Neste presente escrito, delimitarei o assunto a ser exposto pautando-o na seguinte questão: Todo usuário é viciado? Indo um pouco mais além: é possível dizer que uma vez utilizada certa substância, tornar-se-á o usuário um escravo desta? Outrossim, não se pretende discutir neste artigo os motivos que levam as pessoas a utilizarem entorpecentes, a pauta é tão só a questão da dependência. Ainda, ressalta-se desde o início, que não se trata de uma apologia ou incentivo à utilização de entorpecentes, mas sim, desvelar mitos acerca das substâncias tidas como ilícitas. Do mesmo modo, não se pretende com este simples artigo desmistificar todos os conceitos acerca da dependência de entorpecentes, mas sim propor um questionamento e tentar desmistificar tabus enraizados durante anos dentro do seio da sociedade. Partindo-se desta premissa, um assunto um tanto quanto delicado é colocado em jogo, qual seja: as substâncias tidas como drogas viciam ou causam dependência? Nos parece uma pergunta retórica e ingênua até certo ponto, pois temos a “resposta” na ponta da língua: Óbvio que sim! Antes de adentrarmos no escopo deste escrito, devemos partir do seguinte questionamento, quem foi que disse que droga vicia? Ou como aprendemos tal construção firme em torno da dependência? É importante destacar esta primeira parte, pelo fato de que, ao nascermos, nenhum de nós possuía, ao menos, um discernimento de certo e errado ou valores éticos e morais já construídos e passados pela vida intrauterina. Sendo assim, como qualquer outra coisa que nosso cérebro está condicionado a fazer, como a contagem do tempo, frases prontas e preconcepções, devemos partir para esta análise, com a consciência de que fomos condicionados a pensar de tal modo, seja pela construção familiar, seja pela construção social e época em que vivemos. Desta forma, cabe-nos indagar mais uma vez, substância entorpecente por si só vicia? Pois bem, esse mito acerca de que as substâncias entorpecentes viciam ou causam dependência, como maiores exemplos as substâncias conhecidas como cocaína e a heroína, foi construído através de algumas pesquisas, bem como crenças. Vou relatar aqui uma breve síntese de pesquisas realizadas, as quais poderão ser melhor compreendidas acerca de métodos utilizados ou resultados no site contido nas referências. [1] Uma pesquisa no início da década de 60 merece destaque, a qual foi realizada com ratos. A pesquisa consistia na seguinte análise: Era colocado um rato dentro de uma pequena jaula, sendo inserida uma agulha em seu corpo. Esta agulha estava interligada a drogas como a cocaína e a heroína. A substância era liberada no organismo do rato através de uma alavanca que este acionava. Nestes testes, foi relatado que os ratos, ao terem o primeiro contato com a droga, passaram a acionar indeliberadamente a alavanca para receberam mais doses da droga. Ainda, foi possível notar que os roedores ficaram tão dependentes da substância que esqueceram de se alimentar ou beber água, levando-os ao óbito. Tal pesquisa, é o carro-chefe da crença sobre a dependência por assim dizer, com os dizeres em um vídeo: se a droga faz isso com o rato, irá fazer com você! [2] Noutro vértice, ao final dos anos 70, um psicólogo canadense chamado Bruce Alexander, ao realizar uma reflexão sobre tal pesquisa, resolveu inovar no que tange o método utilizado. O psicólogo criou o posteriormente denominado RatPark, que basicamente era um local maior, com vários afazeres, luzes, perfumes dentre outras atrações para ratos, sendo importante destacar que haviam 16 ratos dentro do mesmo ambiente. Neste espaço, foram disponibilizadas aos ratos duas águas, a primeira contendo água potável e a segunda cloridrato de morfina, substância parecida com a cocaína. A partir disto, Bruce Alexander passou a analisar o comportamento dos ratos e a relação destes com as drogas. Foi observado que os ratos chegaram a experimentar a solução com morfina, mas devido ao gosto amargo, os roedores após tomar a solução, passaram a rejeitá-la, não sendo constatada, inclusive, qualquer tipo de dependência. Por outro lado, foram colocados outros 16 ratos, desta vez isolados, individualmente e em pequenas jaulas, com o mesmo método das duas águas utilizados no RatPark. Nesta oportunidade, os ratos apresentaram o mesmo resultado da década de 60, qual seja, consumir a droga até sua morte. Considerando que, no primeiro experimento no RatPark, foi possível a constatação da rejeição dos roedores, diante do gosto amargo da solução, o psicólogo adicionou quantidades de açúcar para tornar a solução extremamente adocicada, e consequentemente, atrair os ratos. Analisando o comportamento dos roedores, foi constatado que estes experimentaram a substância adocicada, porém não se tornaram dependentes destas, preferindo realizar outras atividades que eram disponibilizadas no ambiente. Frisa-se que no RatPark nenhum dos ratos foi a óbito. Ainda, não satisfeito com os resultados da pesquisa, Bruce Alexander quis analisar se, após consumirem por vários dias a substância, os ratos estariam dependentes e se, em