Izabele Vitoria Santos e Stéfanie Santos Prosdócimo no sala de aula criminal, abordando o tema do sensacionalismo midiático e a influência nas decisões do tribunal do júri, vale a leitura! ''Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato. Em casos mais específicos, inexiste a relação com qualquer fato e a “notícia” é elaborada como mero exercício ficcional''. Por Izabele Vitoria Santos e Stéfanie Santos Prosdócimo É sabido que a imprensa opera como agente comunicador de informações, assumindo também o papel de formador de opiniões públicas a respeito de acontecimentos que estão em discussão. Na área criminal o referido discurso tem se mostrado bastante convincente quando reputado o conteúdo dos noticiários a crimes dolosos contra a vida, os quais são de competência do Tribunal do Júri.
O Conselho de Sentença é formado por pessoas leigas em conteúdo jurídico, sendo que estas estão à mercê do sensacionalismo propiciado pela mídia, especialmente em casos que geraram repercussão nacional. Tais informações acrescidas e em alguns casos até distorcidas podem influenciar na decisão dos jurados e prejudicar o julgamento justo (LUCAS, 2018, p. 07). A mídia funciona como um canal de transmissão de informações, incumbindo-lhe em tese apenas noticiar o ocorrido para seus telespectadores. Ocorre que em alguns casos, sobretudo os crimes de comoção, a mídia os expõe de forma sensacionalista, sem a devida consciência do impacto que isto pode causar. Acerca do termo “sensacionalismo midiático”, o autor Danilo Angrimani (1995, p. 16) ensina: Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato. Em casos mais específicos, inexiste a relação com qualquer fato e a “notícia” é elaborada como mero exercício ficcional. Reitera-se que os crimes dolosos contra a vida são os mais explorados pela imprensa, como regra. Nesse sentido, o jurista italiano Frascesco Carnelluti (1995, p. 45) relata que as informações de conteúdo policial servem como diversão para a vida cotidiana das pessoas. Assim sendo, verifica-se que a mídia se utiliza do noticiário sensacionalista com o fim único de aumentar audiência. Acrescenta-se que em alguns casos a mídia chega até mesmo a impor discurso punitivista, condenando o indivíduo que ainda está respondendo processo criminal e pode vir a ser absolvido. Infere-se que a imprensa age de tal forma pois acredita estar amparada nos direitos constitucionais de liberdade de expressão e informação e no princípio da publicidade do processo penal. O direito de liberdade de expressão está previsto no artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal, verbis: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença''. No entanto, o direito à liberdade de expressão conferido deve respeitar a imparcialidade. Portanto, compete a imprensa noticiar a realidade do fato, apenas, sem escândalos ou opiniões pessoais. Com isso, a imprensa proporciona ao seu público a veracidade do feito e respeita o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como os demais princípios pertinentes ao Tribunal do Júri (FILHO e SILVA, 2019, p. 21 e 22). No que tange ao princípio da publicidade no processo penal, este deve servir como instrumento de fiscalização popular do Estado, meio de transparência da atividade jurisdicional e minimização de excessos e arbitrariedades. Contudo, não é o que ocorre na prática. Cita-se a lição de Francesco Carnelutti (2020, p. 16 e 17): A publicidade do processo penal, a qual corresponde não somente à ideia do controle popular sobre o modo de administrar a justiça, mas ainda, e mais profundamente, ao seu valor educativo, está, infelizmente degenerada em um motivo de desordem. Não tanto o público que enche os tribunais ao inverossímil, mas a invasão da imprensa, que precede e persegue o processo com imprudente indiscrição e não de raro descaramento, aos quais ninguém ousa reagir, tem destruído qualquer possibilidade de juntar-se com aqueles aos quais incumbe o tremendo dever de acusar, de defender, de julgar. Passe-se a análise do Tribunal do Júri. O instituto é um órgão especial do Poder Judiciário de 1ª instância e também uma garantia constitucional