A síndrome congênita do zika pode produzir a morte do embrião, do feto ou do recém-nascido, causar danos neurológicos e impedimentos corporais permanentes e severos. Não se sabe ainda em quantos e quais casos de mulheres infectadas ocorrerá transmissão vertical e o desenvolvimento da síndrome congênita do zika. Não se sabe quanto tempo o vírus fica ativo no corpo das mulheres infectadas para o risco de transmissão vertical em uma futura gestação, essas incertezas provocadas pela epidemia sujeita as mulheres à intenso sofrimento psicológico.[1]
O dano causado às mulheres e aos seus futuros filhos decorre da negligência persistente do Estado brasileiro em não ter eliminado o mosquito que carrega o vírus. O vetor Aedes aegypti foi erradicado duas vezes, na década de 1950 e 1970, mas retornou e permaneceu por conta da falta de politicas públicas de saneamento, acesso à agua e controle vetorial que afetam principalmente as populações marginalizadas das periferias.[2] Em março de 2016 o Ministério da Saúde publicou o Protocolo de Atenção e Resposta a Ocorrência de Microcefalia, que fornece recomendações para a prestação de cuidados e planejamento reprodutivo por meio do acompanhamento pré-natal e do recém-nascido.[3] O Protocolo falha em atender de maneira adequada os desafios que as mulheres negras e pobres que vivem nas áreas mais afetadas pela epidemia enfrentam para ter acesso a métodos contraceptivos. O documento deveria reconhecer as restrições legais e socioeconômicas que afetam a saúde das mulheres. Apesar de o Protocolo reconhecer que o uso dos métodos contraceptivos desempenha um papel importante no impacto da epidemia, parece desconhecer as desigualdades sociais que criam dificuldades para muitas mulheres acessarem e se informarem sobre métodos contraceptivos.[4] Uma das lacunas mais preocupantes é a omissão do Protocolo em tratar a questão do aborto, entretanto, o aborto inseguro é uma realidade no Brasil. A criminalização do aborto não impede que a sua prática ocorra ilegalmente.[5] As estatísticas da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) mostram que 22% das mulheres entre 35 a 39 anos já abortaram pelo menos uma vez, a escolaridade de 23% das mulheres que abortam é apenas até a 4° série do ensino fundamental, e 48% das mulheres utilizou remédios abortivos.[6] As barreiras legais para a prática do aborto afetam particularmente as mulheres com piores condições sócio econômicas, negras e pardas, mulheres jovens e mulheres que residem em áreas rurais e periferias urbanas. “Portanto, a lacuna do Protocolo sobre os riscos do aborto inseguro não é só uma falha que impede o acesso a saúde com igualdade, mas também aponta para negligência governamental em tomar medidas de proteção dos direitos humanos das mulheres, no contexto da epidemia de Zika, violando as normas de saúde global e os estandares de direitos humanos internacionais.”[7] Paralelamente as descobertas científicas sobre o aumento das desordens neurológicas e malformações fetais decorrentes do vírus zika, iniciou em 2016 um litigio judicial para a garantia dos direitos das mulheres afetadas pela epidemia. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 5581 que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), foi proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) em 24 de agosto de 2016 e é de relatoria da Ministra Carmen Lúcia. A referida ADI está cumulada com arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), na qual se discute a omissão do Estado brasileiro em dispor sobre a possibilidade de interrupção da gestação por parte das mulheres afetadas pela epidemia do zika vírus. A Arguição de Descumprimento busca evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Na ADI nº 5581, os atos atacados que interessam para os fins desta pesquisa são: Os atos do Poder Público atacados são: 02.1. omissão na garantia de acesso à informação sobre o estado atual do conhecimento médico sobre a epidemia do vírus zika, incertezas e riscos de infecção, bem como formas de prevenção; 02.2. omissão na garantia de acesso a cuidados de planejamento familiar, incluindo o acesso a métodos contraceptivos reversíveis de longa duração, tais como o DIU-LNG, e ao repelente do mosquito vetor; 02.4. omissão sobre a possibilidade expressa e literal de interrupção da gravidez nas políticas de saúde do Estado brasileiro para mulheres grávidas infectada pelo vírus zika. 03. Essas omissões encontram-se consubstanciadas nas políticas públicas absolutamente insatisfatórias para enfrentar a epidemia do vírus zika nas Instruções, nas Portarias, nas Normas Técnicas e nos Protocolos do Governo Federal, assim como na