenamento — porquanto dos princípios gerais não se poderiam originar limites situados além dos já previstos no âmbito da disciplina constitucional de cada um aos direitos” (BOBBIO, 1998). Discute-se a Ordem pública, portanto, na esfera processual penal, com argumentos que não se fazem pertinentes a cautelaridade da prisão preventiva, ou seja, sob os nuances da “opinião pública”.
A partir desses nuances, é possível afirmar que a garantia da Ordem Pública como fundamento da prisão é retoricamente manipulável (GOMES FILHO, 1994, p. 265), afinal, a pergunta que se faz é: qual é a conduta criminalizada que não altera a famosa Ordem pública, ou Ordem social? Assim, esse argumento que teria que ser limitado pela Constituição, ganha inúmeros significados com um único significante – a limitação da liberdade provisória do indivíduo, sob argumentos inerentes a pena definitiva. Para Aury Lopes Junior a Garantia da ordem pública:
A partir dos conceitos aqui trazidos, quando se reflete sobre a ordem pública para a aplicação da prisão cautelar, logo se encontra com um sério problema hermenêutico, ou seja, a conceituação do termo enfrenta problemas de linguagem e interpretação, considerando a ausência de delimitação, expressa, do texto legal, pelo legislador. Quanto ao ato de conceituar é preciso lembrar que todo conceito é uma metáfora (Nietzsche), vez que é sempre a generalização de um evento singular e irrepetível (NIETZSCHE, 2007, p.9). Observa-se que os inúmeros manuais de Direito Processual Penal não conceituam ordem pública, mas sim a assemelham com opinião pública e clamor social, logo imprestável, diante do princípio da legalidade, a decretar uma prisão cautelar. Essa situação se desdobra na interpretação arbitrária das leis. Beccaria ensina que a função dos juízes criminais não contempla a interpretação das leis, pois não são legisladores (BECCARIA, 1764). As leis emprestam sua força da necessidade de orientar os interesses particulares para o bem geral e do juramento formal ou tácito que os cidadãos vivos voluntariamente fizeram ao rei. O interprete da lei, portanto, é o soberano, e não o juiz, ou seja, a tarefa do juiz consiste em examinar o conteúdo produzido pelo soberano, se é ou não contrário a lei maior. O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não a lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna incerto e obscuro (BECCARIA, 1764, p. 11-12). Desse modo, considerando a doutrina majoritária, e a jurisprudência dominante, adotemos o conceito conferido pelo dicionário de política, o qual dita que ordem pública é sinônimo de convivência ordenada e pacífica. Pois é assim que a vemos na prática, ou seja, o juiz é constrangido a interpretar a norma penal (processual penal), e tudo se torna incerto e obscuro. Sob essas condições, a pergunta que se faz é: A ordem pública fere o Estado Democrático de Direito? Mariana Coelho Cantú Advogada Criminal Professora de Direito Penal e Direito Processual Penal Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal Mestranda em Direito na Uninter Comments are closed.
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