Artigo de ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA e STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO no sala de aula criminal, vale a leitura! ''O caso da socialite Angela Diniz ganhou grande repercussão no Brasil, aconteceu no ano de 1966. Doca Street, até então companheiro dela, após isso discussão ocasionada por conta de ciúmes, disparou com uma arma de fogo 4 tiros na cabeça de Angela. O companheiro ainda disse que a matou por amor. Foi levado a Júri Popular e em primeira instância foi condenado a apenas 2 anos de prisão. Seu advogado, em sustentação oral, se utilizou da tese de legítima defesa da honra, afirmando que Doca teria matado Angela para defender a própria honra''. Por ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA e STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO A ideia de se utilizar da tese de legítima defesa da honra do homem, especificamente em casos de violência contra a mulher, parece um tanto arcaica, no entanto, ainda há advogados que se aproveitam da mesma, com o intuito de buscar a absolvição de seus clientes, frente ao tribunal do júri. O que nos leva a questionar sobre o que valeria mais: a vida de uma mulher ou a honra de um homem?
A legítima defesa, instituto entendido como excludente de ilicitude, possui previsão legal no artigo 25 do Código Penal, o qual dispõe que: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Percebe-se que tal instituto não identifica qual bem jurídico estará sob a sua proteção, proporcionando então uma maior amplitude com relação a interpretação, bastando para sua efetiva aplicação a existência de uma injusta agressão e que a pessoa se utilize dos meios necessários de forma moderada, destarte que, com a finalidade de repelir a injusta agressão.[1] Nesse sentido, ensina Cezar Roberto Bittencourt que, a legítima defesa conforme o próprio Código Penal estabelece, exige a presença de alguns requisitos de forma simultânea, sendo eles a agressão injusta, atual ou iminente, direito (bem jurídico) próprio ou alheio, meios necessários usados moderadamente e animus defendendi; sendo esse último um requisito subjetivo.[2] Ademais, se faz necessária uma breve ressalva acerca da posição da mulher em tempos passados para melhor compreensão do tema em tela. Nesse viés, as autoras Gomes, Balestero e Rosa[3] descrevem que a opressão feminina vem de um contexto histórico, presente na cultura de todos os países, sendo os valores retransmitidos e aprendidos, contribuindo para que a mulher seja vista como um ser inferior. Sabe-se que por muito tempo a mulher foi vista com inferioridade para com relação ao homem, o seu status era de objeto e de propriedade do mesmo.[4] Ao decorrer dos anos movimentos feministas surgiram, lutas aconteceram e alguns direitos foram conquistados, como por exemplo, o direito de voto. Na atualidade, a Constituição Federal de 1988, consagrou, em seu artigo 5º, caput, a igualdade formal. O uso da tese de legítima defesa da honra do homem foi uma maneira encontrada para justificar as agressões por parte de homens em relação a suas companheiras seja por ciúmes, separação ou até supostas traições. Os passionais, conforme lições de Follmer, com objetivo de excluir a antijuridicidade dos fatos, alegavam que o crime era cometido para defender a honra e, assim, obter o perdão da conduta delituosa. O autor ainda traz que a aludida tese surgiu junto a legislação portuguesa trazida para o Brasil, não reconhecida juridicamente, contudo permitia que o marido matasse a mulher e a amante quando surpreendidos cometendo o adultério.[5] A utilização da referida tese é focada na cultura predominante na sociedade, qual seja: o machismo. Há quem ainda esteja perdido no passado. Vale registrar que, o aproveitamento do argumento de legítima defesa da honra do homem, além de ser utilizado em casos de violência, passou a ser empregado também em casos de feminicídio, o que consequentemente causou repudia na sociedade brasileira. O feminicídio passou a ser uma circunstância qualificadora do delito de homicídio após a edição da Lei 13.104/2015, a qual alterou o artigo 121 do Código Penal, bem como, foi incluído no rol taxativo de crimes hediondos da Lei 8.072/1990.[6] Pode ser conceituado como: “feminicídio é crime de homicídio qualificado de natureza objetiva, cometido contra mulher, por razões da condição de sexo feminino”.[7] De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 649 mulheres foram vítimas de feminicídio no primeiro semestre de 2020, sendo um aumento de 2% em relação ao mesmo período de 2019. Os dados mostram que em 2019 1.326 mulheres foram mortas por sua condição de mulher e, maior incidência de mulheres com faixa etária de 35 a 39 anos. Destaca-se que desse total de vítimas 66,6% eram mulheres negras.[8] Como exemplos de casos concretos em que houve a utilização da tese em epígrafe podemos mencionar o caso Angela Diniz e o caso Elisiane Amaral. O caso da socialite Angela Diniz ganhou grande repercussão no Brasil, aconteceu no ano de 1966. Doca Street, até então companheiro dela, após isso discussão ocasionada por conta de ciúmes, disparou com uma arma de fogo 4 tiros na cabeça de Angela. O companheiro ainda disse que a matou por amor. Foi levado a Júri Popular e em primeira instância foi condenado a apenas 2 anos de prisão. Seu advogado, em sustentação oral, se utilizou da tese de legítima defesa da honra, afirmando que Doca teria matado Angela para defender a própria honra. Outro caso de destaque nacional foi o de Elisiane Amaral. Ademar, marido de Elisiane, a enforcou com uma corda. O fato ocorreu após uma discussão, isso porque Elisiane queria a separação dele. O marido ainda tentou se livrar do corpo e inventou uma versão de que Elisiane estaria desaparecida. A defesa entrou com um pedido baseado na legitima defesa da honra buscando a absolvição sumária de seu cliente. O juiz não acatou o pedido, motivo pelo qual, a defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Ademar foi julgado e condenado a 18 anos de prisão. Após o julgamente, o STJ se manifestou contra o recurso. O ministro Rógerio Schietti, após o caso, afirmou que “a honra não é um bem superior a vida humana, o direito a vida não pode ser sacrificado em nome de um bem menor que seria a honra”.