inexistência de recursos financeiros alocados para concretização das medidas necessárias para enfrentar os efeitos nocivos da citada epidemia. Conforme descrito acima, os principais documentos são: a) Protocolo de Vigilância e Resposta à Ocorrência de Microcefalia e/ou Alterações do Sistema Nervoso Central (SNC); b) Protocolo para Implantação de Unidades Sentinelas para Zika Vírus, c) Protocolo de Atenção à Saúde e Resposta à Ocorrência de Microcefalia, d) e as Diretrizes para Estimulação Precoce - Crianças de zero a 3 anos com Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor Decorrente de Microcefalia, e) Portaria MS nº. 3, de 11/01/2016, f) a Instrução Operacional Conjunta MS-MDS nº. 1, expedida em 25/02/2016, g) a Portaria Interministerial nº. 405, de 15/03/2016 e h) Instrução Operacional Conjunta MS-MDS nº. 2, de 31/03/2016. 05. Primeiramente, salienta-se não existir outro meio eficaz para sanar as lesões arguidas de forma concentrada. Nos quatros pedidos desta ADPF, não se procura a declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade de atos normativos posteriores à Constituição de 1988 (ADI e ADC) ou a omissão de ato legislativo (ADO). Em três pedidos atacam-se políticas públicas insuficientes pautadas em atos normativos secundários e pede-se interpretação conforme a Constituição dos artigos 24, 124, 126 e 128, do Código Penal, ou seja, de legislação pré-constitucional. Esses são pleitos típicos de ADPF.[8] A omissão do Estado é configurada quando se adotam políticas públicas insuficientes para a garantia dos direitos das mulheres, o que constitui uma modalidade comportamento inconstitucional.[9] A ação aponta que houve violação aos seguintes preceitos fundamentais: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CR), livre desenvolvimento da personalidade, direitos à liberdade e às integridades física e psicológica (art. 5º, caput, CR), direito à informação (art. 5º, XIV, da CR), proteção à infância e à maternidade (art. 6º, da CR), direito à saúde e da prevenção de doenças (arts. 6º, 196 e 198, II, da CR), direito à seguridade social (art. 203, da CR), direito ao planejamento familiar e de liberdade reprodutiva (art. 226, §7º, da CR) e direito à proteção dos deficientes (art. 227, caput, §1º, II, da CR).[10] No tópico sobre a omissão na garantia de acesso a métodos contraceptivos e repelente contra o mosquito vetor, o argumento é de que o Estado brasileiro foi omisso ao não conceber e executar políticas públicas focadas no planejamento familiar e saúde reprodutiva das mulheres em risco de infecção pelo zika vírus, com a distribuição de métodos contraceptivos e acesso à repelentes contra o mosquito Aedes aegypti.[11] O direito ao planejamento familiar, que encontra fundamento no artigo 226, §7º da Constituição, pressupõe o acesso à esses métodos, e no caso da epidemia de zika, “é fundamental uma política pública de acesso a meios contraceptivos extensiva, a qual foque em especial nas mulheres em idade reprodutiva e na população em maior vulnerabilidade, com ampla distribuição dos meios contraceptivos.”[12] No Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia o uso de repelentes é frequentemente citado como estratégia de prevenção, porém não ocorreu a distribuição gratuita do produto. “Em tempos de crise de saúde pública provocada pelo vírus zika, o repelente é requisito básico de uma gestação saudável, e, portanto deve ser entendido como parte dos “métodos de concepção” que, segundo o art. 9º da Lei Federal nº. 9.263/1996, compõem o direito ao planejamento familiar.”[13] Em relação a omissão sobre a possibilidade de interrupção da gravidez nas políticas públicas do Estado brasileiro para a mulher grávida infectada pelo vírus zika a ANADEP requer que os artigos 124, 126 e 128, I e II do Código Penal sejam interpretados conforme a Constituição de 1988.[14] O parecer do Global Health Justice Partnership (GHJP), da Universidade de Yale, que integra a ADI, ressalta a omissão do Brasil em implementar políticas públicas voltadas à saúde reprodutiva: Assim como a epidemia de HIV/AIDS, combater efetivamente o Zika exigirá que o governo brasileiro trabalhe dentro de um contexto cultural e social diverso para avaliar as necessidades das populações vulneráveis e expandir a disponibilidade dos recursos de saúde a essas populações. O Protocolo [de Atenção à Saúde e Resposta à Ocorrência de Microcefalia] reconhece adequadamente a importância do uso de contraceptivos, assim como o papel do homem na gravidez. Contudo, ele não reflete uma compreensão do contexto social adequada para fazer face à epidemia de Zika de uma maneira que ofereça suporte ao compromisso do