com previsão no artigo 5°, inciso XXXVIII, da Constituição Federal de 1988, e artigo 74, §1º, do Código de Processo Penal. É competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados e conexos, sendo que estes estão especificados no Código Penal. Os crimes contra a vida, previstos no Código Penal, são: homicídio (art. 121), induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e o aborto (art. 124 ao 127). Menciona-se que dos crimes supra o único que comporta modalidade culposa é o de homicídio (art. 121, §3º), sendo de competência da Vara Criminal. O Tribunal do Júri compreende o procedimento bifásico. A primeira fase é a sumária da culpa e a segunda a instrução em plenário. Os princípios constitucionais que norteiam o instituto são os seguintes: plenitude da defesa, soberania dos vereditos e sigilo das votações. Além disso, o Tribunal do Júri é composto por um juiz togado, seu presidente e por vinte e cinco jurados, sendo que sete destes serão sorteados para constituir o Conselho de Sentença, conforme redação do art. 477, do Código de Processo Penal. Os jurados devem julgar o mérito da causa convictos com o que foi exposto no plenário. Todavia, em casos de grande repercussão da mídia, é possível que comparecem já com uma opinião formada. De acordo com Macedo (2013, p. 31) o problema está no Júri ser formado por juízes leigos, desprovidos de conhecimentos técnicos da área jurídica. Alguns delitos de clamor social geram um grande impacto na sociedade pela forma como foram exibidos nos canais de comunicação. O sensacionalismo midiático em torno de casos de grande repercussão pode trazer sérias consequências para a vida do indivíduo que foi exibido. A título de exemplo, temos o caso da Médica Virgínia Helena Soares de Souza, que foi acusada de antecipar a morte de 07 pacientes no Hospital Evangélico de Curitiba/PR. O caso abalou a população que apelidou a médica de “Dra. Morte”. Virgínia foi absolvida sumariamente pela 2ª Vara do Júri de Curitiba/PR, na sentença o juiz fundamentou que inexistia provas suficientes para levar o feito a Júri Popular. Mesmo absolvida, a médica sofreu as consequências da exposição feita pela mídia, há notícias de que ela não sai de sua casa e que ainda não se recuperou do linchamento moral e profissional que teve. Diante do exposto, conclui-se que a mídia deve exercer seu papel com responsabilidade, exercendo sua função de forma proporcional e razoável, impondo limites as divulgações que são feitas. Isso porque, para um julgamento justo é necessário que os jurados tenham acesso a informações verídicas (e expostas em plenário) e não sensacionalizadas, evitando pré-julgamentos e até mesmo condenações injustas. IZABELE VITORIA SANTOS Graduanda em Direito, 3° período, Centro Universitário Uninter. Estagiária no Departamento Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado do Paraná. E-mail: [email protected]. STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduanda em Direito, 9° período, Centro Universitário Uninter. Estagiou em Departamento da Polícia Civil de 2018 a 2020. Estagiária no Ministério Público do Estado do Paraná. E-mail: [email protected]. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BREMBATTI, Katia (Gazeta do Povo). Caso Virgínia: juiz absolve médica acusada de mortes no Hospital Evangélico. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/curitiba/caso-virginia-juiz-absolve-medica-acusada-de-mortes-no-hospital-evangelico-8925z1qagpxcks2u1565hd48l/>. Acesso em: 07 jan. 2022. CARNELUTTI, Francesco. 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1 Comment
VANESSA ROCHA
8/6/2022 10:18:22 pm
Esse artigo é uma ofensa à honra e dignidade dos familiares das vítimas do "Caso do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba ", ocorrido entre os meses de Janeiro e Fevereiro de 2013. As autoras não se preocuparam em buscar a verdade. De igual maneira, não se interessaram em falar com os familiares das vítimas. Logo, tratar a principal acusada pelas mortes dos pacientes como "vítima" dos veículos de comunicação de massa , é um absurdo.
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