caso positivo, conseguiriam largar as drogas. Dessa forma, o psicólogo colocou os 16 ratos, cada um isolado em uma jaula, e injetou quantidades de cloridrato de morfina nos roedores até que, em tese, ficassem dependentes da substância. Após isto, os ratos foram colocados novamente no RatPark, com as mesmas condições anteriores, quais sejam: afazeres, divertimentos, convivência em comunidade e, como não poderia faltar, a água contendo a solução adocicada. No início viu-se o consumo da solução adocicada em escala maior que a anteriormente registrada, porém, com o passar do tempo, notou-se que os ratos deixaram de consumir a solução aos poucos, sendo que a maioria passou a preferir os outros afazeres do que o cloridrato morfina. Tal pesquisa nos leva, portanto, a (re)pensar, o problema do vício foi a substância ou a jaula e as condições impostas? Precisa-se desmistificar os tabus colocados em nossa sociedade, pois presos ao moralismo, e preconcepções ficamos cegos, vendados por conceitos que aprendemos sem, ao menos, nos pautarmos em algo concreto. Noutro lado, temos a ciência explicando a questão da dependência química. Neste ponto, nota-se que a dependência pode ser causada pelo neurotransmissor do nosso sistema de recompensa, liberando uma substância chamada Dopamina, tal substância é responsável por dar as sensações de felicidade, prazer dentre outras sensações agradáveis. Tal substância é formada através de estímulos, dentre eles, as substâncias tidas como drogas, bem como outros estímulos naturais (a exemplo do RatPark). Comparando os ratos isolados recebendo a quantia da droga e a questão de estímulos e liberação de Dopamina, pode-se verificar que não havia qualquer estímulo externo para liberação da dopamina a não ser os entorpecentes. Por outro lado, os ratos recebendo diversos estímulos no RatPark, bem como a convivência em grupo, os levou a liberação da dopamina e consequentemente, afastando-os da droga. Desta forma, percebe-se que a dependência, pode ser uma inter-relação entre fatores que não estão diretamente ligados às drogas. Para melhor exemplificarmos, podemos citar os vícios do álcool. Existem pessoas que passam consumindo álcool de modo moderado por toda sua vida, sem no entanto, apresentarem abstinência comum da dependência. Noutro vértice, existem pessoas que possuem a dependência do álcool, sendo considerado inclusive como uma doença e que mereça tratamento. Importante salientar, que não é a substância per si, que gera o vício, mas talvez circunstâncias externas que revelam a possibilidade de dependência. Outro maior exemplo, são as pessoas viciadas em jogos, as quais por muitas vezes perdem toda sua capacidade financeira, ou até mesmo sentem abstinência caso não estejam envolvidas no jogo. Desta ótica, percebe-se não haver qualquer objeto adentrando ao corpo do jogador produzindo a possibilidade de uma dependência química, revelando-se, talvez, a relação da dopamina com a dependência e não com o fato do jogo em si. Mas qual a relevância de discutir se a droga ou influências externas determinam a dependência? Temos que desmistificar e quebrar o tabu relacionado às drogas, para assim conseguirmos enxergar mais a frente, e realmente encararmos um problema que é da seara de saúde pública e não de direito penal. Outrossim, talvez durante todos estes anos atacamos o “inimigo” errado, e a denominada Guerra às Drogas trouxe ainda mais prejuízo à sociedade do que a própria droga em si, como visto anteriormente nos artigos desta coluna. Por derradeiro, retomando a pesquisa citada, e partindo para a conclusão, há possibilidade de a dependência estar diretamente relacionada à jaula nos casos dos ratos e não à substância entorpecente. Destarte, como já mencionado em artigos anteriores, é utópico o pensamento da erradicação de uso das drogas, mas para realizarmos uma política pública realmente eficiente em sua diminuição, devemos retirar os preconceitos impostos durante anos, desmistificar tabus e discutir acerca desta problemática vivente em nossa sociedade. Por fim, este que lhes escreve esclarece que este artigo pautou-se tão somente nas pesquisas empíricas citadas, sabendo-se inclusive haver outros fatores que poderão determinar a dependência, seja química, seja psíquica, sendo a verdadeira intenção, causar o questionamento que realizamos novamente: Substância entorpecentes são responsáveis pela dependência? Uma vez tendo o contato com alguma substância destas, a dependência é imediata? Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminal Pós-graduando em Processo Penal e Direito Penal na ABDCONST. Pós-graduando em Direito Contemporâneo no Curso Jurídico. [1] ALEXANDER, Bruce K. The Myth of Drug-Induced Addiction. Department of Psychology, Simon Fraser University, Burnaby, B.C., V5A 1S6. Disponível em: <http://www.parl.gc.ca/Content/SEN/Committee/371/ille/presentation/alexender-e.htm> [2] Vídeo do site youtube. Cocaine Rat – Drug-Free America. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7kS72J5Nlm8> Comments are closed.
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