Brasil com as metas de saúde pública e direitos humanos. Especificamente, o Protocolo ignora as realidades complexas associadas às decisões reprodutivas da mulher. Ele não explica os desafios práticos que muitos indivíduos, principalmente mulheres pobres, enfrentam ao obter e usar métodos contraceptivos, nem faz qualquer menção ao aborto, disponível legalmente ou não. Para melhorar a saúde pública e os direitos humanos, o protocolo deve estar enraizado nas experiências de vida da mulher em vez de somente em soluções teóricas. Além do mais, a exclusão de opções abrangentes de saúde reprodutiva pelo Protocolo demonstra a negligência do governo brasileiro com suas obrigações internacionais de proteger a saúde da mulher.[15] No contexto das mulheres grávidas contaminadas pelo zika, a possibilidade de interrupção lícita da gravidez conta com respaldo na jurisprudência do STF e por interpretação conforme a Constituição dos artigos 23, I, 24 e 128 I,II do CP.[16] No caso da epidemia de zika, “a gravidez foi transformada em uma espera desamparada para as mulheres, semelhante a um permanente estado de maus-tratos.”[17] “São nove meses de desamparo e, se o futuro filho nascer com desordens neurológicas provocadas pela síndrome congênita do zika, tem início um longo percurso de necessidades singulares de saúde e acessibilidade que não são garantidas como direitos.” O argumento da ANADEP é que “a situação de mulher grávida com diagnóstico de infecção por vírus zika enquadra-se no art. 128, I, do Código Penal, como estado de necessidade específico, ou no arts. 23, I, e 24 do mesmo Código, como estado de necessidade justificante geral.”[18] Nos debates sobre a interrupção da gestação pode haver colisão entre princípios constitucionais, entretanto, a vida não é um direito absoluto e inexiste hierarquia entre o direito à vida e os demais direitos. No caso das mulheres grávidas infectadas pelo zika, há o seu direito à vida digna, o qual pressupõe o direito de decidir continuar ou não com uma gravidez que lhe causa intenso sofrimento.[19] No caso específico da epidemia do vírus zika, marcada por incertezas, angústia e sofrimento psicológico para as mulheres afetadas, é razoável considerar que a epidemia provoca um estado de necessidade à mulher grávida infectada, tornando a interrupção da gravidez um direito da mulher para proteção da sua saúde mental.[20] Deve-se aplicar assim de forma analógica o art. 128, I, do Código Penal, e ainda que não se entenda pela analogia com o referido artigo, “é forçoso concluir que a interrupção da gestação de mulher infectada pelo vírus zika é acolhida pelo estado de necessidade genérico (CP, art. 24), configurando-se em causa de exclusão da ilicitude da conduta (CP, art. 23, I).”[21] Por fim, “a interrupção da gravidez deve ser autorizada quando o Poder Público falhou em evitar o sofrimento da mulher, por não erradicar o mosquito vetor, por não informar, por não promover medidas preventivas adequadas no contexto da epidemia e, ainda, quando não se compromete com a garantia de direitos da mulher e de seus futuros filhos.” Dessa forma: a interpretação conforme a Constituição é medida hábil à garantia de tais preceitos fundamentais, a) declarando-se a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gestação em relação à mulher que tiver sido infectada pelo vírus zika e optar pela mencionada medida é conduta tipificada nos artigos 124 e 126 do Código Penal ou; b) sucessivamente, declarando-se a interpretação conforme a Constituição do art. 128, I e II, do Código Penal julgando constitucional a interrupção da gestação de mulher que tiver sido infectada pelo vírus zika e optar pela mencionada medida, tendo em vista se tratar de causa de justificação específica, e por estar de acordo ainda com a justificação genérica dos arts. 23, I, e 24 do Código Penal, em função do estado de necessidade com perigo atual de dano à saúde provocado pela epidemia de zika e agravado pela negligência do Estado brasileiro na eliminação do vetor, as quais configuram hipóteses legítimas de interrupção da gravidez.[22] Levando em consideração a angústia mental sobre questões reprodutivas, acrescido dos deveres éticos de minimizar danos e permitir que as decisões sejam realizadas com base nas crenças e na concreta realidade de cada mulher, a capacidade de escolher deve incluir um amplo conjunto de opções, que inclui tanto a contracepção quanto a interrupção da gestação.[23] A ação requer, “por consequência, a sustação dos inquéritos policiais, das prisões em flagrante e dos processos em andamento que envolvam a interrupção da gravidez quando houver comprovação de infecção da gestante pelo vírus Zika, até o julgamento definitivo.”