[9] Recentemente, o Ministro da Suprema Corte, Dias Toffoli, concedeu parcialmente medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, de forma a promover o entendimento de que a legítima defesa da honra é um argumento inconstitucional, visto que, fere os princípios da dignidade da pessoa humana, proteção à vida e igualdade de gênero. O Ministro ainda elucidou que não se deve confundir legítima defesa da honra com legítima defesa, dado que, somente a segunda consiste em uma causa de excludente de ilicitude e ainda acrescentou que: Portanto, aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional de forma covarde e criminosa. Assim sendo, o adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal.[10] Por fim, a referida decisão é coesa e harmônica com o atual momento em que vivemos. A utilização da tese de legítima defesa da honra é absurdamente inconstitucional, além de ferir princípios constitucionais, tal tese justifica um homicídio a partir da honra de um homem e, ainda por cima, é um argumento que reforça a posição da mulher como objeto, ferindo sua dignidade. ANE CAROLINE DOS SANTOS SILVA Graduada em Ciências Biológicas. Graduanda em Direito, 7° período, Centro Universitário Uninter. Membro do Grupo de Pesquisa: Não Somos Invisíveis. STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Graduanda em Direito, 7° período, Centro Universitário Uninter. Estagiou em Departamento da Polícia Civil de 2018 a 2020. Estagiária no Ministério Público do Estado do Paraná. REFERÊNCIAS Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 779. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF779.pdf>. Acesso em: 10 de mar. 2021. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 2020. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/02/anuario-2020-final-100221.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021. BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012. BORIS, Georges Daniel Janja Bloc. CESÍDIO, Mirella de Holanda. Mulher, corpo e subjetividade: uma análise desde o patriarcado à contemporaneidade. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482007000200012>. Acesso em: 11 mar. 2021. CARVALHO, João. Afinal, o que é a legítima defesa da honra? Disponível em: <https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/459668535/afinal-o-que-e-a-legitima-defesa-da-honra>. Acesso em: 09 mar. 2021. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 mar. 2021. FANTÁSTICO. Justiça decide se homens que cometem feminicídio podem alegar 'defesa da honra’. Disponível em: < https://globoplay.globo.com/v/9328439/>. Acesso em 08 mar. 2021. FOLLMER, Simone Fernanda. Legítima Defesa da Honra e Violenta Emoção nos crimes de homicídio passional. 2014, p. 44 e 45. Disponível em: <https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/673/1/2014SimoneFernandaFollmer.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2021. GOMES, Renata Nascimento. BALESTERO, Gabriela Soares. ROSA, Luana Cristina de Faria. Teorias da dominação masculina: uma análise crítica da violência de gênero para uma construção emancipatória. Disponível em: <https://www.periodicos.ufop.br/pp/index.php/libertas/article/download/292/269>. Acesso em: 10 mar. 2021. LOUREIRO, Ythalo Frota. Conceito e Natureza Jurídica do Feminicídio. Disponível em: <http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2017/08/8-Conceito-e-Natureza-Jur%C3%ADdica-do-Feminic%C3%ADdio.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2021. [1] CARVALHO, João. Afinal, o que é a legítima defesa da honra? Disponível em: <https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/459668535/afinal-o-que-e-a-legitima-defesa-da-honra>. Acesso em: 09 mar. 2021 [2] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012. [3] GOMES, Renata Nascimento. BALESTERO, Gabriela Soares. ROSA, Luana Cristina de Faria. Teorias da dominação masculina: uma análise crítica da violência de gênero para uma construção emancipatória. Disponível em: <https://www.periodicos.ufop.br/pp/index.php/libertas/article/download/292/269>. Acesso em: 10 mar. 2021. [4] BORIS, Georges Daniel Janja Bloc. CESÍDIO, Mirella de Holanda. Mulher, corpo e subjetividade: uma análise desde o patriarcado à contemporaneidade. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482007000200012>. Acesso em: 11 mar. 2021. [5] FOLLMER, Simone Fernanda. Legítima Defesa da Honra e Violenta Emoção nos crimes de homicídio passional. 2014, p. 44 e 45. Disponível em: <https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/673/1/2014SimoneFernandaFollmer.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2021. [6] Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 mar. 2021. [7] LOUREIRO, Ythalo Frota. Conceito e Natureza Jurídica do Feminicídio. Disponível em: <http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2017/08/8-Conceito-e-Natureza-Jur%C3%ADdica-do-Feminic%C3%ADdio.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2021. [8] Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 2020. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/02/anuario-2020-final-100221.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2021. [9] FANTÁSTICO. Justiça decide se homens que cometem feminicídio podem alegar 'defesa da honra’. Disponível em: < https://globoplay.globo.com/v/9328439/>. Acesso em 08 mar. 2021. [10] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 779. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF779.pdf>. Acesso em: 10 de mar. 2021.
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