[24] Jeffrey Lesser e Uriel Kitron mencionam um ditado que diz “mosquitos são democráticos; eles picam tanto os ricos como os pobres,”[25] “o fato é que a crise do vírus do zika teve impactos bem diferentes em cada classe, grupo social ou gênero. Em outras palavras, o zika é mais um indicador da desigualdade que persiste no Brasil contemporâneo, mesmo após várias décadas de democracia”.[26] Doenças transmitidas por mosquitos afetam desproporcionalmente a população mais pobre. A epidemia de zika teve maior impacto no Nordeste, onde uma percentagem maior da população é pobre e as “as condições climáticas são mais favoráveis à propagação de vírus transmitidos por mosquitos do que no Sul, mais rico e menos tropical.”[27] LARISSA TOMAZONI Mestranda em Direito pelo Uninter, pós graduanda em Gênero e Sexualidade, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil, pesquisadora do Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL/UFPR) e do Grupo de estudos Jurisdição Constitucional Comparada: método, modelos e diálogos (Uninter), Advogada no escritório Boeing e Tomazoni. E-mail: [email protected]. Referências BAUM, Paige. Et. al. Garantindo uma resposta do setor da saúde com foco nos direitos das mulheres afetadas pelo vírus zika. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csp/v32n5/1678-4464-csp-32-05-e00064416.pdf >Acesso em: 01 fev. 2018. DINIZ, Debora. Zika: do sertão Nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700002 > Acesso em: 16 mar. 2018. LESSER, Jeffrey. KITRON, Uriel . A geografia social do zika no Brasil. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142016000300167> Acesso em: 16 mar. 2018. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5581. Relatora Min. Carmen Lúcia. [1] Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5581. Relatora Min. Carmen Lúcia.p.75-76. [2] Ibidem, p.76. [3] BAUM, Paige. Et. al. Garantindo uma resposta do setor da saúde com foco nos direitos das mulheres afetadas pelo vírus zika. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csp/v32n5/1678-4464-csp-32-05-e00064416.pdf >Acesso em: 01 fev. 2018. [4] Idem. [5] Idem. [6] DINIZ, Débora; MEDEIROS, Marcelo. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232010000700002 > Acesso em: 16 mar. 2018. [7] Idem. “Embora o aborto seja permitido em situações de violência sexual, anencefalia ou risco à vida da mulher, o Protocolo não aborda como os profissionais de saúde devem proceder em tais casos ou informar as mulheres sobre o direito ao aborto nesses casos. Considerando que 527 mil mulheres são estupradas todos os anos, é fundamental que os profissionais de saúde conheçam a exceção prevista em lei no caso de violência sexual. Os níveis atuais de desconhecimento sobre a lei penal em relação ao aborto são inaceitáveis. Uma pesquisa nacional de obstetras e ginecologistas constatou que menos da metade conhecia bem a lei do aborto. O Protocolo, portanto, perde uma oportunidade importante de instruir os profissionais de saúde e as mulheres sobre o aborto previsto em lei.” [8] Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5581. Op. cit.,p.42-43. [9] Assim dispõe a jurisprudência do STF: “Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operante e exeqüíveis, abstendo-se, em consequência, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. (...) A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. (STF, Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1439, Relator Min. Celso de Mello, Julgado em 22/05/1996, Publicação: DJ 30-05-2003).” In: Ibidem, p.45. [10] Ibidem, p.46. [11] Ibidem, p.65-66. [12] Ibidem, p.66. Constituição Federal Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. [13] Ibidem, p.72. [14] Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. Aborto provocado por terceiro. Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência Forma qualificada. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. [15] Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5581. Op. cit.,p.66-67. [16] A síndrome congênita do vírus zika, em algumas gestações, causa a inviabilidade do prosseguimento da gravidez devido à morte do embrião ou do feto. Nessas situações, a possibilidade de interrupção da gravidez amolda-se perfeitamente ao precedente firmado na ADPF nº. 54, verbis: “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível. Na expressão do Ministro Joaquim Barbosa, constante do voto que chegou a elaborar no Habeas Corpus nº 84.025/RJ, o feto anencéfalo, mesmo que biologicamente vivo, porque feito de células e tecidos vivos, é juridicamente morto, não gozando de proteção jurídica e, acrescento, principalmente de proteção jurídico-penal. Nesse contexto, a interrupção da gestação de feto anencefálico não configura crime contra a vida – revela-se conduta atípica.” (STF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54, Relator Min. Marco Aurélio, Julgado em 12/04/2012, Publicação: DJe 30/04/2013). In: Ibidem, p.75. [17] Ibidem, p.76-77. “A filósofa e pesquisadora sobre deficiência Dra. Eva Kittay assim descreve, em parecer, os profundos dilemas e angústias que vivem as mulheres infectadas pelo vírus zika durante a gravidez: Embora todas as crianças demandem responsabilidades, o cuidado de crianças com deficiência impõe responsabilidades adicionais. Essas responsabilidades nem sempre são indesejáveis, mas têm um impacto significativo sobre a mãe e a família. Já mencionei o compromisso eterno de cuidar, os elevados custos médicos impostos por algumas deficiências quando há complicações de saúde e o fato de que o cuidado extra, ao mesmo tempo, exige que a renda da mulher, que é geralmente a cuidadora da criança, seja sacrificada. As mulheres são, na maioria das vezes, quem assume o trabalho adicional e arca com os custos.” [18] Ibidem, p.78. [19] Ibidem, p.79-80. “inexiste hierarquia do direito à vida sobre os demais direitos”, conforme amplamente demonstrado pelo Exmo. Min. Marco Aurélio, na ADPF nº. 54, verbis: [...] o interesse constitucionalmente protegido relativo ao nascituro pode entrar em colisão com outros bens que gozam de tutela constitucional e que, por consequência, a lei não pode dar ao primeiro uma prevalência absoluta, negando aos segundos adequada proteção. E é exatamente este vício de ilegitimidade constitucional que, no entendimento da Corte, invalida a atual disciplina penal do aborto... (STF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54, Relator Min. Marco Aurélio, Julgado em 12/04/2012, Publicação: DJe 30/04/2013).” “Ainda, está em jogo a saúde mental da mulher grávida. Nesse sentido, é o voto do Exmo. Ministro Marco Aurélio, manifestando-se pela descriminalização da interrupção da gravidez nos casos de fetos anencefálicos: além de reconhecerem-se como direitos humanos os sexuais e os reprodutivos, estabeleceu-se como princípio que “toda pessoa tem direito ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física e mental”.(...) Impedida de dar fim a tal sofrimento, a mulher pode desenvolver, nas palavras do Dr. Talvane Marins de Moraes, representante da Associação Brasileira de Psiquiatria*85+, “um quadro psiquiátrico grave de depressão, de transtorno, de estresse pós-traumático e até mesmo um quadro grave de tentativa de suicídio, já que não lhe permitem uma decisão, ela pode chegar à conclusão, na depressão, de autoextermínio”[86]. (...) vale ressaltar caber à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez. (...).”. [20] “Também a Dra. Ilana Löwy destaca, em seu parecer (anexo 17), que o reconhecimento do direito à interrupção da gestação em função do sofrimento psíquico vivido por mulheres grávidas é um aprendizado da história da medicina em outros países: Médicos brasileiros não têm resposta para os medos das mulheres e preveem um aumento constante nas anomalias congênitas causadas pelo zika. Quando perguntados sobre a possibilidade de mulheres serem autorizadas a abortar em caso de anomalia cerebral no feto, os especialistas brasileiros respondem habitualmente que “o aborto é um crime”. Em outro tempo e lugar, médicos que atuaram em países que criminalizam o aborto tiveram uma atitude diferente em relação ao sofrimento das mulheres. Há um consenso generalizado, explicou em 1959 o obstetra britânico Bevis Brock, do Hospital St. Bartholomew, em Londres, de que “quando uma mulher grávida, tendo tido rubéola, está ciente dos riscos e preparada para enfrentá-los, então ninguém tentará convencê-la a aceitar a interrupção. Mas se ela se sente incapaz de enfrentar a terrível ansiedade de uma gravidez ofuscada pelo medo de ter uma criança cega ou surda, então deve haver fortes convicções de recusar esse pedido”. É ainda preciso que existam fortes convicções — ou uma ausência de compaixão pelo sofrimento de uma mulher grávida.” In: Ibidem, p.81. [21] Ibidem, p.83. [22] Ibidem, p.85. [23] DINIZ, Debora. Zika: do sertão Nordestino à ameaça global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. [24] Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5581. Op. cit.,p.88. [25] LESSER, Jeffrey. KITRON, Uriel . A geografia social do zika no Brasil. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142016000300167> Acesso em: 16 mar.. 2018. [26] Idem. [27] Idem. Comments are closed.
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